BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Os afagos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao ditador Nicolás Maduro dividem candidatos de oposição na Venezuela. Enquanto alguns veem a aproximação do petista como negativa, outros defendem que ela pode ser útil para fazer pressão ao regime, depois que a principal líder opositora, a ex-deputada María Corina Machado, foi impedida de disputar as eleições previstas para 2024.
O social-democrata Andrés Caleca, que concorrerá nas primárias em 22 de outubro, diz que não pode qualificar a posição do brasileiro de outra maneira que não seja “lamentável” e que ela “tira muito do mérito” de Lula, de sua trajetória e “do que é o movimento popular de esquerda democrático do Brasil”.
“Entendo que os Estados têm interesses que vão além das posições políticas de cada um e que possivelmente o Brasil tem interesse em manter uma relação estreita e estável com seu vizinho do norte, mas daí a apoiar politicamente Maduro há uma grande distância.”
Caleca foi, na década de 1990, presidente do Conselho Nacional Eleitoral venezuelano e da siderúrgica estatal Ferrominera Orinoco, hoje controlados pelo regime de Maduro. Ele é um dos 14 candidatos que acreditam que a melhor estratégia para tirar o líder do poder é escolher um opositor único para as eleições, ainda sem data marcada.
Já o liberal Antonio Ecarri, que se apresenta como uma terceira via de centro, argumenta que as primárias do que chama de “velha oposição” não representam grande parte da sociedade e pretende concorrer por fora, pelo seu partido, o Aliança do Lápis. Ao contrário de Caleca, ele diz não ver as falas de Lula como relativização da violação de direitos humanos, e sim como uma nova forma de fazer política.
“Quanto mais perto Lula estiver da Venezuela, melhor. Mais Lula, menos Miguel Díaz-Canel [líder de Cuba] e menos Daniel Ortega [ditador da Nicarágua]”, diz ele. “Lula tem um grande papel de advogar por uma eleição o mais limpa e transparente possível. A estratégia de ilhar a Venezuela é um erro, e as sanções não levaram a lugar nenhum.”
As primárias da oposição em outubro serão autogeridas por um grupo de partidos oposicionistas, já que não contarão com a estrutura do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) os diretores do órgão renunciaram a seus cargos em junho, no que adversários interpretaram como uma tentativa de esvaziar a votação prévia.
“Maduro fará todo o possível para sabotar e impedir que essas primárias ocorram. Antes de inabilitar María Corina Machado, já fizeram essa manobra importante que foi implodir a autoridade eleitoral, barrando o uso dos centros eleitorais e do sistema automatizado de eleição”, afirma Caleca.
A ex-deputada, que encabeçava as pesquisas eleitorais, foi declarada inelegível por 15 anos pela Controladoria Geral da República no último dia 30. O órgão alega que ela cometeu “erros e omissões” em suas declarações de patrimônio em 2015 e também apoiou a Presidência interina do ex-deputado Juan Guaidó em 2019.
A decisão gerou críticas de dezenas de entidades, da União Europeia e de presidentes da América Latina. Exceto Lula, que, ao ser provocado pelo uruguaio Luis Lacalle Pou e pelo paraguaio Mario Abdo Benítez durante a cúpula do Mercosul na última terça (4), disse que “não conhecia os pormenores” do caso, “mas pretendia conhecer”.
A antichavista María Corina Machado que, mesmo inabilitada, diz que vai disputar as primárias na esperança de que uma eventual votação expressiva lhe dê envergadura para pressionar Maduro a negociar considera a posição de Lula “inaceitável a esta altura do jogo” e diz que, se ele quer contribuir com a Venezuela, “deve entender que este é o momento de atuar”, como afirmou ao jornal O Globo.
“O governo brasileiro pode contribuir de maneira significativa para uma transição pacífica na Venezuela, mas não botando panos quentes e justificando os crimes de Maduro. O Brasil perde autoridade moral frente aos demais atores democráticos para se tornar um interlocutor confiável. Não pode demonstrar esse nível de suposta ignorância.”
Outro opositor que está inelegível mas concorrerá às primárias é Henrique Capriles, advogado de larga carreira política que já foi duas vezes candidato à Presidência. A Folha perguntou aos dois suas opiniões sobre a postura de Lula, mas suas equipes afirmaram que eles não teriam tempo devido às agendas de campanha.
Capriles também foi proibido de se candidatar por 15 anos, a partir de 2017, por supostas irregularidades administrativas de 2011 a 2013, quando era governador do estado de Miranda. Há ainda um terceiro candidato impedido na lista das primárias: o ex-deputado Freddy Superlano, inabilitado desde 2021 por supostas irregularidades nas eleições do estado de Barinas.
O autoritarismo na Venezuela remonta aos tempos do ex-presidente Hugo Chávez, mas foi depois que ele morreu de câncer, em 2013, que Maduro, seu vice, passou a mostrar a face mais autoritária do regime. Ele criou uma Assembleia Constituinte para neutralizar a oposição, dominou o Tribunal Supremo de Justiça e se reelegeu em 2018 sob eleições muito questionadas, sem observadores internacionais.
JÚLIA BARBON / Folhapress