Com Titãs, Xuxa e Balão Mágico em alta, nostalgia varia do cringe ao vintage

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem nunca teve vergonha dos pais que atire a primeira pedra. Calma, talvez esse pensamento seja muito filosófico para o tema, vou tentar mais uma vez. Quem não foi ao show dos Titãs, não parou tudo para ver a estreia da nova temporada de “And Just Like That” ou não se pegou de uma hora para outra pensando que seria bem legal combinar uma roupa mais alinhada com um tênis Air Jordan, da Nike, lançado em 1985, que atire a tal da pedra.

Não? Nenhuma das alternativas? Então quem sabe você não era uma das pessoas chacoalhando o esqueleto ao som de Backstreet Boys, no começo do ano? Ou está de vela acesa, na esperança de que Madonna se recupere e anuncie shows também no Brasil na turnê de celebração de 40 anos de carreira? Assistiu a todos os episódios das quatro temporadas de “Stranger Things”? Confessa que ainda tem um jeans skinny no armário, e os dedos em figa para a hora que a peça saia da lista do que é cringe?

Quanto tempo precisa passar até que uma roupa, uma banda, uma série, uma pessoa ou até uma viagem, que em um momento todo mundo queria ter, ouvir, assistir, conhecer ou fazer, depois foi considerado cafona, volte a ser legal?

O historiador de moda inglês James Laver (1899-1975), autor do clássico “A Roupa e a Moda: uma História Concisa”, criou uma tabela curiosa para ilustrar o tipo de reação que as pessoas têm em relação ao tempo que a separam da criação de uma peça de roupa.

Segundo ele, um ano depois de ser lançada, uma roupa está fora de moda. Dez anos depois, será considerada medonha. Após 20 anos, será ridícula. A redenção começa com 30 anos, quando é vista como divertida. Cem anos depois de ser lançada, a roupa vira romântica e 150 anos depois, linda.

A tabela de Laver também projeta o futuro. Uma roupa que será considerada o máximo em um dado momento, se for usada um ano antes de seu tempo, será vista como ousada. Se isso acontecer cinco anos antes, a peça será tachada de desavergonhada. Dez anos antes? Indecente.

O livro de Laver, que, aliás, nunca saiu de moda, conta a história da evolução das vestimentas desde a criação da primeira agulha, 40 mil anos atrás. Mas para na metade dos anos 1930, já que o livro foi publicado em 1937 (no Brasil, foi lançado em 1989 pela editora Companhia das Letras).

De lá para cá muita coisa mudou. E termos como vintage e cringe se infiltraram na língua portuguesa, um muito antes do outro, para se referir ao modo como a sociedade se relaciona com coisas antigas, sejam elas da estação passada ou de décadas anteriores.

“Cringe é um termo recente na língua portuguesa e que se usa para se referir a coisas do passado recente que provocam uma aversão, uma vergonha alheia”, explica o professor de história da moda das universidades Faap e Santa Marcelina João Braga. Talvez o termo cringe já tenha virado cringe.

“Vintage é uma palavra muito antiga, está na Bíblia”, afirma Braga. “Na Bíblia em inglês, com o significado original, que é o de safra. A tradução literal de vintage em português é vindima, que significa o período entre a colheita da uva e o início da produção do vinho”, diz.

O professor é fascinado pela origem dos termos adotados pela moda e pelos consumidores. O nome brechó, ele explica, surgiu de um engano. Na verdade, de um sotaque. “Um homem de origem árabe chamado Belchior viajava o Brasil vendendo roupas usadas. Como esse nome não era comum, as pessoas começaram a dizer ‘vamos lá no brechó comprar roupa’, o nome brechó pegou e comprar roupa usada virou moda”, diz o professor. “O erro virou o acerto.”

Na moda, o termo vintage ganhou seu próprio significado, uma roupa antiga que foi marcante em sua época. “Não basta ser antigo, tem que ter sido relevante, se não é apenas uma peça usada”, diz a stylist e professora de moda Manu Carvalho. “O vintage é o melhor de cada época.”

“Muita gente acha que vintage tem a ver com ser uma coisa de 20 anos atrás ou então dos anos 1920, o que é um erro crasso”, diz o professor João Braga. Manu Carvalho conta que o vintage também foi uma tendência, e que marcou, principalmente, os anos 1990.

“Nos anos 1960 a sociedade começou a fazer previsões futuristas, na expectativa da virada do milênio. O desenho “Os Jetsons”, de 1962, que se passa em 2062, mostrava carros voadores como o meio de transporte mais comum. O estilista Paco Rabanne dizia que o mundo ia acabar no ano 2000″, afirma a stylist.

“No meio dos anos 1990, o vintage estourou. A moda, o comportamento, a música de todas as épocas começaram a ser revisitadas, e com o passar do tempo foram formando um caldo que fizeram com que as roupas, os costumes, tudo neste começo de milênio fosse uma mistura de todas as épocas. A moda hoje é tudo ao mesmo tempo.”

Mas isso não explica as 150 mil pessoas que lotaram o estádio do Palmeiras no mês passado, em shows com a formação original dos Titãs, em que a banda que surgiu em 1984 se reuniu para tocar os maiores hits da carreira. Muito menos as quase 50 mil pessoas que esgotaram os ingressos do Backstreet Boys, uma boy band dos anos 1990, no mesmo estádio, no começo do ano.

E tem muita coisa antiga, vintage, se preferir, programada para acontecer ainda este ano. A turnê “Celebration”, da Madonna, que vai revisitar os grandes hits da cantora das últimas quatro décadas, ia começar no próximo dia 15, em Vancouver, no Canadá, mas foi adiado por conta de uma infecção bacteriana que a levou a ser intubada na UTI, em Nova York, por quase uma semana.

No próximo dia 12, entra no ar, no canal de streaming Star+, “A Superfantástica História do Balão”, série documental que conta os bastidores da banda infantil “A Turma do Balão Mágico”, fenômeno fonográfico dos anos 1980. Dirigido por Tatiana Issa e Guto Barra, criador da série “Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez”, de 2022, da HBO, o documentário sobre a carreira da banda infantil reúne Simony, Tob, Jair Oliveira e Mike.

Mike é filho do famoso assaltante inglês Ronald Biggs, que, em 1963, roubou o equivalente a R$ 150 milhões, em valores atualizados, de um trem pagador que ia da Escócia para Londres. Foi preso pelo crime, mas fugiu da cadeia no ano seguinte e se refugiou no Brasil, onde teve um namoro com uma ex-stripper chamada Raimunda Rothen, mãe de Mike. Biggs, o pai, voltou para a Inglaterra em 2001 e morreu em 2013.

No dia seguinte, outra estreia para os nostálgicos: a Globoplay bota no ar uma série documental em cinco episódios sobre a vida da apresentadora infantil Xuxa, que completou 60 anos este ano. Dirigida por Pedro Bial, a série promoveu o reencontro da Rainha dos Baixinhos com sua ex-empresária e atual inimiga Marlene Mattos, hoje com 73 anos.

E este ano, em setembro, outra apresentadora loira e famosa completa 50 anos. É Angélica, que está desde o ano passado procurando um projeto que celebre a data com um produto audiovisual ainda não divulgado.

O ex-vocalista da banda inglesa The Smiths, Morrissey, também vem cantar para o público brasileiro grisalho celebrando 40 anos de carreira em setembro deste ano. A banda inglesa The Cure, formada no final dos anos 1970, já anunciou shows no Brasil em dezembro, no festival Primavera Sound.

“Historicamente, depois de grandes crises, sejam elas sociais ou econômicas, há um retorno às referências. É como se as pessoas procurassem recuperar o tempo perdido, seja por causa de uma guerra, de uma crise econômica ou de uma pandemia, como a que vivemos nos últimos anos, procurando consumir coisas de que já gostam”, diz Braga.

“O clássico sempre nos traz uma sensação de segurança, um lastro, um alicerce. Que é o que a gente sente falta durante uma grande crise, então procura fincar de novo os pés no chão, para só então buscar um novo caminho”, afirma o professor.

“Tenho uma bolsa de mão da Gucci dos anos 1970 que comprei nos anos 1990, e a marca acabou de lançar uma idêntica, uma reedição vintage”, diz Manu. “Também tenho uma capinha dos anos 1920 que comprei nos anos 1990 em um brechó de Londres, e guardo horizontalmente embrulhada em papel de seda, como se faz nos museus. A peça tem um século”, afirma a stylist.

Pela tabela do historiador inglês, a capinha de Manu já é oficialmente romântica. Mais 50 aninhos e vira linda.

TETÉ RIBEIRO / Folhapress

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