Ponte que liga Rússia à Crimeia é atacada de novo; Putin deixa acordo de grãos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma explosão atingiu na madrugada desta segunda (17) a ponte da Crimeia, que liga a península anexada por Vladimir Putin em 2014 à Rússia continental. Foi o segundo ataque ao local desde o início da Guerra da Ucrânia, em 2022.

Um casal morreu em um carro, a filha de 14 anos deles ficou ferida, e o tráfego foi suspenso. A ponte é o maior símbolo da absorção da Crimeia pelo Kremlin, ocorrida na esteira da derrubada do governo pró-Moscou em Kiev, assim como a guerra civil no leste do país —ambos incidentes precursores da invasão total promovida por Putin em fevereiro do ano passado.

Ela foi inaugurada em 2018 pelo presidente, que dirigiu um caminhão ao longo de seus 19 km. Além de simbólica, a ponte, que abriga ainda uma linha férrea, é estratégica, sendo a principal via de suprimento para as tropas russas na península —a alternativa é a ponte terrestre estabelecida pela ocupação do sul ucraniano, mas esta é mais longa, lenta e exposta a ataques de Kiev.

A explosão foi atribuída pelo Kremlin à Ucrânia. Em uma fala televisionada, Putin afirmou que os ucranianos cometeram “um ato terrorista” e que a resposta militar à ação estava sendo elaborada. Kiev, como de costume, não assumiu a autoria do ataque. Segundo a imprensa ucraniana, a Marinha do país e o serviço secreto usaram drones subaquáticos para tentar derrubar a estrutura.

Isso não ocorreu, mas ao menos uma das pistas foi danificada, embora algumas imagens em redes sociais sugiram um dano mais extenso. O governo da Crimeia estimou em um mês o tempo de reparo, enquanto em Moscou o prazo dado foi novembro. Quando houve o ataque, às 3h (21h de domingo em Brasília), um carro com placas da região russa de Belgorodo passava pela obra. Pai e mãe morreram, e a filha do casal está hospitalizada.

Este foi o segundo ataque à ponte desde o início da guerra. Em outubro do ano passado, uma explosão bem mais forte, mas talvez menos destrutiva, provocada por um caminhão-bomba, afetou parte da estrutura, que foi fechada e passou por reformas. O tráfego só foi totalmente normalizado em fevereiro deste ano.

Naquela ocasião, a explosão foi um grande choque para os russos, que consideravam a ponte sobre o estreito de Kertch, ligando a cidade homônima na Crimeia à região de Krasnodar, a salvo dos efeitos da guerra. O Ministério da Defesa em Kiev acabou admitindo a ação meses depois.

Putin respondeu àquele ataque dois dias depois, com o início de uma campanha para degradar a infraestrutura energética da Ucrânia. Com mísseis e drones, ele promoveu diversas ondas de bombardeios até o começo deste ano, visando deixar a população sem eletricidade ao longo do inverno.

Foi só parcialmente bem-sucedido, com momentos de apagão em toda a Ucrânia, mas ao fim a rede sempre acabava restaurada. O Kremlin segue com os ataques aéreos, mas a campanha sistemática foi abandonada.

A Crimeia é um dos alvos presumidos da contraofensiva que a Ucrânia está tendo dificuldades de fazer avançar. Iniciada em 4 de junho, a ação ainda não conseguiu romper defesas russas e isolar a península, cortando a ligação por terra com a Rússia pelas regiões de Kherson e Zaporíjia (sul). Já houve ataques com mísseis de longa distância fornecidos pelo Reino Unido a pontes no norte da península, mas sem grandes efeitos práticos.

**RÚSSIA SUSPENDE ACORDO DE GRÃOS**

Nesta segunda, Putin também confirmou que vai suspender a participação da Rússia no acordo que permitia a exportação de grãos ucranianos pelo mar Negro. O Kremlin já havia sinalizado a medida, e o porta-voz Dmitri Peskov afirmou que ela não teve nada a ver com o ataque à ponte. “O presidente Putin já havia expressado sua opinião sobre o tema”, afirmou.

Desde a semana passada, o governo russo já havia dito que deixaria o acordo, que vence na terça (18), caducar. Os russos consideram que a contrapartida à permissão para navios navegarem sem serem atacados, um acordo paralelo facilitando a exportação de seus grãos e fertilizantes, não foi implementada totalmente.

A Ucrânia e os mediadores do arranjo, a Turquia e a ONU, foram notificados. Chamada de Iniciativa de Grãos do Mar Negro, a medida permitiu que 32 milhões de toneladas de grãos ucranianos deixassem o país, devolvendo os preços internacionais do trigo aos patamares pré-guerra. A inflação global de alimentos do primeiro semestre de 2022 foi largamente creditada ao bloqueio naval na região.

O acerto foi fechado em 22 de julho do ano passado e renovado em três ocasiões. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, chegou a anunciar que Putin havia aceitado a medida na sexta-feira passada.

Peskov afirmou que a Rússia retomará o acordo “imediatamente” caso suas condições sejam satisfeitas. Já a União Europeia acusou Putin de transformar a fome em países mais pobres em uma arma de sua guerra.

“Condeno fortemente o movimento cínico da Rússia”, afirmou em um tuíte a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen. O diplomata-chefe do bloco europeu, o espanhol Josep Borrell, disse que o ato foi “algum muito sério, que criará vários problemas para muita gente em todo o mundo”. A Casa Branca e aliados como França e Alemanha pediram para que Putin reconsidere a ação.

Enquanto isso, o secretário-geral da ONU, António Guterres, que havia ajudado a mediar o acordo inicialmente, qualificou a decisão como um “golpe para pessoas necessitadas em todos os lugares”. Kiev reagiu dizendo que pretende manter o corredor naval aberto com a ajuda da Turquia, que é membro da Otan (aliança militar ocidental). Não está claro se a Rússia faria algo, militarmente, contra navios civis na região.

IGOR GIELOW / Folhapress

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