Câmara aprova mudanças no Carf em vitória para Haddad

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados aprovou nesta sexta-feira (7) o texto-base do projeto de lei que muda regras de funcionamento do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fazendários), tribunal administrativo que julga disputas bilionárias entre União e contribuintes sobre o pagamento de impostos.

O resultado, aprovado simbolicamente, representa uma vitória parcial do ministro Fernando Haddad (Fazenda) -que, após resistências duras do Congresso, teve que negociar um meio-termo e transformar a MP (medida provisória) em projeto de lei para ver o texto avançar.

O projeto é um dos principais itens do pacote de ajuste fiscal apresentado por Haddad em janeiro para tentar reequilibrar as contas públicas, que vão retornar ao terreno negativo em 2023 após a expansão de despesas articulada durante a transição de governo. O ministro também precisa gerar receitas para compensar a liberação de mais gastos proporcionada pelo novo arcabouço fiscal.

A aprovação do texto do Carf veio após uma intensa negociação do Ministério da Fazenda com a Câmara, que a princípio tinha fortes resistências às modificações. O próprio Haddad dialogou diretamente com o setor privado, com congressistas, com o relator da matéria, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), e com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para negociar a matéria e tornar o texto menos rigoroso para os contribuintes.

O plano inicial era votar o texto na segunda-feira (3), mas as dificuldades para aprovar a Reforma Tributária, que acabou aprovada somente na madrugada de hoje, jogou a análise do projeto que altera as regras do Carf para o último dia de sessão do Congresso antes do recesso branco. Chegou a ser cogitada a votação do projeto somente em agosto.

A principal mudança no texto, que agora precisa ser aprovada no Senado, envolve o chamado voto de qualidade. O projeto aprovado prevê condicionantes para a volta do mecanismo -que determina que, em caso de empate nas votações, cabe ao presidente do colegiado (indicado pelo Ministério da Fazenda) o poder de decisão.

O relator da matéria usou como base o acordo feito em fevereiro entre Fazenda, Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) livrando contribuintes de multas e com descontos nos juros em caso de empate no julgamento do Carf. Segundo a proposta aprovada, as multas e juros serão zeradas.

O voto de qualidade foi derrubado em 2020 pelo Congresso, ampliando as perdas da União no tribunal -que já servia como instrumento de manobra de grandes empresas para adiar por anos o recolhimento de tributos.

O texto final não permite o desconto de multas e juros nos débitos classificados como recuperáveis pela Fazenda no caso de pagamento a vista. A alteração não estava no projeto enviado pelo governo e foi incluída no texto por Pereira, mas foi retirada após negociação do governo federal.

A medida abria caminho para uma ampliação significativa da chamada transação tributária, cuja lei foi sancionada em 2020 para negociação de débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

Outra mudança envolveu o valor mínimo em disputa para que o contribuinte possa recorrer ao Carf. O piso é hoje de 60 salários mínimos (R$ 79,2 mil) e o projeto de Haddad subia esse limite para mil salários mínimos (R$ 1,32 milhão). O relator, no entanto, rejeitou a mudança proposta por Haddad, fixando em 60 salários mínimos.

A avaliação majoritária da Câmara é a de que a mudança proposta pela Fazenda limitava a capacidade de contribuintes de questionarem as infrações lançadas pela Receita Federal.

A Casa também reviu a chamada “classificação de conformidade”, iniciativa incluída no projeto e que autoriza a Receita a deixar de punir contribuintes que tenham uma espécie de selo de bom pagador de tributos caso eles deixem de cumprir momentaneamente alguma obrigação junto ao Fisco.

A ideia do governo é que o conceito de conformidade seja baseado em critérios como regularidade do cadastro e do recolhimento dos tributos, exatidão das informações prestadas, entre outros itens definidos pela Receita.

O relator do projeto mudou a redação e estabeleceu que a classificação considerará também critérios como “a compatibilidade entre as escriturações e declarações e os atos praticados pelo contribuinte, além de outros definidos pela Receita Federal”. Seu objetivo era deixar mais nítidos os critérios para definir quem é um bom pagador.

A aprovação do Carf passou também por um acordo com a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), um dos principais grupos da Câmara, e que inicialmente se posicionou contra o texto.

A base do governo acatou três pedidos feitos pela FPA, um dispositivo para renegociação de dívidas de cooperativas do agro, outro que beneficiou o setor de sementes e um terceiro para impedir a liquidação antecipada das garantias.

Inicialmente, o texto havia sido enviado ao Legislativo como uma MP, mas diante da contrariedade de Lira com o rito da tramitação das MPs e sob risco de perda de validade, a matéria foi transformada em um projeto de lei com regime de urgência.

Até maio deste ano, o Carf julgou 5.578 casos dos quais 264 terminaram empatados, necessitando o voto de qualidade, informou o Ministério da Fazenda. Os casos que utilizaram o mecanismo têm um valor somado de R$ 24,8 bilhões.

ENTENDA O CARF

O que é o Carf?

Tribunal administrativo que decide em segunda e terceira instâncias disputas entre governo e contribuintes sobre pagamentos de impostos.

O que é o voto de qualidade?

Poder de um representante do governo decidir o julgamento (a favor ou contra o contribuinte) em caso de empate.

O que foi feito em 2020?

Foi extinto o voto de qualidade, fazendo com que empates automaticamente dessem ganho de causa aos contribuintes. O governo fala em uma perda anual de R$ 59 bilhões com a medida.

O que o governo Lula decidiu em janeiro?

O governo enviou ao Congresso uma MP (medida provisória) recriando o voto de qualidade, com efeito imediato. A iniciativa precisaria receber aval do Congresso dentro de quatro meses para não perder a validade. Depois, a MP foi transformada em projeto de lei.

O que o governo negociou depois disso?

O Ministério da Fazenda e representantes das empresas chegaram a um meio-termo com uma espécie de “regulamentação” do voto de qualidade: em caso de empate, permaneceria a cobrança do valor principal do débito, mas são cortados multas e juros (desde que a dívida seja quitada ainda em âmbito administrativo).

Qual a situação no Congresso?

Precisa ser votado pela Câmara e, depois, segue para o Senado.

LUCAS MARCHESINI E VICTORIA AZEVEDO / Folhapress

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