BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um atrito interno no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) chegou até a PGR (Procuradoria-Geral da República) por meio de uma reclamação sobre os processos contra o juiz afastado Marcelo Bretas, que conduzia as ações da Lava Jato do Rio de Janeiro.
Em um ofício apresentado ao procurador-geral, Augusto Aras, o conselheiro Mário Goulart Maia, relator dos processos contra Bretas, se queixou que a demora em obter alguns documentos estava “atrasando o andamento dos processos”.
Maia é relator das ações contra Bretas três processos administrativos disciplinares, que foram abertas em fevereiro para investigar supostas irregularidades na atuação dele nos casos no Rio. Os processos tramitam em sigilo.
O pano de fundo da afirmação de Maia à PGR está em uma insatisfação do conselheiro com o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, também integrante do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Maia, que é filho do ministro aposentado do STJ Napoleão Maia, foi indicado para o CNJ pela Câmara dos Deputados e tem mandato que acaba em setembro.
Ele poderia ser reconduzido por mais dois anos, mas acabou desistindo de concorrer.
Em uma mensagem distribuída a aliados que chegou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Maia anunciou sua desistência e disse que havia um veto de Salomão ao seu nome.
No fim de junho, ele mandou um ofício à PGR sobre os processos de Bretas, ao qual a reportagem teve acesso.
Maia diz a Aras que, ao se tornar relator dos processos contra o juiz afastado, pediu uma manifestação inicial do Ministério Público sobre os casos.
O Ministério Público respondeu ao conselheiro que, para se manifestar, precisaria da cópia de uma correição feita pelo CNJ no Rio em 2022 e de um processo do Rio que foi compartilhado com a Corregedoria.
Em 27 de abril, Maia solicitou essas informações à Corregedoria, “com o fito de conferir um bom andamento aos feitos disciplinares”. Na ocasião, não recebeu resposta.
Ele reiterou o pedido em 1º de junho. No dia 17 do mesmo mês, Salomão respondeu que havia “impossibilidade em atender a esta solicitação”.
“É que os autos trazem documentos e referências a colaboração premiada compartilhada pelo Supremo Tribunal Federal sob sigilo”, afirmou. “Razão pela qual fica impossibilitado o acesso solicitado, podendo tal demanda, no entanto, ser formulada ao eminente relator na Suprema Corte, se for o caso.”
Maia relata a resposta do corregedor no ofício a Aras e diz: “Como se verifica, a impossibilidade em enviar os documentos está atrasando o andamento dos processos”. “Esse ofício tem como objetivo levar ao conhecimento de Vossa Excelência o andamento dos processos e as medidas até então adotadas.”
Como o Judiciário está em recesso no mês de julho e Maia deixa o CNJ em setembro, é improvável que o processo seja concluído por ele e ficará para quem sucedê-lo.
Interlocutores de Salomão têm dito que sua resposta ao conselheiro veio em um prazo adequado, após ele verificar se havia possibilidade de compartilhar as informações. Também dizem que ele não tem questões pessoais contra Maia e que nunca tomaria decisões em processos administrativos para interferir na atuação de um colega.
Procurados, ambos os conselheiros não se manifestaram.
Não é a primeira vez que Maia faz ressalvas em relação ao corregedor. O conselheiro já vinha manifestando descontentamento sobre julgamentos relacionados ao tema da saúde.
Maia tem um filho autista e faz constantes críticas a esse tipo de decisão e também aos planos de saúde.
Salomão foi relator no STJ do julgamento do rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos no documento. A lista da ANS estabelece a cobertura assistencial mínima a ser garantida pelos planos privados.
Ele também se manifestou a favor no CNJ do chamado “e-NatJus”, um sistema que fornece informações técnicas sobre a concessão de medicamentos solicitados à Justiça.
Maia achava que poderia haver conflitos de interesses e falta de transparência sobre os médicos que assinavam as informações, mas acabou derrotado no conselho.
Presidido pela ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), o CNJ é composto por 15 conselheiros e tem como atribuição atuar no controle e transparência do Judiciário, além de julgar processos disciplinares e reclamações contra membros da Justiça de todo o país.
Por 12 votos a 3, os conselheiros determinaram o afastamento de Bretas até a conclusão das investigações. Não foram analisados os casos que o magistrado julgou, apenas a conduta dele como juiz criminal.
Os conselheiros analisaram em conjunto três reclamações feitas contra Bretas. Duas têm como origem delações premiadas de advogados que relataram supostas negociações irregulares do magistrado na condução dos processos.
A terceira se refere a uma queixa do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), de suposta atuação política na eleição de 2018 em favor do ex-juiz Wilson Witzel, vitorioso daquela disputa e afastado dois anos depois do governo do estado.
Para a vaga no CNJ na indicação da Câmara, a única candidata é Daiane Nogueira de Lira, chefe de gabinete do ministro do Supremo Dias Toffoli.
Caso aprovada, ela terá um mandato de dois anos, podendo ser reconduzida a mais dois.
JOSÉ MARQUES / Folhapress