WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – “Como ficou a situação na Flórida com a nova lei?”, perguntou um brasileiro em um grupo no Facebook formado por imigrantes, na última sexta (7). “Mudou algo ou está normal?”, questionou outro na quinta. “Com a nova lei, está mais difícil conseguir emprego na área de marcenaria?”, indagou outro na véspera.
Um clima de apreensão tomou conta das comunidades de imigrantes da Flórida nas últimas semanas, com dúvidas e receios diante da nova lei de imigração que entrou em vigor no dia 1º. Patrocinada pelo governador republicano e pré-candidato à Presidência Ron DeSantis, a legislação aperta o cerco contra pessoas sem visto e já tem começado a provocar um movimento de debandada do estado.
Sob a nova lei, qualquer um que transporte um imigrante em situação irregular pode ser processado por tráfico humano, impossibilitando assim viagens de ônibus e obrigando empresas a checar o status de passageiros. A regra também passa a desconsiderar carteiras de motorista expedidas em outros estados como documentos oficiais –é comum que pessoas sem visto obtenham a habilitação, até então um papel válido em todo o país, em regiões mais liberais para imigração, como Califórnia e Massachusetts.
A lei obriga ainda que hospitais e postos que recebam verbas públicas via Medicaid, o auxílio saúde para pessoas de baixa renda, chequem o status migratório de pacientes. Outra exigência é que empresas com mais de 25 funcionários usem uma base de dados federal para confirmar a situação dos empregados.
Tudo isso tornou inviável para o brasileiro Anderson Geremias, 36, continuar no estado, diz ele, que já prepara sua mudança. Ele chegou há cinco anos aos EUA com um visto de turista e não voltou mais para o Brasil. Depois de passar um tempo em Connecticut e na Califórnia, está há dois anos em Orlando.
“Me apaixonei por aqui”, diz o catarinense, que montou com um brasileiro uma firma de desenvolvimento de software. Por trabalhar no setor de tecnologia, ele tenta obter um visto para pessoas com habilidades excepcionais em áreas de interesse nacional. Só não aguardará na Flórida a conclusão do processo.
“Temos que ir para um estado onde querem bem a gente, não um onde somos marginalizados”, afirma, justificando a decisão de deixar Orlando e cruzar o país outra vez, de volta a Connecticut. Ele diz conhecer várias outras pessoas deixando o estado, principalmente em direção a Boston e a cidades da Califórnia.
A Flórida tem uma das maiores comunidades de brasileiros em todo o mundo. Dados de setembro do Itamaraty apontam cerca de 475 mil brasileiros ali. À Folha a nova embaixadora do Brasil nos EUA, Maria Luiza Viotti, disse que os consulados “prestarão todo o apoio necessário” a imigrantes vulneráveis.
A expectativa de críticos é a de que a nova lei provoque impacto econômico negativo no estado, que depende fortemente do trabalho de pessoas com status ilegal, além de queda no preço dos imóveis com a redução da demanda. Sob esse argumento, até parlamentares republicanos já começaram a criticar a legislação. “Sou fazendeiro, e os fazendeiros estão bravos. Estamos perdendo funcionários, que já começam a se mudar para a Geórgia e outros estados”, disse em evento o deputado estadual Rick Roth.
Hoje, 21% dos moradores da Flórida nasceram fora dos EUA, segundo dados do American Immigration Council, acima da média de 13,6% do país. Ao todo, estima-se em 911 mil o número de pessoas em situação migratória irregular (20% do total, também acima da média nacional), 90 mil dos quais com suas próprias empresas, como Geremias, que ao todo pagam US$ 1,6 bilhão (R$ 7,8 bilhões) em taxas por ano.
Para o advogado especialista em imigração Alexandre Piquet, o estado, para não perder a mão de obra já instalada ali, deveria proteger e regularizar essas pessoas que não têm visto, mas contribuem para o país, têm seus impostos em dia e não possuem passagem pela polícia. “A nova lei é um dos golpes mais duros contra imigrantes, uma das legislações mais restritivas que vi nos últimos anos”, afirma ele.
Newsletter China, terra do meio Receba no seu email os grandes temas da China explicados e contextualizados; exclusiva para assinantes. *** Em meio à apreensão sobre as novas regras, sobram boatos em redes sociais de operações contra esses trabalhadores. Com um escritório em Miami, no sul do estado, Piquet foi chamado para conversar com brasileiros em uma igreja na vizinha Pembroke Pines para esclarecer dúvidas sobre as novas regras.
“Quando chegamos, o pastor disse que a reunião estava mais vazia porque algumas pessoas ficaram com medo de ter alguma batida da imigração para pegar pessoas em situação ilegal”, diz ele. “O que não faria sentido algum”, afirma o advogado, tentando afastar os boatos.
Um produtor de eventos relatou ter recebido até pedidos de cancelamento de ingressos de um show de brasileiros, sob o receio de operações da polícia em festas com grande concentração de estrangeiros.
Sob esse clima, ativistas e entidades de direitos humanos tentam derrubar a legislação adotada por DeSantis, que, de olho na Casa Branca, vem tentado se cacifar como representante da direita mais radical, para derrotar o ex-presidente Donald Trump nas primárias do Partido Republicano.
Com uma longa lista de controvérsias, ele usa as políticas anti-imigração para vender a ideia de que quer proteger os eleitores americanos. DeSantis, por exemplo, já fretou aviões para enviar imigrantes que nem na Flórida estavam para outras regiões do país, sob a justificativa de que poderiam acabar no estado.
Assim, quem não tem autorização para viver nos EUA calcula o que fazer. Para Piquet, as opções são poucas para quem quer ficar: é possível pedir asilo político ou casar com um cidadão americano e solicitar perdão legal pelo período em que ficou com status ilegal. “A melhor opção é voltar para seu país de origem, iniciar um processo migratório da forma correta e esperar ser aprovado”, diz Piquet, citando o aquecido mercado de trabalho americano como facilitador. “É um momento excelente para iniciar um processo para vir legalmente. Já para quem está aqui em situação ilegal, é o pior momento possível.”
THIAGO AMÂNCIO / Folhapress