SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após mais de um ano de protelação, a Turquia abriu o caminho para a adesão da Suécia à Otan, a aliança militar liderada pelos EUA que se reúne nestas terça (11) e quarta (12) em Vilnius, na Lituânia. O anúncio foi feito pelo secretário-geral Jens Stoltenberg
Ele ocorreu após um dia de intensas negociações, que começou com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, estabelecendo uma moeda de troca para a aprovação da Suécia como 32º membro do clube fundado em 1949 para conter a mesma Moscou que hoje lhe dá senso de missão com a Guerra da Ucrânia.
“Peço a esses países que fazem a Turquia esperar à porta da União Europeia por mais de 50 anos. Primeiro, venham e abram caminho para a Turquia na UE, e então abriremos caminho para a Suécia, assim como fizemos para a Finlândia”, afirmou a repórteres.
Foi um cavalo-de-pau na tática turca até aqui, que visava a pressionar o país nórdico a enquadrar e a extraditar os dissidentes contrários ao líder turco lá exilados, tendo sucesso apenas pontual. Não se sabe ainda se Erdogan conseguiu o que queria.
Ao chegar à Lituânia, ele encontrou-se com o norueguês Stoltenberg e com o premiê sueco, Ulf Kristersson. A reunião foi interrompida para uma conversa do turco com o chefe do Conselho Europeu, o belga Charles Michel, e teve uma pausa após duas horas.
Depois, o secretário-geral fez o papel de porta-voz: “Tenho o prazer de anunciar que o presidente Erdogan concordou em enviar o protocolo de acesso da Suécia à Grande Assembleia Nacional assim que possível e trabalhar para garantir sua ratificação”.
As palavras têm peso, pois Erdogan poderá negociar mais concessões ou até voltar atrás, como já fez após dar o sinal verde para o pedido feito em maio de 2022 pela Suécia e a Finlândia. No caso de Helsinque, acabou por aprovar a entrada em abril deste ano, sendo seguido pela aliada Hungria que já avisou que aprovará a Suécia assim que Ancara o fizer.
Se Erdogan cumprir a promessa, será uma grande derrota para Vladimir Putin, que já havia visto a sua fronteira direta com a Otan dobrar de tamanho com a adesão da Finlândia. A admissão eventual da Ucrânia no grupo foi um dos motivos declarado da invasão do ano passado, e agora a aliança se desdobra para apresentar garantias a Kiev de que um dia a aceitará se o fizesse agora, declararia guerra à Rússia, algo impensável.
Antes, Stoltenberg dissera que concordava com a aspiração turca, mas que ela não fazia parte dos itens de conformidade acertados entre a aliança, Ancara e Estocolmo na cúpula do ano passado, em Madri, que visava viabilizar a entrada dos suecos. O chanceler alemão, Olaf Scholz, foi mais incisivo e disse que os temas não são ligados. “Eu acho que são assuntos separados”, disse por sua vez o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA Matthey Miller.
Após o encontro, Kristersson disse que “a Suécia de um grande passo” rumo à Otan, e que o país não altereou seus compromissos firmados no ano passado.
Erdogan ainda busca voltar a ter acesso a material militar dos EUA, no caso aos caças F-16. Os países vivem às turras desde que a Turquia comprou sistemas antiaéreos russos S-400, algo que Washington vê como ameaçador para os segredos do moderno caça F-35, que os turcos ajudavam a produzir e iriam operar.
Resultado, o então presidente Donald Trump, já criticado por Erdogan após rejeitar a extradição do clérigo a quem um golpe militar contra o turco em 2016 foi atribuído, mandou cortar Ancara do consórcio do F-35. A Turquia tem uma robusta frota de 252 F-16, mas a maioria está ficando obsoleta e precisa de reposição.
No último domingo (9), Erdogan falou com o americano Joe Biden e negou condicionar o apoio à entrada dos suecos na Otan aos F-16. Agora, sacou essa nova carta, que deverá desagradar diversos membros da UE o clube político e econômico europeu tem 27 integrantes, 22 dos quais são também aderentes da Otan.
Erdogan falou em 50 anos de espera, mas as negociações começaram em 2005, quando ele já era primeiro-ministro. A Turquia já queria entrar na então Comunidade Europeia desde 1987. A França sempre foi um opositor vocal da medida, por motivos que os turcos consideram xenofóbicos: Paris lida com crise nas suas comunidades de imigrantes muçulmanos, religião predominante da Turquia.
Para piorar o azedume, depois da tentativa de golpe em 2016 o bloco europeu criticou a repressão interna na Turquia, país que namora o conceito de democracia iliberal há anos. As negociações foram então paralisadas. E a França estabeleceu uma parceria militar para armar a Grécia, rival histórica de Ancara, apesar de ambos integrarem a Otan.
Nos últimos anos, contudo, a relação melhorou justamente devido a acordos visando a restringir a imigração ilegal em território turco.
A posição de Ancara é única. Erdogan é o líder da Otan mais próximo de Vladimir Putin e, no último sábado (8), disse que irá recebê-lo em seu país. Por outro lado, apoia a Ucrânia na guerra e, naquele mesmo dia, rompeu um pacto com Moscou e devolveu a Kiev comandantes do grupo neonazista Azov, que haviam sido exilados na Turquia após serem derrotados em Mariupol.
A Suécia abandonou 200 anos de neutralidade no ano passado, ao pedir para integrar a Otan ao lado de sua vizinha Finlândia, que por sua vez deixou de lado sete décadas de não alinhamento militar. Ambos os países integram a União Europeia desde 1995 e decidiram que a agressão à Ucrânia os colocava na fila do Kremlin.
A questão sueca era uma das mais espinhosas da cúpula, e havia pouca expectativa de um acordo. Como sempre no caso de Erdgoan, contudo, é preciso esperar a aprovação de fato e ver o tamanho da fatura apresentada.
A reunião ainda deverá lidar ainda com China, mais armas a Kiev em meio à difícil contraofensiva, a nuclearização eventual da Polônia e o reforço do flanco leste do clube.
Nesta segunda-feira, a agência Reuters disse que ficaram acertados os primeiros planos de reação da Otan a um ataque russo de grande escala desde a Guerra Fria, após a retirada de objeções por parte da Turquia. Esses planos são comuns, mas segundo diplomatas estavam defasados porque não se imaginava que a Rússia recorreria a uma invasão militar.
A capital lituana, uma joia barroca, foi transformada em base militar, com blindados nas ruas, mil soldados da Otan como reforço e baterias antiaéreas americanas Patriot, operadas por alemães, alinhadas na pista de seu aeroporto internacional. A cidade fica a 30 km da aliada de Putin Belarus, e o país tem fronteira ao sul com o encrave russo de Kaliningrado.
IGOR GIELOW / Folhapress