Pesquisadoras, jornalistas e Museu do Futebol resgatam história da seleção feminina

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um grupo de atletas brasileiras era atração na China, em 1988. Mas a curiosidade maior dos locais não era pelo que elas jogavam.

“Os chineses conheciam o nosso futebol e pediam para tirar fotos. Mas passava ‘Escrava Isaura’ na TV e fui abordada várias vezes porque queriam saber o final da novela. Não contei.”

A jornalista Claudia Jacobs foi uma das poucas testemunhas do primeiro torneio experimental de seleções femininas realizado pela Fifa (Federação Internacional de Futebol), há 35 anos. Era o embrião do que seria a Copa do Mundo, que terá nova edição a partir do próximo dia 20.

Naquela competição, a base da equipe brasileira foi o Radar, do Rio de Janeiro. Uma viagem improvisada, em que as camisas eram modelos antigos, usados pelo time masculino, e os calções poderiam ter os nomes dos homens que já os haviam vestido.

Os vídeos dos jogos são raros, e os registros por escrito foram feitos apenas por Claudia em textos para o extinto Jornal dos Sports, do qual era estagiária. Isso revela uma dificuldade para pesquisadoras e interessadas na trajetória da modalidade. A história do futebol feminino no país é, muitas vezes, oral. Um trabalho quase arqueológico.

“Conseguir registros da seleção nas primeiras Copas é um trabalho de CSI. É arqueologia. É um trabalho imenso para descobrir nome, número, posição. Dependemos também de acervos privados”, define Marília Bonas, diretora técnica do Museu do Futebol.

O espaço realiza, até setembro, a exposição Rainhas de Copas, sobre a participação brasileira em Mundiais. Com imagens, vídeos, fichas, áudios e seção interativa, quer reverenciar as jogadoras que defenderam a seleção no passado. Informações que nem sempre foram fáceis de obter.

O primeiro gol do país na história das Copas, em 1991, contra o Japão, teve de ser recriado em uma maquete, com base no relato de quem o marcou: a volante Elane. Não há vídeos ou fotos da jogada.

“O gol da Elane é a memória dela. A gente sabe que na pesquisa não dá para contar a história através apenas da memória. Ela falha. Buscamos por meio de relato e a confirmação. Não existia no passado um cuidado da principal entidade da modalidade em cuidar disso e zelar por essa história”, afirma Juliana Cabral, curadora da exposição e ex-atleta da seleção brasileira.

As defensoras Lauren e Antonia, convocadas por Pia Sundhage para a Copa deste ano, que será sediada por Austrália e Nova Zelândia, visitaram a exposição. O mesmo fez Formiga, meio-campista histórica da seleção e única atleta (incluídos os homens) a participar de sete Mundiais.

A exposição é temporária e complementa outra, permanente. Nesta, Marta e Sissi já foram incluídas em imagens de anjos barrocos. A ideia é atualizar a exposição com dados do torneio que começa neste mês.

“Nos primeiros campeonatos não havia dinheiro. Não havia pagamento. Elas jogavam porque gostavam de jogar”, diz Marília.

Por isso, o tom da exposição é de celebração, apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelas atletas. A ideia é comemorar a participação da mulher no futebol brasileiro e ressaltar as que tornaram a seleção vice mundial de 2007 e medalha de prata nas Olimpíadas de 2004 e 2008.

“O sonho que temos é parar de falar que o futebol feminino é resistência”, afirma Marília.

“O Museu do Futebol tem sido um grande parceiro no processo de contar essa história, esse processo de mergulhar no que aconteceu no passado, uma época em que as jogadoras lavavam o próprio uniforme e jogavam com camisa da seleção masculina. Você adquire um conhecimento que antes não estava contado em lugar nenhum”, ressalta Juliana Cabral.

Era um conhecimento que até pouco tempo estava restrito às pioneiras em conversas pessoais ou em grupos de WhatsApp. Como as recordações do torneio de 1988, quando Claudia Jacobs teve de ir à cozinha do hotel mostrar como preparar ovo frito da mesma forma de que é consumido no Brasil e o jeito de cozinhar massa. Nos mercados ocidentais, a busca era por biscoitos.

“Tudo o que há hoje é responsabilidade daquela geração. Porque elas tiveram a capacidade de ir até lá, na China, e descobrir o que era”, diz Claudia.

Na delegação de mais de três décadas atrás, além das convocadas, havia sete pessoas, contando o ex-árbitro Romualdo Arppi Filho, que viajou como observador. A diferença para as australianas e norueguesas, que tinham nutricionista, fisioterapeutas e cozinheira, era grande. Havia brasileiras fora do peso ideal, algumas passaram mal, e os remédios para cólica foram cedidos pelas atletas da Noruega.

Apesar de todos os problemas, a seleção terminou o torneio de 1988 na terceira colocação.

“Elas jogaram como loucas porque eram muito boas. A qualidade do futebol delas era impressionante. Os jornalistas internacionais notaram isso. Era o futebol brasileiro na essência, de jogar na brincadeira. Elas nem deveriam estar ali, mas estavam todas rindo, cantando, pensando positivo. A gente tem uma dívida de gratidão com essa primeira seleção porque elas foram muito guerreiras”, observa Claudia Jacobs.

ALEX SABINO / Folhapress

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