‘Herói de Sangue’ narra solidariedade familiar frente ao colonialismo

FOLHAPRESS – Em “Herói de Sangue”, um grupo de jovens negros é recrutado a força em sua terra, o Senegal, para combater com uniforme francês na Primeira Guerrra Mundial. A menção à barbárie colonialista é evidente demais para ser negada, e Mathieu Vadepied não a esconde: logo de cara os recrutas ficam sabendo que, por sua participação nos combates, receberão a cidadania francesa, deixando de ser meros nativos.

Logo, Bakery, papel de Omar Sy, e seu filho Thierno, vivido por Alassane Diong, são integrados a um batalhão de artilharia e remetidos à carnificina que foi a Primeira Guerra. Nesse ponto difícil o filme se sai bem ao tratar da guerra de trincheiras, com seus avanços e recuos cuja única finalidade aparente era dizimar os soldados dos dois lados. Ele faz isso com delicadeza. Quem quiser uma visão mais realista do que foi essa guerra basta ler a primeira cena de “Guerra”, de Céline –ainda inédito no Brasil.

Mas esse não é o ponto do filme, É antes o quadro em que se desenrola. Lá estão pai e filho e, no caso, um pai cuja única preocupação é proteger o filho, evitar que ele corra grandes riscos. Bakery não se conforma em ver o jovem na guerra. Thierno, ao contrário, aceita o destino.

Bakery empenha-se em fazer com que Thierno trabalhe na cozinha até descobrir que o sujeito capaz de arranjar isso para ele aparece morto sob escombros de uma construção recém-destruída. Depois tentará a fuga, ou seguirá o filho em alguma missão.

O importante, no caso, é ressaltar a importância dos laços, que no caso são familiares e étnicos também. Importância tão maior quando se está na iminência da morte mais que provável.

Nesse sentido, o filme desemboca nos horrores da guerra, a que são sensíveis sobretudo as plateias europeias, abrindo uma janela para a Primeira Guerra, mas não tão ampla quanto a que abriu Kubrick em “Glória Feita de Sangue”, em que atacava a incompetência e a arrogância do militarismo francês (que se mostrariam por inteiro na guerra seguinte, com a notável exceção de De Gaulle, diga-se).

Ao mesmo tempo, Vadepied dispõe-se a sugerir o tamanho da barbárie do colonialismo europeu, bem como seu caráter racista. Trata-se de uma questão viva em países como a França que enfrenta, hoje, a necessidade e ao mesmo tempo a dificuldade de integrar seus antigos colonos.

O início do filme é, a esse propósito, exemplar: vai a uma comunidade do Senegal composta basicamente por pastores e não hesita em arrancá-los de seu modo de vida para atender às necessidades dos senhores da guerra. Seu desenvolvimento aos poucos parece livrar-se desse aspecto delicado, digamos, da história francesa, para se fixar na questão mais atual dos dias atuais: a família.

Num mundo em que cada vez mais o individualismo se impõe, numa espécie de luta de todos contra todos por espaço em um ambiente contaminado pela perda de direitos (trabalhistas, sobretudo), restam as solidariedades que se criam nesse campo de batalha (veja-se o caso dos “coletes amarelos” na França) e, sobretudo, aquelas que se carrega no sangue: a família.

“Herói de Sangue” não é um filme de ousadias, mas de inegável competência –aliás, tanto Omar Sy quanto Diong se saem muito bem–, que parece se sustentar sobre cálculos bem precisos sobre o que pode engajar o espectador.

HERÓI DE SANGUE

Avaliação: Bom

Onde: Em cartaz nos cinemas

Classificação: 14 anos

Autoria: Omar Sy, Jonas Bloquet e Alassane Sy

Produção: França, 2022

Direção: Mathieu Vadepied

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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