Quilombolas de Santana de Parnaíba resistem e mantém tradição do samba de bumbo

SANTANA DE PARNAÍBA, SP (FOLHAPRESS) – Um documento amarelado pelo tempo, guardado no Arquivo Público do Estado, revela que em 1775 o governador da capitania de São Paulo, general Martim Lopes Lobo de Saldanha, andava preocupado com um quilombo que estava se formando no termo da Parnahyba —atual município de Santana de Parnaiba, na região metropolitana da capital paulista.

Passados 248 anos, remanescentes quilombolas ainda resistem na cidade e mantém vivas tradições afro-brasileiras passadas por seus ancestrais, como o samba de bumbo, considerado Patrimônio Imaterial da Cultura Paulista e que encantou o escritor Mário de Andrade em visita aquele lugar em 1937.

Em 1775, tanto a vila de São Paulo como a de Parnahyba tinham relevância econômica limitada no conjunto da colônia. Por esse motivo, a presença de pessoas escravizadas era menor. Como consequência desse baixo número, a formação de quilombos se deu mais tardiamente na região.

Maior quilombo brasileiro, Palmares foi formado no século 17 onde hoje se situa o estado de Alagoas. Já de São Paulo, as primeiras notícias sobre a formação deste tipo de comunidade são do século 18, segundo o historiador Flávio dos Santos Gomes, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e autor do livro “Mocambos e Quilombos”.

O quilombo de Santana de Parnaíba, por exemplo, foi citado pela primeira vez em 1775. Assim, foi um dos primeiros a serem descobertos em São Paulo e, apesar da repressão determinada pelo governador, encontrou formas de se perpetuar mudando de lugares ao longo dos tempos.

De acordo com o pesquisador João Mário Machado, os remanescentes quilombolas que permanecem vivos em Santana de Parnaíba têm origem nos antigos quilombos do Carmo, de São Roque (ex- freguesia de Santana de Parnaíba), e do Cururuquara, localizado em uma área rural da cidade.

Com o desenvolvimento do município e a especulação imobiliária, os quilombolas foram expulsos das terras de origem e acabaram se alojando na parte urbana do município.

Carmelino Eusébio de Jesus, 102, nasceu no quilombo do Carmo, de São Roque e, aos 6 anos, mudou-se com a mãe para o Cururuquara, onde tinha parentes. Ele se lembra de uma festa que era promovida naquele lugar, todo dia 13 de maio, para festejar a abolição da escravatura.

“A história que nos contavam era que as pessoas escravizadas construíram uma capela e plantaram oito palmeiras em volta, para festejar a liberdade que conseguiram no dia 13 de maio de 1888”, disse Carmelino. “Depois disso, todos os anos, naquela data, reúnem-se para rezar, agradecer e dançar o samba de bumbo em frente da capela”.

A pequena capela existe até hoje e ainda é palco da festa nos dias 13 de maio. Luíza Canargo de Jesus, 89 anos, mulher de Carmelino, é neta de Leandro Manuel de Oliveira, ex-escravizado que foi o precursor da festa e um dos fundadores do Cururuquara.

“Meu avô era escravizado numa fazenda que existia naquele lugar e, quando veio a abolição, ganhou do patrão um pedacinho de terra para ficar”, conta Luíza. “Ali foi a origem do Cururuquara e da festa que existe até hoje, onde se dança o samba de bumbo”.

O samba de bumbo praticado em Santana de Parnaíba chamou a atenção do escritor Mário de Andrade, que em 1937 teve a oportunidade de presenciá-lo e registrá-lo num ensaio denominado “Samba Rural Paulista”, publicado na Revista do Arquivo Municipal de São Paulo.

No ensaio, Mário de Andrade conta que assistiu ao samba em Pirapora do Bom Jesus (que pertencia a Santana de Parnaíba), durante a tradicional festa religiosa que se realiza em agosto naquele lugar. No texto, ele registrou que, como lhe foi contado, os temas das letras vinham de histórias contadas no tempo da escravidão e que se perpetuavam entre as gerações.

Mario de Andrade registrou ainda que no dia em que lá esteve o samba estava fraco e explicou o motivo. “A principal razão da fraqueza derivou da reação dos padres e excesso de repressão policial, contra a parte profana dos festejos”.

Passados 86 anos dos registros de Mário de Andrade, os remanescentes quilombolas do Cururuquara ainda enfrentam preconceito e resistência contra a manifestação cultural afro-brasileira que aprenderam com os antepassados.

De acordo com o pesquisador João Mário Machado, parte dos atuais moradores do bairro não vê com bons olhos a dança que se segue às comemorações religiosas na festa de 13 de maio. “Já tentaram impedir o samba dizendo que aquilo é macumba”, disse. “Alegam que essa manifestação afro-brasileira afastaria os turistas dali”.

FERNANDO GRANATO / Folhapress

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