Vitórias regionais do AfD sinalizam possível onda da extrema direita na Alemanha

MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Vitórias eleitorais pontuais -mas significativas- do partido de extrema direita alemão AfD, que recém-completou dez anos, sinalizam que o país europeu deve se preparar para ver muitos representantes desse espectro político alçando cargos cada vez mais altos, avalia o especialista em extremismo Peter Neumann.

No final de junho, o Alternativa para a Alemanha ganhou pela primeira vez a disputa por um cargo de administrador distrital, em Sonneberg, no estado de Turíngia. Uma semana depois, emplacou também um correligionário como prefeito da pequena Raguhn-Jessnitz.

“Não são cargos importantes, mas são eleições politicamente significativas”, diz Neumann à Folha. “A Alemanha tem uma história e uma experiência únicas com partidos de ultradireita. Isso faz com que muita gente esteja discutindo e pensando o que fazer a seguir.”

Professor no King’s College London, no Reino Unido, o alemão é um dos mais renomados estudiosos do extremismo, tendo publicado sete livros e dezenas de artigos sobre o assunto. Ele avalia, levando em conta recentes pesquisas que mostram apoio inédito ao AdD, que o partido descrito como fascista por outras siglas locais tem força especialmente na região da antiga Alemanha Oriental, “onde, em alguns estados, eles já são o partido mais forte”. “Isso pode ser o início de uma mudança maior que acontecerá por todo o país. Parece ser o início de uma onda de vitórias de partidos da extrema direita.”

O AfD começou como um partido populista sem muitos arroubos retóricos. Há dez anos, seus fundadores vociferavam contra o euro e os pacotes sociais que o governo distribuía a estrangeiros. Com o tempo, a sigla se tornou cada vez mais extremista.

“A ala extremista tem dois terços da liderança do partido -dirigentes são considerados extremistas pela Inteligência na Alemanha. É uma preocupação para todos os democratas no país. O medo é que um partido essencialmente contrário à democracia e ao sistema esteja começando a assumir um papel significativo em todo o país.”

Segundo Neumann, é pouco claro o que a AfD faria exatamente se chegasse ao poder nacional, já que muitas de suas propostas não podem ser implementadas facilmente, uma vez que se tratam de temas que já são consagrados na Constituição.

“Uma das propostas mais radicais é que eles querem deixar a União Europeia, o que obviamente seria devastador para a Alemanha [uma das principais economias do bloco]”, lista o pesquisador. “Eles se opõem a imigrantes, querem interromper a entrada de refugiados, e muitos ainda gostariam de deportar os que já vivem na Alemanha. São contra o que chamam de elite liberal e tudo o que ela representa. Não gostam da mídia, não gostam do sistema de Justiça.”

“Sua intenção”, diz Neumann, “é criar um país totalmente diferente do atual, que seja menos democrático, menos liberal, mais hostil aos refugiados e requerentes de asilo, à imigração. Hostil ao resto da Europa. Isso não tem precedentes na história alemã após a Segunda Guerra Mundial. O AfD representa pontos de vista que desafiam a própria essência do consenso alemão pós-guerra”.

Para Neumann, o partido não faz uso da violência, como é o caso do movimento Cidadãos do Reich, desbaratado pela polícia em dezembro passado. Seus integrantes foram presos devido a planos para entrar no Parlamento com um pequeno grupo armado.

“Quando Hitler chega ao poder, em 1933, o Partido Nazista era o mais forte. E, assim que chegou ao poder, mudou o sistema para que ninguém mais chegasse ao poder. A história nos diz que esses partidos, uma vez no poder, querem basicamente abolir a democracia. Não é sobre a violência. O AfD não é um partido violento per se.”

O AfD nega ter vínculos com o nazismo.

” O que o AfD fez melhor do que todos os outros foi apresentar-se como um partido que nada tem a ver com o fascismo e os nazistas. Mas, na verdade, quando os líderes desse partido, como Björn Höcke, talvez seu membro mais influente, falam entre si, eles estão dizendo, ‘bem, talvez os nazistas não fossem tão ruins’. Eles nunca diriam isso publicamente porque entendem que, se o fizerem, vão se tornar impopulares.”

Nas duas eleições que o AfD ganhou recentemente, houve segundo turno. Diante da possibilidade de a extrema direita triunfar, todos os demais partidos uniram-se em uma coalizão –estratégia chamada de “cordon sanitaire” (cordão sanitário) na ciência política. Não deu certo.

“Esse cordon sanitaire tem sido feito”, diz Neumann. “Mesmo partidos de centro-direita, como a União Democrata-Cristã, da ex-primeira-ministra Angela Merkel, não podem fazer coalizões com a extrema direita e, assim, acabam se unindo a partidos de esquerda.”

“Mas, por causa disso, as pessoas que estão com raiva, que estão contra o chamado establishment, vão votar ainda mais no AfD. Nesse sentido, o cordon sanitaire tem ajudado o AfD a posar de heróis contra o sistema.”

IVAN FINOTTI / Folhapress

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