A nova diretiva de direitos autorais aprovada pelo parlamento europeu tem até 2 anos para ser repassada como lei nacional pelos estados membros da União Européia. Cada país deve se adequar ao novo pacote de medidas nesse período. Desde o segundo semestre de 2018, a discussão do projeto gerou bastante polêmica na internet, único alvo da regulamentação. O tom alarmista foi difundido pelos próprios Google e Youtube, diretamente afetados. O Youtube chegou a pedir a união dos canais do mundo todo no combate ao pacote. Até protestos físicos, com manifestantes nas ruas, foram realizados em países da Europa, mas em janeiro a diretiva foi aprovada com pequenas alterações. Simplificando, a modernização do copyright online transfere a responsabilidade sobre qualquer conteúdo que infrinja direitos autorais para as plataformas que os abrigam.
Um exemplo real dessa relação é a seguinte situação: fiz uma música usando um sample (um recorte de alguns segundos) de uma canção da Elza Soares. O Youtube tem dispositivos de rastreamento que já bloqueiam conteúdos que infringem direitos autorais pouco tempo depois da postagem mas os filtros não são tão precisos. Eu mesmo entrei em contato com a produção dela e enviei o material pois queria a liberação e alguém de lá acabou pedindo o bloqueio da música nas plataformas de streaming. A minha relação foi direto com a artista. Com as novas regras, o Youtube pode ser responsabilizado judicialmente por infrações em direitos autorais quando os autores do conteúdo se sentirem prejudicados. A consequência disso é a necessidade de um avanço no sistema de rastreamento da plataforma para evitar qualquer responsabilidade. Com mais filtros, menos material sobrevive. Inicialmente, a posição do Youtube era a de que o serviço poderia fechar em países da Europa. Se uma camiseta de uma banda fosse usada num vídeo ou um boneco de super-herói estivesse no estúdio as empresas detentoras dos direitos poderiam processar o próprio Youtube e isso seria o fim da internet como a conhecemos hoje. O outro ponto é referente ao compartilhamento de conteúdo para fins comerciais. Uma página de Facebook com grande quantidade de seguidores que compartilha notícias com trechos do material e os respectivos links, pode ter que pagar aos autores por compartilhamento. Se uma página dessas compartilha um link do Grupo Thathi de Comunicação, por exemplo, uma quantia deve ser paga ao Grupo. Tal regra surgiu na Espanha em 2014 e pouco depois o Google News, serviço que se dedica ao compartilhamento de notícias, foi fechado no país. Essa regulamentação, segundo os mais alarmistas, pode ceifar a liberdade de expressão e representar um duro golpe da indústria fonográfica e dos grandes grupos de comunicação em cima dos criadores de conteúdo que hoje acumulam milhões de inscritos e visualizações e assombram as noites de sono dos executivos desse setor.
Agora, a plataforma mantém um recado no ar para os criadores de conteúdo que diz, entre outras coisas, o seguinte: “(…) O Parlamento Europeu aprovou a Diretiva de Direitos Autorais da UE. (…) Houve melhorias na versão final em comparação com a anterior, mas ela ainda é preocupante. A Diretiva de Direitos Autorais da UE ainda pode ter consequências não intencionais que prejudicarão a economia criativa e digital da Europa. Estamos concluindo uma análise para entender as implicações da Diretiva para todos os parceiros, incluindo criadores de conteúdo, artistas, detentores de direitos autorais e usuários. Em uma Diretiva da UE, cada estado membro precisa estabelecer as próprias leis para implementar a Diretiva, o que acontecerá nos próximos dois anos. (..) Apoiaremos a implementação mas trabalharemos em conjunto com os estados membros para defender a incorporação de modelos de licença e responsabilidade justos, que possibilitem a expressão dos criadores de conteúdo e a economia digital.”
Nota oficial do Youtube: https://www.youtube.com/intl/pt-BR/saveyourinternet/
Do lado de lá dessa batalha de gigantes, a federação internacional da industria fonográfica, que representa as gravadoras no mundo todo, agora comemora. Grandes artistas como Paul McCartney e o DJ David Guetta declararam ser favoráveis aos novos rumos do copyright. Os adeptos de uma moda mais recente do Youtube, os REACTS – vídeos em que o youtuber assiste um clipe ou qualquer outra produção enquanto grava as próprias reações – devem deixar de existir. O problema, para as companhias e os famosos que são a favor, está no lucro que estes canais e o próprio Youtube ganham por visualizações em cima do trabalho produzido e licenciado por eles. Justo. Por outro lado, sabemos que as emissoras de TV ao redor do mundo não são tão esmiuçadas por nenhum dispositivo “caçador de upload”. Algumas reportagens usam trilhas sonoras, trechos de documentários e também reagem a conteúdo criado por artistas, jornalistas e outros sem um filtro rígido e, muitas vezes, sem pagamento aos autores. Mais uma questão que merece ser lembrada é o fato de que todas as restrições vão, inevitavelmente, reduzir o fluxo de acessos e compartilhamentos de todo esse conteúdo, de todas as partes envolvidas, inclusive os que comemoram. Com menos REACTS, por exemplo, um público menor deve conhecer as canções abordadas neste tipo de material. Com menos compartilhamento das notícias, menos cliques chegarão até os sites.
FIM DO YOUTUBE E DO CANAL NOSTALGIA
Youtubers afetados
Um canal grande que já foi bastante atingido pelas políticas do próprio Youtube é o Canal Nostalgia que tem mais de 12 milhões de inscritos, cria vídeos com conteúdo histórico, científico e educacional e já teve inúmeras postagens censuradas ou com a monetização revertida para outras empresas por pequenos trechos que ilustram os assuntos abordados como as guerras mundiais, as crises econômicas e as biografias de vários artistas da música pop. Nos últimos 5 meses, apenas um vídeo foi postado pelo canal depois de muito trabalho perdido. Felipe Neto, que é o 6º maior youtuber do mundo em número de inscritos, com mais de 34 milhões(!) também fez sua campanha contra o avanço das novas regras. Para ele, “estão matando a criação de conteúdo na internet.” Para o youtuber de Ribeirão Preto, Gabriel Pugliani, do Canal NB, o grande medo era o Youtube tomar uma atitude que prejudicasse os usuários mas “até o momento isso não acontece. Ao mesmo tempo que a regulamentação foi aprovada, ninguém está sendo proibido de postar conteúdo. Mas, não sabemos de fato como vai acontecer no Brasil. Hoje, pode ser que um vídeo feito aqui não apareça para os usuários de Portugal por já estar bloqueado na União Europeia.” Só resta esperar os próximos capítulos. O Youtube promete acompanhar a implementação da legislação em cada país da UE e normas específicas e efeitos amplos ainda imprevisíveis serão sentidos. O fato é que, desde o surgimento da internet, passando pela queda do Napster, em 2002, a internet tem sido transformada numa terra mais regulamentada que a comunicação “offline”. Aguardemos.