Emoticons ganham novos significados em aplicativo gay de pegação

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nova notificação no Grindr. “Macho dotadão” enviou uma mensagem e fotos de todos os ângulos. O fisioterapeuta Fernando Campos, 25, estava deitado. Ao ver aquilo, levantou. O pretendente certamente preencheria seu vazio, pensava. Era maio deste ano, ele havia terminado um relacionamento dois meses antes e seguia solitário desde então.

Fernando, morador do Brooklin, na zona sul de São Paulo, não perdeu tempo. “Quero agora!”, digitou ao pretendente. Este o respondeu com emoticon de um raio. Ao questionar significado daquilo, o jovem teve uma surpresa. “O grandão perguntou se eu curtia cocaína. Assim, na lata. Talvez seja muita inocência, mas fiquei passado”.

No Grindr, mais famosa plataforma de pegação para a comunidade LGBTQIA+, há ainda outras peculiares dissimulações com o uso de emojis. Chamas, por exemplo, não transparecem tesão inflamado. Elas anunciam que a relação terá o aditivo de poppers, substância conhecida como droga do amor por, afirmam os usuários, intensificar o prazer anal ao promover relaxamento.

O enlevo usualmente descrito por praticantes do chamado chemsex. O rito consiste em rapidinhas alucinógenas. Às vezes nem tão aceleradas a depender da substância preferida. Esse tipo de comportamento explodiu na Europa há mais de dez anos e, agora, especialistas observam crescimento também no Brasil.

Vinicius Benicio, psiquiatra especialista em comportamento sexual, pondera não ser justo criminalizar a onda, mas sim trabalhar na orientação e redução de danos aos adeptos.

“É preciso uma estratégia de panfletos informativos na saída de saunas e boates, como já fazem na França, contendo orientações, informações e formas de evitar desfechos ruins. Por exemplo, não associar poppers com viagra, por aumentar muito o risco de evento cardíaco”, diz o médico.

Mas estimulantes não são as únicas referências feitas pelos despretensiosos símbolos. “Vejo também muitos emoticons de porquinhos. Eles curtem algo mais sujo”, declara Gabriel Krauss, 23. O sujo dito por Gabriel, analista de sistemas de Piedade, na zona norte carioca, não é sinônimo de sórdido. É, em especial, produto da passagem de líquidos e até sólidos pelo corpo humano.

Ainda no mundo animal, há quem mande escorpiões. Isso indica que a pessoa é portadora do vírus HIV e está interessada em infectar outros.

Frutas e legumes também compõem o cardápio, mas nem todas comestíveis. Enquanto o suculento pêssego é utilizado pelos passivos –quem prefere ser penetrado–, pela semelhança com os glúteos, a protuberante berinjela identifica os ativos –penetradores.

Muitos outros emoticons carregam segredos ao adentrar o aplicativo. Uns são mais facilmente compreendidos, caso do balão. Símbolo de festança, ele é exatamente convite para uma, mas regada a sexo. Ver um foguete, por outro lado, não é promessa de ser levado às alturas durante o ato sexual, mas chamado para uma viagem conduzida por drogas injetáveis de todos os tipos.

Nem todos que embarcaram em um passeio pelo reino das releituras de emojis entendem o significado dos símbolos. Para alguns, as traduções podem ser desnorteantes. É o caso do funcionário público Alex Júnior, 24, de Cajamar, na região metropolitana de São Paulo.

“Sou usuário do Grindr há muitos anos e me deparo com diferentes emoticons. Confesso ficar, por várias vezes, sem entender nadinha”, diz Júnior. “O pessoal é bastante criativo, então uma ajudinha do Google para entender costuma ser necessária”, continua.

Apesar da estranheza esporádica, há coisas ali, para o jovem, óbvias. Ao se deparar com uma mamadeira, logo capta o desejo por sexo oral. Quando há menção a dinheiro, sabe se tratar de prostituição.

Já encontrando gotas d’água, afirma precisar se atentar. Uma gota evidencia que anestésico popularmente chamado de Gi (ácido gama hidroxibutírico) deve penetrar o organismo antes de qualquer ação. Três gotas é obscena súplica por sexo desprotegido terminado em ejaculação interna.

Presente há três anos no aplicativo, o assistente de farmácia Felipe Torres, 32, diz nunca mais ter sido o mesmo após entender os neologismos dos ícones. “Para ser sincero, tenho até medo de enviar emojis para conhecidos e ser mal interpretado. Estou sempre pensando em bobagens.”

Timidamente, Torres afirma só ter utilizado um deles em seu perfil. “Aquela planta parecida com a maconha, sabe? Uso bastante”. Ele se refere à folha do plátano, símbolo presente na bandeira do Canadá e, que no mundo digital, indica que a pessoa consome cânabis.

BRUNO LUCCA / Folhapress

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