BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma resolução que estabeleceu prazos para a duração de processos no TCU (Tribunal de Contas da União) já foi aplicada em ao menos 400 casos que poderiam resultar na condenação de gestores públicos ao ressarcimento dos cofres públicos.
Paralelamente a isso, o valor das condenações em débitos e multas, segundo relatório divulgado pelo tribunal, caiu de R$ 2,3 bilhões no primeiro trimestre do ano passado para R$ 268 milhões no mesmo período deste ano, o menor valor dos últimos 15 anos.
Os dados sobre a aplicação da resolução foram fornecidos pelo próprio tribunal à Folha, em levantamento feito entre 12 de outubro do ano passado, quando passou a valer a nova regra, e abril deste ano.
No primeiro trimestre do ano passado, o tribunal condenou e multou 639 pessoas, contra 345 neste ano. Já o número de processos de controle externo julgados pouco variou (de 1.160 para 1.110).
Pela nova regra, o tribunal dispõe de até cinco anos para emitir uma primeira decisão condenatória em processos de responsabilização.
O tempo passa a contar a partir da apresentação da prestação de contas de gestores públicos ao TCU ou do conhecimento do fato investigado pelo tribunal.
Ela também estabelece causas que podem interromper essa contagem, como a realização de uma auditoria ou a notificação dos envolvidos. Os processos também podem prescrever caso fiquem três anos parados.
O ressarcimento aos cofres públicos é aplicado pelo TCU quando um gestor público ou uma empresa contratada pelo Estado comete irregularidades que possam gerar prejuízos à União.
Enquadram-se nessa categoria contratações indevidamente realizadas sem licitação, superfaturamento de contratos públicos e sobrepreço em pregões, entre outras situações.
Também há multa, inabilitação para o exercício de função pública e, no caso de empresas, a declaração de inidoneidade, o que impede a sua participação em licitações públicas.
O TCU justifica que a resolução foi elaborada com objetivo de cumprir decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) de caráter vinculante, ou seja, de cumprimento obrigatório pelo tribunal.
Para o advogado André Braga, doutor em administração pública e membro do Observatório do TCU da FGV Direito de São Paulo, as novas regras “detêm nítido potencial para limitar as condenações impostas pelo tribunal”.
“A grande quantidade de decisões em que o TCU absolve gestores públicos com base na prescrição, apesar de identificada uma irregularidade, pode reforçar um cenário de impunidade na administração pública e provocar um aumento da quantidade de ilícitos”, disse Braga.
Por outro lado, segundo o especialista, o tribunal não ter regras de prescrição claras era uma anomalia e prejudicava o direito de defesa dos gestores públicos investigados, que podiam ser punidos por atos de até 30 anos antes.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, um dos casos em que a unidade técnica do tribunal usou a resolução foi o que pediu a prescrição de um processo que identificou o superfaturamento de R$ 13 milhões na obra da nova sede do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em Brasília.
A construção, que ainda não terminou, começou em 2007. O trâmite ficou parado no tribunal de maio de 2014 a março de 2020. Desde maio do ano passado, o processo aguardava parecer dos auditores sobre as alegações das construtoras responsáveis pela obra.
O TCU também aplicou, em maio deste ano, regra da prescrição a um processo classificado pela corte como relevante e de “alta materialidade”, o que analisou um contrato entre a Petrobras e a empreiteira GDK em 2005.
Neste caso, o tribunal identificou um superfaturamento de R$ 34 milhões, em valores corrigidos para este ano, além de indícios de direcionamento de licitação e falhas na elaboração de orçamentos. A obra tratava da manutenção e recuperação dos sistemas de produção de óleo e gás natural na Bahia.
A unidade técnica da corte pediu para que as contas dos responsáveis pela obra fossem declaradas irregulares e que a empresa também fosse condenada ao pagamento de multa. Procurada, a defesa da empresa que consta no processo disse que a sua atuação se esgotou em 2017.
Em sessão do dia 5 de abril deste ano, o ministro decano (mais antigo) da corte, Walton Alencar, queixou-se de que tem sido “muito grande” a quantidade de processos que já chegam prescritos em seu gabinete, antes de serem analisados. Segundo ele, o número chegaria a um terço dos casos.
“É uma situação que afeta sobremaneira processos importantes, uma vez que os gestores que fazem parte desses processos, que têm as contas analisadas, certamente seriam condenados por não prestação de contas ou desvio de recursos públicos. É uma situação altamente complexa”, afirmou Walton.
Em seguida, o ministro Vital do Rêgo pediu a palavra e disse que o mesmo acontece em seu gabinete. Walton pediu, na mesma data, para que o presidente da corte, ministro Bruno Dantas, fizesse um levantamento de processos que chegam nessas condições. Ele disse que isso seria providenciado.
Procurada, a assessoria de imprensa do tribunal disse que o levantamento ainda está em andamento e que não há prazo para que ele seja encerrado.
Já sobre as variações identificadas, a assessoria de imprensa do TCU disse que “são diferenças que ocorrem naturalmente ao longo dos anos, inclusive anteriormente à edição da resolução”.
Também afirmou que elas decorrem dos valores envolvidos nos processos submetidos à apreciação dos colegiados e acrescentou que os argumentos jurídicos que fundamentaram a elaboração e o conteúdo da resolução estão disponíveis para consulta em acórdão de um processo aberto no tribunal com este objetivo.
CONSTANÇA REZENDE / Folhapress