Entenda o Antropoceno, a época geológica marcada pelos humanos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com cada vez mais frequência, alguma notícia escancara a dimensão das alterações que os seres humanos têm provocado no mundo: a descoberta de rochas feitas de plástico em ilhas remotas, por exemplo, ou o fato de que o total de coisas construídas pela humanidade já pesa mais do que todos os seres vivos da Terra.

Como desde a Revolução Industrial as atividades humanas têm impactado o planeta em nível geológico, cientistas acreditam que esse período (especialmente as últimas décadas) deve ser marcado como uma nova época geológica -o Antropoceno.

Essas discussões ainda estão em curso. Para que essa terminologia seja adotada, é preciso que seja aprovada por maioria em dois comitês (Subcomissão de Estratigrafia Quaternária e Comissão Internacional de Estratigrafia) antes de ser submetida à consideração final da União Internacional de Ciências Geológicas, o que não tem data para acontecer.

O SIGNIFICADO DO TERMO ‘ANTROPOCENO’

O nome Antropoceno vem do grego, da junção de “anthropo”, que significa humano, e “ceno”, que quer dizer novo ou recente.

O termo foi cunhado pelo biólogo Eugene Stoermer e pelo químico vencedor do Nobel Paul Crutzen em 2000 para batizar o intervalo de tempo no qual muitas condições e processos na Terra são profundamente alterados pela humanidade.

Essa nova época substituiria a atual, o Holoceno, que começou cerca de 11,7 mil anos atrás, com o fim da última glaciação.

Os humanos surgiram há aproximadamente 300 mil anos, mas é o período a partir do início da industrialização que altera o planeta tão profundamente que mereceria ganhar um nome próprio, defendem.

ERA OU ÉPOCA DOS HUMANOS?

Apesar do efeito poético, não é cientificamente correto chamar o Antropoceno de “era dos humanos”. Isso porque o termo “era” corresponde a outro tempo geológico -no caso atual, a Era Cenozóica, que começou 65,5 milhões atrás.

O tempo geológico da Terra pode ser calculado com base em estratos rochosos e fósseis ou por meio do decaimento radioativo de elementos químicos.

“A partir dessas informações, foi criada uma escala de tempo geológico, na qual a idade da Terra é dividida em éons, eras, períodos e épocas, do mais inclusivo para o menos inclusivo”, explica o livro “Tópicos de Pesquisa em Zoologia”, do Instituto de Biociências da USP.

QUE TIPO DE IMPACTO É ANALISADO?

De acordo com o grupo de trabalho do Antropoceno (AWG, na sigla em inglês), que estuda o tema desde 2019, são vários os fenômenos associados ao Antropoceno.

Eles incluem um aumento de ordem de grandeza na erosão e no transporte de sedimentos, devido à urbanização e à agricultura; perturbações acentuadas e abruptas dos ciclos do carbono, nitrogênio, fósforo e vários metais, além da criação de novos compostos químicos; e mudanças ambientais geradas por essas perturbações, como aquecimento global, aumento do nível do mar e acidificação dos oceanos.

Também são consideradas as mudanças rápidas na biodiversidade, como resultado da perda de habitat, predação, explosão de populações de animais domésticos e invasões de espécies; e a proliferação e dispersão global de materiais como concreto e plástico.

Os reflexos de muitas destas mudanças vão continuar aparecendo por milênios, e algumas mudam a Terra de modo permanente. Isso acaba sendo refletido em estratos geológicos, como camadas de rochas, que poderão ser analisados por paleontólogos do futuro distante.

QUANDO COMEÇA O ANTROPOCENO?

Um dos pontos centrais da caracterização dessa nova época é definir quando ela começou. A melhor aposta é a década de 1950, quando começaram vários testes nucleares que deixaram uma assinatura radioativa na Terra.

Em uma decisão anunciada nesta terça-feira (11), cientistas foram ainda mais precisos e propuseram como ano-chave 1952, período marcado no solo de um lago canadense por traços de testes nucleares e alta atividade industrial.

O LAGO CRAWFORD

No avanço mais recente desta discussão, os pesquisadores do AWG sugeriram que o lago Crawford, no sudeste do Canadá, seja considerado o ponto que marca o começo do Antropoceno. Isso porque o local, que fica dentro de uma área de conservação, reúne características que fazem dele um ponto de referência para o entendimento desta nova época.

O lago fazia parte de uma lista com 12 lugares diferentes ao redor do globo (como recifes de coral na Austrália, gelo da Antártida e uma caverna na Itália) candidatos ao “golden spike”, expressão usada por geólogos para definir o que marca o início de uma nova etapa geológica.

Segundo o AWG, fortes evidências encontradas no lago Crawford apoiam a hipótese de que o “aumento sem precedentes nas atividades industriais e socioeconômicas” da metade do século 20 “causou alterações no sistema terrestre em escala, finalizando cerca de 11,7 mil anos de condições em grande parte estáveis do Holoceno e marcando o começo de uma nova época na Terra”.

A IMPORTÂNCIA DA ADOÇÃO DO ANTROPOCENO

Se o Antropoceno for adotado, além da novidade científica, a decisão também tem um peso cultural e político, cimentando que a extensão do dano causado pelas atividades humanas no planeta tem escala geológica.

“Hoje o ser humano movimenta mais sedimentos e rochas do que toda a natureza, do que todos os rios do mundo juntos. É uma força geológica”, explica o paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, diretor da Estação Ciência da USP, que defende que a definição é importante porque coloca em pauta um assunto urgente.

“Nós estamos sendo empurrados para uma catástrofe climática”, diz. “O que a natureza faz em milhares, milhões de anos, nós estamos fazendo em dois séculos.”

JÉSSICA MAES / Folhapress

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