SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – O caos estava por toda parte. Famílias desabrigadas pelos tremores que mataram mais de 50 mil pessoas em fevereiro deste ano na Turquia lotavam hospitais da região.
Em uma maca com o corpo quase todo coberto, um garoto grita de um dos corredores. O som alto contém um desespero notório, mas naquele caso não se tratava de dor, mas sim um chamado. Um incessante chamado por um ídolo reconhecido mesmo de boné.
Do outro lado do lugar, o volante Souza, na época do Besiktas (Turquia), atende ao chamado. O garoto fala na língua local e o tradutor do jogador diz a ele o pedido: “Ele quer que você siga ele no Instagram”.
Souza, então, pergunta ao médico o que ocorreu com o jovem: a parede da casa cedeu em cima das pernas do garoto, que precisou amputá-las. Ali, deitado na maca após perder as duas pernas, o torcedor do Besiktas não viu espaço para lamentação quando a oportunidade de falar com o ídolo surgiu.
“Ele só queria uma foto comigo e um autógrafo. Não esqueço até hoje: ele deu o Instagram dele pro meu tradutor e pediu, por favor, pra eu seguir ele, e eu segui”, contou em entrevista ao UOL.
Foi essa idolatria que fez Souza deixar a Turquia. Pode parecer estranho escrevendo assim, mas tem explicação: o volante teve uma nova lesão no menisco e decidiu que não iria ser operado para evitar complicações futuras. Acontece que, dessa forma, Souza não tinha certeza se conseguiria manter o nível de desempenho no país e não queria decepcionar o torcedor que se acostumou com suas exibições.
Foi assim que o capitão do Besiktas partiu rumo à China. A escolha se deu como um teste: um campeonato de intensidade menor para entender como seu joelho reagiria. Pesou também a sede do volante e família por conhecer novos lugares e novas culturas. O jogador poderia ter optado pelo Qatar ou Arábia Saudita, ambos torneios com menor intensidade, mas Souza já tinha jogado na Arábia e queria conhecer um lugar novo.
Morando em Pequim, o jogador tomou um susto com o custo de vida, mas adorou a cidade. O desempenho em campo também ajuda na felicidade do volante em terras chinesas: ele tem conseguido atuar com frequência mesmo diante da lesão, o que tem animado o jogador para o futuro.
Souza assinou por um ano, mas se estiver presente em ao menos 60% das partidas do Beijing Guoan na temporada, o vínculo se estende automaticamente por mais um ano. O objetivo do volante é esse, mas uma volta ao Brasil após esses dois anos não está descartada.
“Quero terminar bem, seja aqui, seja no Brasil, seja em qualquer lugar. Vindo para a China eu tive esse feedback de que eu acho que ainda posso jogar em alto nível, tenho conseguido jogar mesmo com a lesão no menisco que eu tenho no joelho. Vamos deixar aberto essa possibilidade, eu não sei como vai ser o futuro”, contou.
Se o Brasil entrar na rota futura do volante, o Vasco é o favorito. Souza chegou a conversar com Paulo Bracks, na época executivo do clube da colina, mas já tinha conversas adiantadas na China e somente avisou sobre sua condição física.
“Quis passar pra ele que a minha situação não era fácil, que eu não sei o que seria de mim como jogador porque eu tinha acabado de ter uma lesão séria no menisco, que é cirúrgica e eu não iria ser operado, iria tentar jogar dessa forma. Só que eu não acho justo eu ir pro Vasco nessas condições também, porque a torcida vai cobrar. É um clube que eu gosto muito, que eu amo, já falei que queria voltar outras vezes, não voltei e torcida ficou bem chateada comigo. Dessa vez foi por causa da lesão”.
Independentemente de onde vai pendurar as chuteiras, Souza já tem uma ideia do que fazer após o futebol. Ele quer ficar em casa com a família, mas encontrou sua maneira de seguir perto das quatro linhas.
“Até pensei em ser técnico, mas minha esposa falou que se eu for por esse caminho, ela termina comigo (risos). Então, eu prefiro continuar com a minha família. Eu posso dizer que tenho um dom. Eu não faço nenhuma transação, não recebo dinheiro de ninguém, mas eu ajudei muitos empresários. Eu mesmo ligo pra alguns jogadores amigos meus, como Alex Teixeira, o Giuliano. Eu tenho essa facilidade do diálogo, acabo convencendo-os de ir pra um clube ou outro e depois eu dou o contato dos meus amigos que são empresários. Então, eu acho que naturalmente é um caminho que eu deverei percorrer futuramente, ser um intermediário ou algo do tipo. E aí também eu não preciso sair de casa, né? Consigo ficar com a família”
Confira outras respostas do volante Souza na entrevista ao UOL:
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VOLTAR AO BRASIL?
Estou com 34 anos e ano que vem a gente já bate 35, que é uma idade onde já vi muitos jogadores pararem de jogar futebol até antes. E eu sei que a gente está começando a entrar por um caminho que daqui a pouco é natural você encerrar a carreira. Quero terminar bem, seja aqui, seja no Brasil, seja em qualquer lugar, eu quero terminar bem, quero terminar jogando. Vindo para a China eu tive esse feedback de que eu acho que ainda posso jogar em alto nível, tenho conseguido jogar mesmo com a lesão meniscal, que eu tenho no joelho. Serve como teste. Vamos deixar aberto essa possibilidade, eu não sei como vai ser o futuro.
CONTRATO
Eu tenho um contrato aqui de um ano mais um: se eu jogar 60% dos jogos ele renova automaticamente. Óbvio que a gente quer bater a meta, porque se eu bater a meta, eu estou jogando, e para mim isso é muito bom.
VIDA NA CHINA
Eu e minha família somos muito adaptáveis, a gente gosta de conhecer novos lugares, um dos motivos de eu ter vindo para cá, para a China também, foi conhecer a cultura, conhecer um novo lugar, conhecer um novo campeonato, porque se você for falar de baixa intensidade, a gente poderia pensar também na Arábia, Dubai, Qatar… Estamos gostando muito de Pequim, uma capital maravilhosa. É um pouco cara, a gente tomou um susto quando chegou com os valores escolares das crianças, é uma outra realidade, não tem nada a ver com Istambul, não tem nada a ver com o Brasil, e é um pouco cara, porém é uma cidade muito boa de se viver, de conhecer. Eu trouxe minha prima para morar comigo, então ela cozinha praticamente comida brasileira todos os dias para a gente, o Brasil e a China têm essa conexão muito grande, então é muito mais fácil a gente encontrar comida brasileira aqui do que na Turquia.
DÁ PRA JOGAR EM ALTA INTENSIDADE?
Então, a vinda para cá também justamente foi para isso, para ver como ia ser. Tenho tido um feedback maravilhoso no meu joelho, agora podendo tratar. Eu treino menos que todo mundo, eu vou para a academia em dia de campo para poder fortalecer a coxa para o joelho ter mais força.
Em relação à minha lesão, eu até deixei isso bem claro quando eu conversei com o Paulo Braks do Vasco, a minha lesão é intratável, ou é incurável, a forma correta de dizer, ela não tem cura. Ou você opera, mexe no menisco, tira a parte lesionada, ou você não opera, que foi o que eu optei porque eu já tinha operado o mesmo menisco no ano passado e se eu tivesse que tirar mais menisco, isso poderia acarretar problemas maiores no futuro, e eu preferi jogar com o menisco lesionado.
Assim, é dolorido? É dolorido. Depois dos jogos eu tenho que tratar muito, o joelho incha de líquido, mas graças a Deus eu estou conseguindo manejar isso e tenho jogado. De 12 jogos eu joguei praticamente 10, então é uma média que nem eu esperava. Então, com esse feedback e olhando para esse horizonte, eu não descarto de repente voltar para uma liga mais competitiva. Hoje eu já me sinto capaz de jogar mesmo com essa lesão meniscal.
FUTURO DEPOIS DO FUTEBOL
Até tinha planos de ser técnico, mas minha esposa falou que se eu for por esse caminho, ela termina comigo (risos). Então, eu prefiro continuar com a minha família.
Eu posso dizer que tenho um dom. Eu não faço nenhuma transação, não recebo dinheiro de ninguém, porque eu já sou jogador e eu também não preciso disso, mas eu ajudei muitos empresários, inclusive alguns turcos a crescerem na Turquia. Eu mesmo ligo pra alguns jogadores amigos meus, como Alex Teixeira, quando eu consegui levar ele pro Besiktas, o Giuliano, quando voltou da Arábia pro Basaksehir. Enfim, alguns jogadores eu consegui ligar, conversar, eu tenho essa facilidade do diálogo, de me expressar, de falar, eu acabo conversando com eles e convencendo de ir para um clube ou outro e depois eu dou o contato dos meus amigos que são empresários. Então, eu acho que naturalmente é um caminho que eu deverei percorrer futuramente, ser um intermediário ou algo do tipo. Não quero ser um agente Fifa, não quero ter o meu nome, mas eu acho que trabalhando por trás dos bastidores, como intermediário, levo um jeito pra isso. E aí também eu não preciso sair de casa, né? Consigo ficar com a família.
VASCO
Eu não negociei com o clube até porque já tinha uma conversa avançada aqui na China, eu não estava totalmente livre no mercado. Mas eu quis passar pra ele que a minha situação não era uma situação fácil, que eu não sei o que seria de mim como jogador porque eu tinha acabado de ter uma lesão no menisco e a ressonância mostrava uma lesão séria no menisco, que é cirúrgica e eu falei pra ele que não iria operar, iria tentar jogar dessa forma, só que eu não acho justo eu vir pro Vasco nessas condições também, porque a torcida vai cobrar.
Primeiro que eu não sabia como eu ia lidar com essa lesão, hoje eu sei como lidar com ela, hoje eu sei que eu conseguiria, mas também eu não sei se eu conseguiria no Brasil, porque a o ritmo de jogos, de viagem, é muito grande, às vezes não tem tempo pra treinar, pra jogar… Então, eu tentei ser o mais sincero possível com ele e ele entendeu, deixou as portas abertas pra caso eu queira de alguma forma próximo ano voltar. É um clube que eu gosto muito, já falei que queria voltar outras vezes, não voltei e torcida ficou bem chateada comigo. Até hoje inúmeras pessoas me criticam muito por não ter voltado, mas foi uma opção que eu fiz de carreira, permanecer fora e agora foi simplesmente pela questão da lesão. Eu não quis voltar e eu não sabia o que ia acontecer. Mas é um clube que eu amo, que eu tenho um carinho muito grande, eu tô de longe, mas eu tento sempre separar essa área profissional do torcedor que eu sou.
EDER TRASKINI E MARINHO SALDANHA / Folhapress