Invasão de embaixada da Suécia no Iraque contra queima de Alcorão gera crise

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Iraque expulsou nesta quinta (20) a embaixadora da Suécia no país em reação à autorização concedida pela polícia sueca para um protesto que envolvia queimar o Alcorão, livro sagrado do islã.

A medida sucede a invasão da embaixada do país escandinavo em Bagdá por centenas de manifestantes na madrugada, noite de quarta em Brasília, e indica uma possível ruptura diplomática entre as nações.

Ato contínuo, o governo iraquiano convocou seu encarregado de negócios em Estocolmo e proibiu a sueca Ericsson, fabricante de equipamentos de telecomunicações, de operar em seu território.

No centro da controvérsia está a decisão da polícia sueca de permitir a realização de manifestações que envolvam atear fogo no Alcorão sob o argumento da liberdade de expressão. A força de segurança afirma que a autorização é concedida para o evento em si, não para as atividades que ele envolve.

Seja como for, uma manifestação perto da principal mesquita de Estocolmo, no final de junho, terminou com um refugiado iraquiano queimando o texto religioso. Apesar das reações, novas licenças a protestos semelhantes foram concedidas, como para o ato marcado para esta quinta, em frente à embaixada iraquiana, que segundo os organizadores seria palco da queima de uma bandeira do Iraque.

O mero anúncio da manifestação foi o suficiente para que milhares de pessoas invadissem a embaixada sueca em Bagdá e ateassem fogo na representação diplomática. Vídeos postados no aplicativo Telegram exibem uma multidão reunida nos arredores do edifício e bradando “sim, sim ao Alcorão”. Outras imagens mostram fumaça saindo do local. Nenhuma delas pôde ser checada de forma independente.

O chanceler sueco, Tobias Billstrom, afirmou que nenhum funcionário da embaixada ficou ferido após o ataque —não está claro, porém, se havia alguém no prédio no momento da invasão. Ele ainda criticou Bagdá, que teria “falhado em seu dever” de proteger o edifício da representação diplomática, como previsto pela Convenção de Viena.

Os EUA declararam por meio do porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, que era “inaceitável que as forças de segurança iraquianas não tenham agido de modo a impedir que manifestantes invadissem a área da embaixada”. “Liberdade para se manifestar pacificamente é um pilar essencial da democracia, mas o que houve na noite passada foi um ato ilegal de violência.”

O governo iraquiano a princípio condenou o ataque. Em comunicado, o premiê do país, Mohammed Shia Al-Sudani, admitiu que houve uma falha de segurança grave e prometeu proteger as missões diplomáticas no território. Ele também determinou que aqueles acusados de incendiar a embaixada, detidos durante a madrugada, seriam encaminhados à Justiça e afirmou que agentes de segurança que trabalhavam no local seriam alvo de investigação por suspeita de negligência.

Ao mesmo tempo, porém, Bagdá informou Estocolmo que qualquer novo ato que envolvesse a queima do Alcorão em solo sueco resultaria na ruptura das relações diplomáticas entre os países.

A decisão de convocar o encarregado de negócios iraquiano na nação escandinava se deu em um momento em que o protesto local ainda não havia terminado —ao final, os manifestantes chutaram e destruíram uma cópia do que disseram ser o Alcorão, mas não atearam fogo no livro. Em paralelo, o Iraque enviou uma carta para a embaixadora sueca, Jessica Svärdström, pedindo que ela deixasse o país.

Os organizadores do ataque à embaixada apoiam o clérigo xiita Moqtada al-Sadr, um dos nomes mais influentes da política iraquiana. O religioso, que também inspirou uma invasão do Parlamento que deixou 125 feridos há um ano, já havia incentivado um ato contra os suecos na primeira vez em que o Alcorão foi destruído. Na ocasião, manifestantes invadiram a área da embaixada e cercaram o prédio.

Al-Sadr afirmou nesta quinta que a Suécia estava “cruzando a linha da diplomacia e das normas políticas” ao consentir com o incêndio da bandeira nacional. “Vou esperar uma resposta oficial firme antes de agir, mas entendo que, se a bandeira do Iraque for realmente queimada, o governo não deveria se contentar em condenar e denunciar [o ato], uma vez que isso demonstra fraqueza e subserviência”, escreveu ele no Twitter, de acordo com a agência estatal do país, a INA.

Além do Iraque, diversos países majoritariamente muçulmanos, como os Emirados Árabes Unidos, a Jordânia e o Marrocos, também haviam criticado a decisão sobre protestos envolvendo o Alcorão. Já o regime da Arábia Saudita entregou nesta quinta-feira uma carta de protesto ao encarregado de negócios sueco.

Ainda assim, o principal imbróglio parecia estar na Turquia, que, como membro da Otan, a aliança militar do Ocidente, vinha travando o pedido de entrada da Suécia no grupo até que, no último dia 10, afirmou que enfim aprovaria a demanda em seu Parlamento.

Os atos mobilizaram ainda grupos extremistas. Sayyed Nasrallah, líder da organização xiita Hezbollah, pediu às nações árabes e islâmicas que repitam as movimentações diplomáticas do Iraque e expulsem os embaixadores suecos. Ele também instou os muçulmanos a comparecerem em massa às orações desta sexta (21) e sugeriu aos fiéis que se sentem em frente às mesquitas enquanto “abraçam o Alcorão”.

Analistas dizem que os atos no Iraque contra as representações da Suécia enfraquecem o premiê Al-Sudani, que estabeleceu boas relações diplomáticas com líderes de países ocidentais, incluindo os EUA. Ao mesmo tempo, evidenciam a influência do clérigo Moqtada al-Sadr sobre parte da população, mesmo após o líder dizer em agosto do ano passado que havia deixado a política tradicional.

“Sadr está reafirmando seu poder e alertando rivais de que ele ainda é forte. O afastamento da política não significa, necessariamente, que seu controle [sobre a população] tenha sido afrouxado”, disse Ahmed Younis, analista que mora em Bagdá e especialista em grupos armados iraquianos. “Ele ainda consegue usar sua arma contra rivais –que é a capacidade de mover a base popular e empurrá-los para a rua.”

Diplomatas alertam que um eventual retorno de Sadr à política pode desestabilizar ainda mais a diplomacia regional. Ele foi o único líder xiita iraquiano que desafiou tanto o Irã quanto os Estados Unidos, em movimentos que angariaram o apoio de parte da população que não se vê beneficiada pelos laços estabelecidos com sucessivos governos de Teerã ou de Washington.

Redação / Folhapress

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