BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Relatórios produzidos pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) indicam que influenciadores digitais tiveram papel central na radicalização que levou à invasão das sedes dos três Poderes, além de terem faturado com os ataques golpistas de 8 de janeiro.
Os documentos foram entregues à CPI do 8 de janeiro e obtidos pela reportagem. A agência afirma que os influenciadores fortalecem narrativas; canalizam queixas e ressentimentos pessoais e coletivos em críticas políticas contra governos e instituições; estimulam a polarização; e incitam outras pessoas à violência.
“[Eles] auxiliam na criação de uma visão polarizada, que a partir dela a hostilidade é direcionada a um alvo cuja existência é considerada uma ameaça. Ainda que indivíduos com esse perfil geralmente não participem de ações com maior grau de violência, sua função é essencial para incitar outras pessoas a realizarem atos de extremismo violento”, diz.
Um dos citados pela Abin é Adriano Luiz Ramos de Castro, participante da primeira edição do BBB (Big Brother Brasil). A agência afirma que ele esteve no acampamento golpista em frente ao Comando Militar de Salvador, invadiu a sede dos três Poderes e transmitiu ao vivo pelo YouTube.
Durante a live, ele parabenizou os invasores e justificou a violência como “resposta legítima” da sociedade contra os “desmandos” do STF (Supremo Tribunal Federal). O vídeo foi deletado, mas o canal dele não só continuou ativo como ganhou mais de mil inscritos após os atos golpistas.
O vereador de Planaltina de Goiás Genival Fagundes (PL) também transmitiu ao vivo e in loco via YouTube a invasão, de acordo com a agência. O canal foi desativado por ele, mas, segundo estimativas da Abin, faturou no mínimo R$ 135 mil.
“A transmissão rendeu dividendos pagos pela plataforma ao canal de Genival Fagundes, Política sem Curva. Enquanto transmitia, Fagundes narrava atos e exaltava os invasores, defendia a ação e orientava os participantes”, descreve o relatório.
Já Elaine Helena Roque retransmitiu e comentou ao vivo em seu canal no YouTube os ataques de 8 de janeiro. O vídeo já apagado teve mais de 42 mil visualizações e recebeu dividendos pagos pelo YouTube, segundo a Abin.
“Enquanto comentava, defendeu a ruptura da ordem democrática e os atos de violência. Justificava as invasões e a alternativa violenta para política. Torcia para que a Polícia Militar e as Forças Armadas aderissem aos protestos”, diz o documento.
“Além disso, celebrava sua constatação de que o Exército Brasileiro não evitaria as invasões e as manifestações de apoio por parte das forças policiais.”
A invasão aos prédios do Supremo, do Congresso e do Palácio do Planalto foi transmitida em tempo real e organizada pelas redes sociais. Em outro documento entregue à CPI, a agência aponta para a participação de extremistas em grupos do Telegram.
Em um dos grupos, mensagens de apoio aos atos do 8 de janeiro foram trocadas desde o dia 4 anterior. Um dos homens identificados participa de 119 grupos do Telegram, entre eles o de um movimento extremista inspirado na Revolução Ucraniana de 2014, que levou à queda do governo eleito após manifestações violentas.
A Abin afirma que o movimento brasileiro “atualmente está inativo, mas seu grupo de Telegram tem servido de reduto para indivíduos extremistas violentos, que frequentemente tentam formar grupos paramilitares”.
O homem também é membro de um grupo dedicado “à troca de informações sobre materiais bélicos, política e teorias da conspiração”. O relatório traz ainda o perfil do responsável pelo grupo bélico.
O extremista “publica mensagens de incentivo à violência com armas produzidas pelos próprios extremistas ou pela aquisição de armamento tradicional”. Ele apresenta “perfil radicalizado e indícios de mobilização para violência”.
Procurado, Genival Fagundes disse que acompanha manifestações em Brasília desde 2019 e que “em nenhum momento” passou pela cabeça dele “que haveria aqueles atos de vandalismo”. Ele afirmou que pretende produzir um documentário com as pessoas que estão sendo processadas.
O vereador disse ainda que seu canal foi removido permanentemente no dia 9 de janeiro porque, segundo o YouTube, ele descumpriu as diretrizes da plataforma.
O YouTube afirmou em nota que, em 8 de janeiro, as “equipes estiveram atentas” para aplicar as regras “de maneira consistente, incluindo em transmissões ao vivo e vídeos que incitassem outras pessoas a cometer atos violentos”.
Segundo a empresa, o canal de Adriano Castro perdeu direito à monetização de conteúdo em setembro do ano passado.
“O YouTube possui Políticas de Comunidade que definem o que pode ou não ser postado na plataforma e usamos uma combinação de sistemas automáticos e revisores humanos para avaliar e remover conteúdo em escala”, afirma.
A defesa do Telegram disse que não tinha autorização para dar entrevistas. O ex-BBB Adriano Castro e Elaine Roque não foram localizados pela reportagem.
No mês passado, o Conselho de Supervisão da Meta (Oversight Board), afirmou que a plataforma errou ao não remover vídeos que incitavam a invasão a Brasília e descumpriu suas próprias regras de proibição de incitação à violência.
O órgão é independente, mas financiado pela Meta empresa dona do Facebook e do Instagram. A decisão foi motivada por um vídeo do dia 3 de janeiro em que um general convidava as pessoas a “sitiar” os três Poderes contra a eleição de Lula (PT).
Depois que o conselho selecionou esse caso para análise, a Meta afirmou que suas várias decisões de manter online o conteúdo golpista tinham sido um erro. A Meta removeu o vídeo em 20 de janeiro, mais de duas semanas após a publicação.
THAÍSA OLIVEIRA / Folhapress