LONDRES, REINO UNIDO (FOLHAPRESS) – Durante o torneio de Wimbledon, Neil Stubley acorda às 5h30. Telefona para a equipe que cuidou das quadras durante a noite para saber se está tudo bem e chega ao complexo às 6h45, mais de quatro horas antes do início das partidas. Agrônomo por formação, Stubley trabalha em Wimbledon há 28 anos e é chefe de quadras e horticultura, responsável pelas 18 quadras de competição e 20 de treinos.
Enquanto conversa com a reportagem na quadra central, Stubley aponta para o centro, onde funcionários testam 45 pontos da grama com máquinas que medem a firmeza, o que permite saber a irrigação necessária. Se está firme demais, depois de um dia muito quente, é sinal de que vai precisar de ainda mais água. A preocupação está longe de ser apenas estética. Cada detalhe influencia o jogo.
“Queremos ter a firmeza ideal para os jogadores, ter a certeza de que as quadras estão boas, secas. Qualquer tenista que jogue da quadra central à de treinos precisa ter a mesma sensação, sentir a mesma consistência. Nosso objetivo é sermos consistentes. Firme e lisa são as condições perfeitas”, afirmou.
Na equipe de Stubley, são 30 pessoas cuidando das quadras e outras 16 do paisagismo -como as flores que decoram o complexo. Todas as manhãs, a grama é cortada, e as linhas da quadra, pintadas.
A preparação tem início meses antes. As quadras começam a ser renovadas em setembro do ano anterior, e a grama cresce durante o inverno e a primavera do hemisfério norte. Como o torneio é disputado no All England Lawn Tennis & Croquet Club, os sócios do clube jogam a partir de maio, o que serve de teste para Stubley.
O detalhe final é deixar a altura da grama com oito milímetros. Além disso, a superfície é inspecionada diariamente de forma independente pelo instituto de pesquisas britânico Sports Turf Research Institute (STRI), que mede, por exemplo, firmeza, nível de clorofila e umidade do solo.
A temporada de grama do circuito profissional começa no início de junho e termina em meados de julho. Wimbledon é o único dos quatro Grand Slams disputado nesta superfície -o Aberto da Austrália e o Aberto dos Estados Unidos são em quadras duras, e o Aberto da França, no saibro. A adaptação para a grama precisa ser rápida e é considerada um desafio para muitos tenistas.
“O mais difícil da grama é que em qualquer hesitação acontece um erro. Você tem que estar muito convicto do que se propõe a fazer. Como é um jogo com mais erros, há mais chances de se frustrar, é preciso mais resiliência”, explicou Beatriz Haddad Maia, 13ª do ranking de simples.
Uma reportagem do The Wall Street Journal conversou com ex-jogadores e treinadores e levantou um debate sobre uma possível homogeneização das superfícies, o que deixaria a adaptação menos complexa.
Chris Evert, tricampeã de Wimbledon e hoje comentarista de TV, declarou que “as quadras de grama mudaram muito e hoje se parecem mais com quadras duras”. Outro ponto levantado é se haveria mudança nas condições do solo causada pelos verões ingleses cada vez mais quentes, deixando-o mais duro e fazendo com que a bola quique mais.
“Acredito que este seja um sentimento subjetivo. Usamos muitos dados científicos e podemos manipular a irrigação”, rebateu Stubley. “A bola vai subir à mesma altura se a firmeza for a mesma, e conseguimos manipular isso e manter a consistência. Os jogadores passam quase todo o ano jogando em outras superfícies e, quando voltam, têm que se acostumar com as nuances da grama porque passaram os últimos dez meses jogando no saibro ou quadras duras.”
Segundo os organizadores de Wimbledon, ao longo dos anos não houve intenção de deixar as quadras mais lentas ou favorecer certo tipo de jogo. O frio e a chuva em maio na Inglaterra atrasaram a abertura das quadras por duas semanas porque as condições não estavam ideais. Já o fato de o Reino Unido ter tido o mês de junho mais quente da história ajudou a grama a crescer, já que a temperatura média não variou tanto.
Stubley lembrou, no entanto, que o estilo de jogo de saque e voleio foi deixado um pouco de lado desde o início dos anos 2000, época em que os organizadores trocaram o tipo de grama utilizado, depois de pesquisas sobre qual seria a ideal para a prática do tênis. Desde então, usam uma espécie que cresce verticalmente e gera uma superfície mais firme.
“Somado a isso, tem o fato de que, desde cedo, a maioria dos jogadores são ensinados a ficar no fundo de quadra, não é natural para eles jogar com saque e voleio. Então, naturalmente vão ficar mais no fundo porque é o que aprenderam”, disse.
“Há alguns golpes que um tenista fará na primeira semana: slices de backhand profundos e drop shots. Já na segunda semana, sua escolha de golpes vai mudar porque seus drop shots vão quicar mais alto”, acrescentou.
Bruno Soares, que disputou 15 edições de Wimbledon e foi número dois do mundo nas duplas, concorda que é preciso adaptar as jogadas ao longo do torneio.
“Quem joga em Wimbledon na primeira rodada vê que a grama está completamente diferente do que nas quartas de final, nas semifinais, e naturalmente as escolhas vão mudando. Na primeira rodada, a bola quica mais baixo porque a grama está novinha, com pouquíssimos pontos de terra e, à medida que o torneio avança, vai ficando mais velha, mais desgastada, aparecem mais pontos de terra. Na terra está mais duro, a bola quica mais do que na grama. Também tem mais quique errado. Por outro lado, escorrega menos”, relatou.
“O jogo de grama todo o mundo sabe que mudou muito nos últimos 20 anos. Quando comecei a jogar, em 2001, era muito mais rápido. É uma coisa natural, e foi gradativo. Essa diferença está muito mais pelo fator natureza e fator de desgaste da grama ao longo do torneio. Eles são muito cuidadosos”, observou Bruno.
Além da natureza, disse o brasileiro, houve uma evolução no esporte.
“A tecnologia, a corda, os jogadores estão muito físicos, mais rápidos, a forma de bater na bola, tudo isso tem um impacto no estilo do jogo e na forma de que as pessoas percebem o jogo.”
Nesta semana, organizadores tiveram uma dor de cabeça extra quando manifestantes do grupo Just Stop Oil -que defende o fim do uso de combustíveis fósseis- interromperam duas partidas, entraram em quadra e jogaram confete na grama.
Wimbledon termina no dia 16 de julho. Se o favoritismo de Novak Djokovic se confirmar e o sérvio conquistar seu oitavo título, certamente repetirá seu famoso ritual de arrancar um pedaço da grama da quadra central e comê-la. Problema para quem há quase 30 anos cuida de forma meticulosa do gramado do torneio mais tradicional do mundo?
“Antes ele do que eu. Contanto que nem todos comam, senão vamos ficar sem grama”, brincou Stubley, que nunca provou a grama e afirmou gostar mais de sanduíches de bacon.
“Acho engraçado ver, mas temos milhões de gramas. Então, se perdermos uma, tudo bem.”
INFORMAÇÕES SOBRE A GRAMA DE WIMBLEDON
10 – toneladas de sementes usadas anualmente nas quadras
200 – toneladas de solo usados a cada ano para nivelar as quadras
1.822 – a quantidade de vezes que a altura correta do quicar da bola é checado ao longo do torneio
3.177 – horas de tempo de jogo durante o torneio
18.240 – vezes em que a firmeza das quadras é monitorada durante o torneio
MARINA IZIDRO / Folhapress