SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nesta quinta-feira (13), uma cerimônia dividida em três atos, tal qual uma peça de teatro, que acontece em São Paulo, marca o sétimo dia da morte do dramaturgo Zé Celso, morto na semana passada após ter 53% do corpo queimado em um incêndio.
Marcelo Drummond, viúvo de Zé, chegou por volta das 15h40, pouco antes de a árvore ser plantada. “Essa árvore simboliza o Zé e o Parque do Bixiga. A cidade precisa e merece que esse parque venha o mais rápido possível”, diz ele.
“O Zé representa muito para a cidade. Ele é uma figura de São Paulo. É um dos nossos símbolos. Só São Paulo poderia dar figuras como Zé. Essa cidade abriga tudo.”
Camila Mota, vice presidente do Teatro Oficina, diz que Zé teve papel fundamental para a dramaturgia brasileira. “Ele colocou o teatro num lugar muito grande. Entre muitas coisas, o Zé é um artista gigante que viveu o teatro como essa arte importante para promover comunicação e mudar as coisas.”
A partir 16h, foi realizada uma lavagem na calçada do Teatro Oficina, que o dramaturgo ajudou a fundar, seguida do cultivo da árvore que foi dada de presente de casamento ao diretor pelas atrizes Fernanda Montenegro e Fernanda Torres.
Às 16h10, dezenas de admiradores já formavam fila em frente ao teatro para acompanhar a cerimônia. As portas do local foram abertas oito minutos depois.
Enquanto o público entrava, os profissionais do teatro faziam um exercício de preparação, convidando os presentes a participarem do aquecimento.
O ipê foi retirado de dentro do espaço por cerca de nove pessoas e conduzido para o lado de fora, enquanto o público cantava a plenos pulmões o samba enredo de 1975 da Vila Isabel.
O samba “Quatro Séculos de Paixão-História do Teatro Brasileiro” virou um hino informal do Teatro Oficina após Zé ouvi-lo em Portugal, onde estava exilado por causa da ditadura militar.
Às 16h40, a árvore foi plantada sob fortes aplausos do público e gritos de “Viva Zé Celso”.
O deputado estadual Eduardo Suplicy fez um apelo para que o parque do rio Bexiga saia do papel.
Zé desejava que o terreno ao lado do teatro fosse transformado em uma área verde. O local, porém, pertence a Silvio Santos, que não aprovava a ideia e pretende fazer um empreendimento imobiliário na área.
“Nós precisamos persuadir os vereadores de que é necessário votar pela criação do parque. Eu também faço um apelo ao Silvio Santos para que possamos usar essa área para ser um local de cultura e lazer” disse o parlamentar.
“Por Zé Celso e em homenagem a ele, vamos criar o parque do rio Bexiga.”
Às 19h30, será realizada a cerimônia religiosa na Paróquia Nossa Senhora Achiropita, no Bexiga. Para encerrar a homenagem, será apresentado às 20h no Oficina “Go Back Torquato”, espetáculo performático criado a partir das canções e textos do poeta tropicalista Torquato Neto.
Zé Celso morreu após ter tido 53% de seu corpo queimado em um incêndio causado por um aquecedor elétrico que consumiu seu apartamento, no Paraíso, bairro da zona sul paulistana, durante a madrugada de terça-feira (4).
Considerado o maior dramaturgo brasileiro, o artista participou nos anos 1960 do grupo fundador do Teatro Oficina -também formado por Renato Borghi, Fauzi Arap, Etty Fraser, Amir Haddad e Ronaldo Daniel-, que se tornaria símbolo do teatro brasileiro.
Dez anos mais tarde, a companhia montou “O Rei da Vela”, clássico inspirado no livro de mesmo nome escrito em 1933 por Oswald de Andrade, que satirizou a política e o comportamento subserviente do país em relação ao mundo desenvolvido.
Em suas peças, o diretor buscou desregular o moralismo e o conservadorismo com a nudez e a escatologia. A transgressão era, simbolicamente, uma agressão à ordem vigente, o que se tornou elemento constitutivo da poética do Teatro Oficina.
Em 1968, no auge da ditadura militar, ele desafiou o regime ao dirigir a peça “Roda Viva”, composição de Chico Buarque. Com Marília Pêra e Antônio Pedro nos papéis principais, a obra criticava a sociedade de consumo no drama de um cantor que decide mudar de nome, manipulado pelos desígnios da indústria cultural. O Ato Institucional nº5, o AI-5, havia acabado de ser promulgado, e a repressão do regime militar reforçou a perseguição e a censura aos artistas.
Zé, inclusive, chegou a ser preso e torturado nesse período, razão pela qual decidiu se exilar em Portugal. Em 2010, foi anistiado pelo Estado e recebeu também uma indenização de R$ 570 mil.
Seu corpo foi velado no Teatro Oficina entre as 23h30 de quinta-feira e 12h30 da sexta-feira na semana passada, recebido por uma multidão na rua em frente ao teatro. Artistas e público cantavam, dançavam e gritavam “evoé” e “viva o Zé”.
O dramaturgo deixa o marido, Marcelo Drummond, ator do Oficina, com quem viveu durante 37 anos. Os dois se casaram, no mês passado, na sede do Teatro Oficina.
Durante a missa, o padre Roberto Silva afirmou que o legado de Zé será eterno.
“Devemos guardar o legado que ele deixou, porque isso não pode ser apagado. Nada vai apagar isso. Fica a saudade de alguém que deixa um grande legado “, disse o pároco. “Tudo o que ele fez e que ele deixou agora irá continuar com vocês. O Zé Celso está no coração de cada um de nós.”
MATHEUS ROCHA / Folhapress