SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um relatório interno da Secretaria da Agricultura e Abastecimento de São Paulo, sob o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), apontou uma série de irregularidades em obras de restauração de estradas rurais no ano passado, durante a gestão do PSDB. Os problemas encontrados pela pasta envolvem pagamentos duplicados e feitos sem o devido trâmite legal, suspeita de superfaturamento, obras entregues com menos materiais do que o contratado e aditivos contratuais concedidos mesmo após a pasta constatar problemas.
Informações sobre a apuração interna foram publicadas inicialmente pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmadas pela Folha de S.Paulo. O documento com as suspeitas foi entregue ao TCE (Tribunal de Contas do Estado) e à CGE (Controladoria-Geral do Estado). A Promotoria do Patrimônio Público, do Ministério Público de São Paulo, abriu uma investigação do caso nesta segunda-feira (17) que envolverá seus dez promotores.
Procurado, o ex-secretário estadual de Agricultura Francisco Matturro, que chefiou a pasta de maio a dezembro de 2022, disse que dará todos esclarecimentos necessários se for procurador por órgãos públicos. Ele ressaltou que as contas da gestão Doria-Garcia já foram aprovadas pelo TCE. “Com isso, em tese se encerra a gestão, mas se surge alguma dúvida, é praxe que se solicitem informações, e nós prestaremos da forma que for necessário”, disse.
O programa Melhor Caminho tinha a meta de recuperar 5.000 quilômetros de estradas vicinais em regiões agrícolas do estado. O governo destinou mais de R$ 844 milhões em contratos para a empreitada, dos quais 54% já foram pagos. No entanto, a proporção de obras concluídas foi de 1.669 quilômetros, ou 32% do previsto.
Ao todo, os cofres paulistas pagaram R$ 49,6 milhões por obras paradas, desmobilizadas ou canceladas, segundo o relatório. Outros R$ 49,4 milhões foram pagos em aditivos contratuais que foram pagos no último mês do governo Rodrigo Garcia (PSDB) e, segundo a nova gestão, autorizados mesmo após a pasta identificar problemas nas entregas.
OBRAS CANCELADAS
Um total de R$ 77.864 foi pago por obras que acabaram canceladas, em 23 municípios diferentes. Essas obras somam 132 quilômetros de estradas que deveriam ter sido entregues, mas agora precisam de novos contratos para serem retomadas.
Entre as cidades que tiveram as maiores obras canceladas estão Pitangueiras, Mogi Mirim, Salto e Jeriquara, no interior.
Além disso, o documento relata que mais de 2.000 quilômetros em obras contratadas, que nem sequer haviam começado, tiveram ordens de serviço suspensas pela secretaria em abril deste ano. Isso ocorreu por causa de “uma série de falhas substanciais e equívocos administrativos que inviabilizaram as metas e comprometeram o resultado planejado”, diz o relatório da gestão Tarcísio.
“O desperdício de recursos públicos não se limita ao pagamento de empreiteiras de obras paradas, mas também aos dispêndios da gerenciadora obrigada a vistoriar obras que nem começaram”, diz outro trecho. “Um desperdício que fica bem evidente quando constatamos que a empresa gerenciadora já recebeu 95% do valor do seu contrato, mas 60% das obras contratadas nesse pacote não foram finalizadas, algumas, aliás, nem início tiveram.”
25 VOLTAS NA TERRA
Os problemas encontrados por técnicos da pasta não ocorreram apenas nas obras, mas também na fase de estudos e projetos. O valor dos projetos executivos das obras, pago à Planservi Engenharia, foi de R$ 5.676 por quilômetro projetado.
Na planilha de preços do contrato, a empresa cobrou pelo aluguel de dois carros para percorrer as estradas durante a fase de estudos. A previsão na tabela era que os dois veículos percorressem mais de um milhão de quilômetros.
A distância, observa o relatório, é suficiente para 25 voltas na Terra, uma vez que a circunferência da linha do Equador é de 40 mil quilômetros. As estradas rurais que estavam em estudo para restauração poderiam ser percorridas mais de 200 vezes.
A reportagem enviou email e telefonou para a Planservi em busca de um posicionamento, mas não recebeu resposta.
ADITIVOS
A nova gestão da secretaria produziu um relatório apenas sobre os aditivos contratuais, que aprovaram mais dinheiro para as empreiteiras do que previsto inicialmente. Esse procedimento é chamado de reequilíbrio econômico-financeiro, uma revisão dos preços do contrato normalmente causada por algum imprevisto.
A justificativa para os aditivos aprovados foi a Guerra da Ucrânia e a pandemia de covid-19. Os valores adicionais foram aprovados para 49 empresas. Apenas dez não receberam o reajuste.
Segundo o relatório, os contratos aditivos aumentaram os preços das obras, em média, em mais de R$ 20 mil por quilômetro. Mais de 350 obras tiveram o preço alterado, o que impactou os cofres estaduais em R$ 49,4 milhões -por outro lado, 460 obras não tiveram aditivos.
O documento ressalta que 111 obras que receberam esses valores adicionais estão inacabadas. Dessas, 59 estão paralisadas, e 25 nem sequer tinham todas as licenças obrigatórias para seu término.
PAGAMENTO IRREGULAR
A apuração interna encontrou pagamentos feitos sem que o sistema eletrônico oficial tenha sido usado registrá-los. Em vez disso, eram utilizados documentos encaminhados via email.
O relatório diz que esse procedimento é incorreto e pode ter levado a pagamentos por serviços que não ocorreram ou que foram duplicados, pagando-se o dobro pelo mesmo serviço. O documento cita casos nos municípios de Jarinu e Itajobi onde isso teria ocorrido
Pagamentos por meio desses processos irregulares chegaram a mais de R$ 300 milhões, segundo a secretaria.
O relatório também mostra que, apesar de o governo estadual ter um sistema eletrônico para acompanhar contratos (chamada de Sistema Sem Papel), havia muitos documentos sendo acompanhados de forma manual. “É importante destacar que esta desorganização compromete o controle”, diz o documento.
NÚMEROS DO RELATÓRIO
59 empresas contratadas
849 obras contratadas
R$ 738.958.846,89 licitados
R$ 49.412.439,88 de reequilíbrio econômicos-financeiro (aditivos)
Obras concluídas: 1.669 km
Obras não concluídas: 3.511 km
PROBLEMAS APONTADOS:
→ Obras terceirizadas
→ Pagamentos duplicados
→ Pagamentos irregulares
→ Material incompatível com o contratado
→ Obras com menos material do que o contratado
→ Ordem de serviço emitida sem licenças para execução de obras
TULIO KRUSE / Folhapress