Dasa altera cargo de técnicos de enfermagem em meio a discussão sobre piso

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio ao debate sobre o novo piso salarial da enfermagem, a rede Dasa alterou a nomenclatura dos cargos de técnicos e auxiliares da categoria na carteira de trabalho, segundo o SinsaudeSP (sindicato que representa esses trabalhadores em São Paulo) e o Coren-SP (Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo), que receberam denúncias de funcionários da empresa. A mudança gerou insegurança em alguns desses profissionais, que dizem não saber se vão receber a nova remuneração.

Procurada pela Folha de S.Paulo, a Dasa confirma que alterou a nomenclatura dos cargos. Diz, porém, que a mudança não tem qualquer efeito sobre remuneração, benefícios dos colaboradores ou elegibilidade ao piso. A empresa afirma que pagará o piso a profissionais que exerçam atividades privativas de enfermagem, técnicos e auxiliares de enfermagem.

O MPT-SP (Ministério Público do Trabalho em São Paulo) abriu um inquérito civil em maio para apurar o caso. De acordo com o órgão, há uma audiência agendada para agosto.

Sob condição de anonimato, três funcionárias que trabalham em laboratórios da Dasa afirmaram à reportagem que, em março deste ano, a empresa alterou o nome de suas ocupações -antes descritas como técnico de enfermagem- para técnico em patologia clínica.

“Trata-se de um processo organizacional contínuo de adequação e padronização adotado por empresas de todos os setores, que se aplica a diversas áreas além das assistenciais. Por exemplo, pode ocorrer como um movimento natural após integração de novas operações. Nos últimos três anos, fizemos 61 alterações de CBOs [Classificação Brasileira de Ocupações] e foram integradas mais de 15 mil pessoas ao quadro de funcionários. Entre essas adequações, nenhuma delas está relacionada a funções específicas da enfermagem”, escreve a Dasa em nota.

Segundo James Santos, conselheiro do Coren-SP, com a mudança, técnicos e auxiliares de enfermagem podem ficar impedidos de realizar certos procedimentos. Se fizerem, configura-se exercício ilegal da profissão, explica.

“Eles são contratados como técnicos ou auxiliares de enfermagem e, em virtude da aprovação do piso salarial, são colocados como técnicos de coleta ou análises clínicas. [Isso] descaracteriza a figura do auxiliar de enfermagem”, diz Santos.

De janeiro até a última quinta-feira (6), o Coren-SP diz que recebeu 40 denúncias que acusam a Dasa de alterar o cargo na carteira de trabalho dos funcionários sem nenhum tipo de aviso, modificando a função de técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem para técnico em patologia clínica ou auxiliar de coleta.

Além das queixas contra a Dasa, o conselho também registrou outras três denúncias de natureza semelhante. Duas delas referem-se a alteração ou contratação de técnicos e auxiliares de enfermagem em cargos com nomenclaturas diferentes, como técnico em patologia e analista de regulação. A terceira denúncia, em Ribeirão Preto (SP), acusa uma ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos) de demitir técnicos de enfermagem que atuavam na assistência a idosos para serem recontratados como cuidadores. O Coren-SP não divulga os nomes das empresas envolvidas.

No SinsaudeSP, mais de 60 associados denunciaram a Dasa, de acordo com o presidente do sindicato, Jefferson Caproni. “Mudaram a carteira de trabalho de todo mundo do dia para noite. Não fizeram uma assembleia com os trabalhadores. Essa mudança de nomenclatura é ilegal porque é unilateral. É uma fraude.”

Segundo o advogado Carlos Balaró, do escritório Marzagão Balaró, a mudança feita pela Dasa pode ferir a CLT. “Alterações de nomenclatura no contrato de trabalho podem ser feitas desde que sejam efetivamente a realidade. Eu não posso fazer isso como um subterfúgio para escapar do piso do profissional da enfermagem”, diz ele.

Procurado pela Folha, o Ministério do Trabalho e Emprego afirmou que a questão deve ser tratada com o conselho ou o sindicato de classe. “A CBO apenas indica as certificações para cada categoria. Se houve ilegalidade na mudança, a categoria deve acionar o Conselho ou o sindicato”, disse a pasta em nota.

Sancionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em agosto do ano passado e suspenso pelo STF no mês seguinte, o novo piso nacional da enfermagem gerou confusão no setor. A lei não indicou o custeio dos salários, o que provocou reação das entidades patronais contra a medida.

O Congresso Nacional promulgou, em dezembro, a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Enfermagem, que direcionou recursos para o pagamento. O texto definiu que o piso da categoria deveria ser custeado pelo superávit financeiro de fundos públicos.

Em maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou um projeto de lei que liberou R$ 7,3 bilhões em crédito especial para ajudar estados, municípios e o Distrito Federal na implementação da medida. Logo depois, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), restabeleceu o piso salarial da enfermagem.

Em julgamento no plenário, os ministros do Supremo determinaram que, para trabalhadores do setor privado, deverá haver negociação coletiva. Se as partes não chegarem a um acordo após 60 dias da publicação da ata do julgamento, o piso passa a valer da forma como está previsto em lei.

A Lei 14.434, aprovada no ano passado, define que o piso salarial dos enfermeiros será de R$ 4.750. Os técnicos de enfermagem deverão receber 70% desse valor (R$ 3.325); e os auxiliares de enfermagem e as parteiras, 50% (R$ 2.375).

PAULO RICARDO MARTINS / Folhapress

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