SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O volume de recursos usados em financiamentos imobiliários com dinheiro das cadernetas de poupança caiu 28,3% em maio deste ano, na comparação com o mesmo mês do ano passado, e compradores já relatam dificuldades para obter financiamento pelo SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), linha abastecida pela caderneta de poupança.
Os números são da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) e mostram o grau de impacto sofrido pelos juros em alta e a consequente saída de recursos da poupança.
No acumulado de 2023, o recuo no financiamento é de 9% (na comparação com o mesmo período de um ano antes). Considerando os doze meses terminados em maio deste ano, a queda é de 12,5% (contra um ano antes).
A caderneta de poupança registrou neste ano cinco meses de saques recordes.
Para Marcelo Augusto Luz, direto jurídico da ANMM (Associação Nacional dos Mutuários), a “situação é grave” e requer atenção do governo federal ao gerenciamento dos recursos.
A Caixa admite que houve, de fato, um problema com os recursos para financiamento imobiliário, mas diz que ele já foi resolvido com remanejamentos.
“Tem uma expectativa de crédito a ser feita no ano. A gente está fazendo 68% do crédito imobiliário como um todo, e o funding tem uma limitação. Fizemos um esforço de ampliar esse montante do SBPE. Já no final de junho a gente conseguiu liberar bastante”, diz Marcos Brasiliano Rosa, vice-presidente de Finanças e Controladoria da Caixa.
“A gente conseguiu antecipar uma parte orçamentária e aliviar essa pressão que estava tendo nas agências”, acrescenta ele, sem divulgar valores.
O alívio, porém, não está sendo sentido por compradores. O analista de sistemas EAN (que pediu para não ser identificado) aguarda desde maio a liberação de R$ 460 mil pela Caixa para concluir a compra de um apartamento no Rio de Janeiro pelo SPBE. “Os adquirentes estão tendo a vistoria do imóvel ok, a proposta aprovada e, na hora de assinar o contrato, o processo é congelado sem data de previsão por falta de verba na Caixa”, afirma.
Ele diz que, toda semana, telefona para a gerente do banco. “Ela diz que não foi liberada a verba. A parte burocrática de documentação está aprovada, eu já paguei a entrada ao vendedor, só falta a parte da Caixa”, diz.
Um dos motivos pode ser a espera por um possível corte de juros na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, em agosto.
A taxa Selic em alto patamar, a 13,75%, eleva os custos de captação de recursos, tornando os empréstimos mais caros para os bancos e, consequentemente, para os mutuários.
No caso da Caixa, os recursos para o SBPE são obtidos por meio dos depósitos de poupança remunerados pela TR (Taxa Referencial) mais um percentual da taxa Selic, conforme regras estabelecidas pelo governo.
Economistas projetam um corte de 0,25 ponto percentual na Selic na próxima reunião do Copom, marcada para 2 de agosto.
Enquanto o corte do órgão monetário não ocorre, as reservas exclusivas para a linha SBPE estão sendo avaliadas pela Caixa antes da liberação.
“Essa política de juro alto prejudica de sobremaneira, em especial, a Caixa e os bancos públicos. Porque podíamos aproveitar a onda do juro alto e investir em recursos de tesouraria, mas ao contrário, nós estamos investindo em crédito”, afirma Maria Rita Serrano, presidente do banco estatal.
O banco federal é responsável por 67% dos financiamentos da casa própria no Brasil. No primeiro semestre deste ano, a Caixa financiou 328,8 mil unidades habitacionais para mais de 1,3 milhão de famílias. No total, segundo nota da instituição, foram contratados R$ 85,4 bilhões, um crescimento de 15,6% em relação ao mesmo período de 2022.
Em maio, a Caixa lançou uma campanha para estimular o investimento na poupança. A aplicação apresenta um dos menores rendimentos dentro da renda fixa com a Selic em 13,75% ao ano.
“Com a taxa de juros altíssima, estamos tendo perdas na poupança. E, ao perder recursos em poupança, tornamos o investimento em habitação mais caro, já que temos que ir atrás de outros fundings mais caros para continuar financiando a habitação”, afirmou Serrano, na ocasião.
O mercado imobiliário residencial é dividido em dois segmentos de renda. Enquanto o de renda mais baixa depende principalmente de subsídios do governo e de financiamento dos FGTS, o de renda mais alta tem como fonte de recursos a poupança e as LCIs (Letra de Crédito Imobiliário).
Com a Selic em 13,75%, fica mais difícil captar recursos para o segmento de alta renda já que a poupança fica ainda menos atrativa frente a outras opções de rendimento, inclusive de renda fixa. Com poucos recursos para o financiamento, a política habitacional fica mais restrita.
A poupança acumula uma saída líquida de R$ 57 bilhões neste ano e o número de operações baseadas nessas aplicações caiu 25% entre janeiro e maio deste ano na comparação com o mesmo período de 2022.
A situação leva a um maior uso dos recursos oriundos das LCIs, que pagam um juro mais alto -geralmente, próximo à Selic. Isso leva a um encarecimento do financiamento e, por consequência, um aumento da inadimplência. Os bancos, por sua vez, se tornam mais seletivos e concedem menos financiamentos imobiliários.
Na Caixa, especificamente, representantes do setor imobiliário relatam uma espécie de operação “tartaruga” diante da maior restrição de recursos. A espera acaba fazendo o cliente procurar como alternativa outros bancos, que tradicionalmente são mais demorados no fechamento do negócio e têm taxas de juros menos atrativas, em torno dos 10%.
Uma opção aos compradores pela Caixa pode ser a linha pró-cotista (Programa Especial de Crédito Habitacional ao Cotista do FGTS).
A modalidade é usada para o financiamento de imóveis acima de R$ 500 mil por trabalhadores titulares de contas vinculadas ao FGTS (fundo de garantia) e permite financiar até 80% do valor de avaliação do imóvel. Suas taxas de juros só não são mais baratas do que as praticadas pelo banco no programa Minha Casa, Minha Vida.
Para imóveis até R$ 350 mil, a taxa é de de 7,66% ao ano; para imóveis acima de R$ 350 mil, é de 8,16% ao ano.
No mês passado, o governo Lula anunciou a intenção de destinar, no mínimo, R$ 2,010 bilhões para a pró-cotista. Este teto era de R$ 600 milhões.
Na modalidade pró-cotista não há limite de renda familiar. O parcelamento mínimo é de 60 meses (5 anos), e pode chegar a 240 meses (20 anos) na tabela Price ou a 360 meses (30 anos) no sistema SAC (Sistema de Amortização Constante).
Pela tabela Price, as prestações serão sempre iguais, mas serão compostas por mais juros. Já pelo SAC as parcelas são mais caras no início e mais baratas no final, por causa da diminuição progressiva dos juros.
ANA PAULA BRANCO, LUCAS MARCHESINI E NATHALIA GARCIA / Folhapress