SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O corpo de José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, foi retirado do Teatro Oficina por volta das 12h30 desta sexta-feira (7). O velório começou por volta das 23h30 de quinta-feira (6) e atravessou a madrugada.
A previsão era de que o teatro fecharia a visitação às 9h, mas ainda havia uma grande fila de pessoas que aguardavam para se despedir do dramaturgo. A equipe pedia para que a multidão entrasse de mão dada para atravessar o ambiente.
Márcio Telles, ator da companhia e pai de santo do teatro, encerrou a cerimônia exaltando o legado artístico e de alegria do dramaturgo. “Hoje estamos eternizando Zé Celso. Ele deixa de ser nosso grande mestre e vira uma eternidade. Estamos celebrando a vida, porque não acreditamos na morte. Somos artistas.”
O deputado estadual Eduardo Suplicy e o viúvo de Zé Celso, Marcelo Drummond, ajudaram a levar o corpo ao carro do serviço funerário.
O espaço seguia aberto ainda às 10h40, com pessoas abraçadas e comovidas dentro do espaço, cantando canções como “O Amor”, de Gal Costa, “Flores Horizontais”, da Elza Soares, e “Rasga o Coração”, de Vicente Celestino. Ao final, o público presente se reuniu ao redor do caixão com aplausos efusivos que duraram cinco minutos.
Às 11h20, as coroas de flores começaram a ser retiradas do espaço. O corpo do dramaturgo será cremado em uma cerimônia prevista para as 13h e fechada para amigos e familiares no Cemitério e Crematório Horto da Paz, no município de Itapecerica da Serra, em São Paulo. O local fica a cerca de uma hora e vinte minutos de carro do teatro na rua Jaceguai.
Zé Celso foi vítima de um incêndio em seu apartamento na última terça-feira (4) e não resistiu aos ferimentos, com 53% de seu corpo queimado. Estava em coma induzido até sua morte na manhã desta quinta-feira (6).
O corpo foi recebido por uma multidão na rua em frente ao Oficina. Artistas e público cantavam, dançavam e gritavam evoé e viva o Zé.
Organizado em fila, o público foi orientado a entrar de mãos dadas, em uma corrente, para a despedida. As pessoas podiam passar rapidamente pelo caixão e eram orientadas a sair, ainda de mãos dadas, para que todos tivessem a chance de homenagear o dramaturgo.
Chamada de grande cobra, a fila em formato circular durou cerca de duas horas. Depois disso, o velório continuou com música, dança e aplausos.
As galerias do Oficina ficaram lotadas até o meio da madrugada, assim como o palco em formato de passarela. O caixão foi colocado na parte final da passarela. Várias pessoas circularam com garrafas e copos de vinho e cerveja.
Após 3h30, com o velório mais vazio, o público sentou em frente ao palco para ouvir canções no estilo bossa nova, cantadas em um tom mais baixo e acompanhadas de piano e violão.
Entre os que se apresentaram no recital estava o compositor e professor José Miguel Wisnik. “A pessoa mais livre e transparente que existiu, existe e reexistirá. Seu não ao ser vil é um tremendo sim. Não há morte que o morra”, disse sobre o amigo.
Por volta das 5h, o clima voltou a ficar festivo e dançante. Artistas do Love Cabaret foram ao Oficina após encerrarem suas apresentações, ainda com os figurinos. “Viemos celebrar a vida”, disse Ginger Moon. Crianças, moradores de rua e até um gato e um cachorro participaram da celebração.
No entanto, mesmo com o clima teatral e celebrativo, a todo momento era possível ver devotos de Zé Celso chorando e inconformados.
Marcelo Drummond, o marido e sucessor no Oficina, permaneceu durante grande parte do tempo nas proximidades do caixão. Artistas como Alexandre Borges, Júlia Lemmertz, Chico César, Pascoal da Conceição e Karina Buhr acompanharam o velório durante a madrugada.
Bastante emocionado, Renato Borghi, um dos fundadores do Oficina, também compareceu.
O corpo do dramaturgo foi coberto com uma bandeira da Vai Vai, escola de samba do Bexiga, e flores. É possível ver queimaduras em seu rosto, apesar da maquiagem realizada no teatro.
Do lado de fora do Oficina, seis vendedores ambulantes abasteceram o público com bebida e comida durante toda a madrugada. Dois bares na região também ficaram cheios. Vendedor de cerveja, água e refrigerante, William Rodrigues dos Santos conheceu Zé Celso e conversava com o dramaturgo quando dava tempo.
“Se não fosse o incêndio eu acho que ele iria longe ainda”, disse, baseado na vida ativa do dramaturgo.
No início da manhã, atores do Oficina encenaram trechos de “Bacantes” e, em um momento catártico, cantaram “Balada do Louco”.
CELEBRAÇÃO
À tarde, ainda sem o corpo de Zé Celso, atores, diretores e a equipe do Oficina alternaram momentos de lágrimas e abraços com rituais de celebração.
“Tradição”, o samba que é uma espécie de hino do Bexiga, foi cantado em coro, assim como “Meu Cavalo Tá Pesado”, em que parte do público se integrou aos artistas, incluindo crianças, para percorrer o palco até mesmo um trecho da rua em frente ao teatro.
O ritual de despedida dos artistas incluiu molhar a cabeça e partes do corpo na cachoeira que deságua em um espelho de água e integra a icônica arquitetura do Oficina.
Marcelo Drummond dirigiu algumas cenas durante a celebração ocorrida à tarde. À noite aparentava estar mais abatido.
Entre os artistas que cantaram e dançaram estava a médica do dramaturgo Luciana Domschke, que também é atriz.
Nos dias de internação no Hospital das Clínicas, Luciana assumiu o papel de porta-voz e divulgou informações sobre o estado de saúde do amigo. No velório, comentou que Zé Celso foi tratado com carinho pela equipe da unidade de terapia intensiva e, mesmo em coma, recebeu áudios de amigos.
A atriz Vera Valdez, de branco como outros artistas, falou aos presentes sobre a sua relação com Zé Celso e disse nunca ter visto nada parecido com a celebração no Oficina. “Estamos todos esperando ele entrar em cena”, afirmou, antes do corpo chegar. Um ano mais velha, Vera brincou que Zé Celso a seguia. “Mas resolveu dar no pé”.
Outro amigo antigo presente na homenagem foi o cover de Elvis Presley, conhecido como Elvis da Paulista. Ele disse que conheceu Zé Celso ao procurar o dramaturgo para aprender sobre experiências estéticas, em 2010.
“Eu cercava ele na saída do Oficina”, lembrou. “Um dia ele abriu as portas e começamos a conversar”. Eram conversas de uma hora e meia, duas horas. O Elvis da Paulista também assistiu muitas peças do grupo. “Com a morte dele, senti como se tivesse perdido um pai”.
Após os rituais para celebrar a vida de Zé Celso, o Oficina volta a abrir na noite desta sexta para a encenação da peça “Mutação de Apoteose”. O teatro continua.
GUILHERME LUIS, CRISTINA CAMARGO E CAIO DELCOLLI / Folhapress