SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A FDA (agência que fiscaliza medicamentos e alimentos nos EUA) concedeu autorização total nesta quinta-feira (6) para uso da droga lecanemab, comercializada como Leqembi, para tratamento do Alzheimer.
Nos estudos clínicos, conduzidos no país americano com 1.795 participantes de 50 a 90 anos com sintomas leves de , o uso do medicamento reduziu em 27% a progressão da doença.
A droga atua retirando o depósito da proteína beta amiloide, que, ao se acumular no cérebro, pode levar à perda cognitiva inicial. Como em pacientes com diagnóstico inicial de Alzheimer, mas ainda sem apresentar grave demência, a proteína já pode ser encontrada, exames como o PET-amiloide (PET scan) podem ajudar a detectar a doença para o início do tratamento.
Os resultados positivos dividiram opiniões, uma vez que a ocorrência de efeitos adversos graves, ainda que raros, como edemas (inchaço) e hemorragias cerebrais foram verificados no estudo.
Por causa disso, a FDA restringiu a indicação a pessoas com sintomas leves da doença e sem risco aumentado de doença vascular cerebral. A ampliação do acesso para usuários do programa Medicare, subsidiado pelo governo, também é uma questão levantada, devido ao custo do tratamento -cerca de US$ 2.000 por mês, o equivalente a quase R$ 10 mil.
No Brasil, ainda não há aprovação do medicamento. Procurada, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não respondeu até a publicação deste texto.
Médicos e pacientes afirmam que a agência não recebeu do laboratório o pedido de autorização do lecanemab.
Por aqui, os tratamentos disponíveis tanto na rede pública quanto privada são os mesmos de 20 anos atrás, explica Claudia Suemoto, professora associada de geriatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Banco de Encéfalos da universidade.
“São drogas promissoras, as duas primeiras aprovadas depois de mais de 20 anos, mas elas servem apenas para algumas fases da doença e, por enquanto, não há previsão de uso no Brasil, onde seguimos com os mesmos medicamentos usados tradicionalmente, os inibidores anti-colinesterásicos e a memantina”, explica.
Os anti-colinesterásicos (donepezil, galantamina e rivastigmina) atuam regulando os neurotransmissores acetilcolinérgicos no cérebro, melhorando a cognição, mas não retardam a doença. “Eles servem para reduzir os sintomas, como uma dipirona que reduz a febre em uma infecção, mas só um antibiótico vai combater a bactéria e encerrar o curso da doença”, explica. Eles são indicados para todas as fases, leve, moderada e grave de Alzheimer.
Já a memantina atua na cadeia de glutamato, um outro tipo de neurotransmissor associado ao declínio cognitivo. “São drogas sintomáticas, conhecidas há tempo, mas que têm também um período de ação mais curto.”
Para Suemoto, outro aspecto a ser investigado também é o quanto a remoção de beta amiloide pode reduzir a progressão da doença ou o quanto outra proteína, a TAU, que se deposita mais posteriormente no quadro clínico, tem um papel maior no declínio cognitivo. “Ainda estamos aprendendo muito sobre a progressão da doença e como essa cascata bioquímica funciona para poder inclusive agir com terapias-alvo”, afirma a pesquisadora.
OUTRA DROGA
Em 2021, uma outra droga com princípio ativo similar ao lecanemab, a aducanumabe, recebeu autorização da FDA para o tratamento precoce de Alzheimer. O laboratório Biogen, mesmo que prodz o lecanemab, é responsável também por produzir essa droga e submeteu o dossiê para aprovação pela Anvisa em 2022, mas ainda não houve aprovação pelo órgão nacional. A comercialização do aducanumabe nos EUA chega a US$ 26 mil por ano (quase R$ 130 mil).
As terapias inovadoras, porém, são vistas ainda com precaução pelos especialistas, tanto pelo seu caráter ainda inicial quanto pelo alto custo.
“A grande discussão é que nos exames [de imagem] elas reduzem o depósito de beta amiloide, mas não têm ainda a comprovação de melhora de qualidade de vida e desempenho do paciente”, explica Ivan Okamoto, neurologista do Nemo (Núcleo de Excelência em Memória) do Hospital Israelita Albert Einstein.
Para ele, estudos de longo prazo podem ajudar a determinar essa correlação, mas, por ora, o alto custo é um fator que vai limitar inclusive o acesso via planos de saúde. “Não é a última esperança, não devemos tratar como se fosse a solução definitiva para a doença porque isso pode inclusive piorar o estado emocional daqueles pacientes que não têm acesso.”
DIAGNÓSTICO PRECOCE
Outro ponto a ser debatido é o quanto a detecção precoce pode ser indicada ou não, visto que os exames de PET-amiloide ou de análise do líquor (para verificar o acúmulo de beta amiloide) são muito específicos e caros.
“Do ponto de vista de pesquisa, é importante saber quando um paciente tem Alzheimer ainda assintomático ou muito leve, mas do ponto de vista individual não tem essa indicação ainda, porque mesmo com essa aprovação nos EUA as drogas que revertem o curso ainda estão longe de serem acessíveis para todos”, pondera Suemoto.
Em um estudo com amostras do banco de cérebros da USP, Suemoto e seus colegas viram que cerca de um quarto dos pacientes com lesões cerebrais pelo depósito de beta amiloide não morreu devido à doença de Alzheimer, mas sim por outras causas.
ATENÇÃO À FAMÍLIA E PREVENÇÃO
Os especialistas também afirmam que o cuidado à família do paciente com Alzheimer é importante, no que chamam de tratamento não farmacológico. “O diagnóstico de Alzheimer pode, muitas vezes, cair como uma bomba em uma família. Então essas promessas de medicamentos milagrosos chamam a atenção, mas a realidade é que precisamos de serviços que trabalhem a conscientização e o preparo tanto da família quanto de cuidadores para enfrentar essa doença, que é de progressão lenta”, explica.
A prevenção também é um fator importante, uma vez que os fatores de risco que podem levar ao Alzheimer são conhecidos, como má alimentação, sedentarismo, sobrepeso e tabagismo. “Saber a prevenção adequada é mais importante do que pensar em uma droga que pode gerar uma falsa expectativa de cura, porque não estamos lá ainda.”
ANA BOTTALLO / Folhapress