RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Com um déficit crescente de servidores, agências reguladoras trabalham no limite da capacidade funcional, de acordo com entidades ligadas aos órgãos públicos. Elas alertam também que o desfalque pode prejudicar a segurança e o funcionamento de serviços essenciais, como transporte e eletricidade.
Dados compilados pela Unareg (União Nacional dos Servidores de Carreira das Agências Reguladoras Federais) mostram que, com exceção da Anvisa, todas as autarquias sofrem com escassez de funcionários. Sem profissionais, as agências enfrentam dificuldades para cumprir atribuições com as empresas e com a população.
O cálculo foi feito a partir da comparação entre o quadro de pessoal previsto pela lei de instituição de cada agência e o total de servidores ativos permanentes, segundo dados disponíveis no Painel Estatístico de Pessoal do governo federal.
Responsável por regular atividades de mineração, a ANM (Agência Nacional de Mineração) é a mais afetada pela escassez, com um déficit de quase 70%.
No ano passado, o TCU (Tribunal de Contas da União) incluiu a estruturação da agência na lista de alto risco da administração federal. Um dos motivos foi o baixo número de fiscalizadores: em 2021, eram apenas 38 pessoas para avaliar 911 barragens, de acordo com o relatório.
O quadro eleva os riscos da mineração, em que a insegurança pode provocar incidentes graves, a exemplo do ocorrido em Brumadinho (MG) em 2019.
Elson da Silva, presidente da Unareg e servidor da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), considera o caso da ANM ainda mais complexo pela defasagem de salário médio dos servidores, que é menor se comparada ao das outras dez autarquias. Segundo o Sinagências (Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação), a diferença salarial é de 46%.
“Recentemente, descobrimos a mineração na terra dos yanomami, cuja fiscalização é uma atribuição da ANM. Mas é impossível dar conta dessa demanda com o atual número de servidores”, afirma.
Em 2021, o Ministério da Economia autorizou edital para contratar funcionários temporários para a agência, na tentativa de reduzir o desfalque. Mas essa não é a solução ideal, segundo Ruy Afonso Lima, professor de economia da UFF (Universidade Federal Fluminense).
“A rotatividade impede a curva de aprendizado e que o funcionário tome decisões corretas e tecnicamente sustentáveis, que garantam a segurança jurídica e a previsibilidade do investimento”, diz.
Ele afirma que a situação das agências afeta ainda as empresas, atrasando regulações e aumentando riscos do negócio.
A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), com uma redução de aproximadamente 46%, é a segunda mais atingida pelo desfalque. A autarquia regula e fiscaliza serviços relacionados ao transporte terrestre, como a atuação de empresas de ônibus e a concessão de rodovias, para garantir a segurança de passageiros e pedestres.
Para Susi Ane Suárez, vice-presidente da Unareg e técnica em regulação da ANTT desde 2005, o déficit de pessoal restringe o horário de funcionamento de pontos da agência nos terminais rodoviários, onde ocorrem fiscalizações de veículos, e pode até causar o fechamento de postos espalhados pelo país.
“Grande parte do nosso trabalho envolve segurança. Seja do veículo em condições de rodar, de uma rodovia para os usuários, da garantia da aplicação de políticas públicas. Por isso, a defasagem de servidores tem um impacto muito forte para a sociedade”, afirma Susi Ane.
Segundo as entidades de classe, sem fiscalização apropriada, crescem os riscos de acidentes em estradas e ferrovias. O desfalque também pode afetar a garantia de políticas do setor, como a gratuidade para idosos, já que não há equipes para verificar se as medidas estão sendo cumpridas.
A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) também está entre as mais atingidas, com 31,9% funcionários a menos do que o previsto por lei. O quadro compromete a fiscalização de aviões e aeroportos, o que pode afetar a segurança dos voos.
Outro impacto é sobre o atendimento a usuários que desejam fazer denúncias ou reclamações de empresas aéreas. Com a escassez de servidores, as solicitações demoram mais a ser atendidas.
Já na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o déficit é de 26%, com funcionários relatando acúmulo de tarefas. Servidor da agência há 16 anos, Benedito Cruz Gomes diz que a sobrecarga afeta a qualidade do trabalho dos profissionais.
“São diversos riscos devido a essa situação: desde pequenos erros que podem resultar em impacto de milhões de reais no mercado regulado e seus usuários, até decisões que, se não estiverem devidamente discutidas e avaliadas, podem resultar em comportamentos prejudiciais aos setores”, afirma.
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos diz estar avaliando o quadro das autarquias. A pasta afirma que, no caso da ANM, foi aprovado o provimento adicional de 24 vagas e, para o segundo semestre deste ano, está prevista a autorização de um novo concurso público.
“O Ministério está acompanhando de perto a situação das agências reguladoras, assim como a de outros órgãos e entidades da administração pública federal que demandam a recomposição dos quadros de pessoal.”
A professora Alketa Peci, da Ebape FGV (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas), considera que as agências têm uma situação melhor do que os demais órgãos públicos.
Ela afirma que, por terem sido criadas nos anos 1990, as legislações são mais recentes e preveem mais autonomia. Para além dos concursos, a professora defende que é preciso pensar novas estratégias para o trabalho das agências, considerando a convergência entre os setores e usando técnicas mais modernas para fiscalizar.
“O Ministério de Gestão precisa ver esse conjunto de carreiras e suas especificidades e pensar em um modelo mais inteligente, que consiga responder à demanda de fiscalização. Precisamos contratar, mas não de forma exponencial.”
LUANY GALDEANO / Folhapress