Fazenda e Cade divergem sobre novas regras para viagem de ônibus interestadual

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Fazenda criticou um entendimento do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) sobre a regulação do mercado de transporte interestadual de passageiros. A pasta aponta que a posição do órgão que deve promover a concorrência no Brasil acaba, na verdade, prejudicando a competição no setor.

O terreno da disputa entre o ministério comandado por Fernando Haddad (PT) e a autoridade antitruste é uma audiência pública da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

A agência precisa regulamentar uma mudança legal sobre o processo de autorização para novas linhas interestaduais de transporte de passageiro. A alteração legislativa criou a obrigação de se comprovar a existência de capacidade econômica e financeira para a liberação.

A dúvida está em quem ou o quê, exatamente, precisa ter tal capacidade. O Cade defende que seja considerada a capacidade da linha. Na prática, isso significa que o poder público definiria um número máximo de empresas operando o serviço a cada trecho.

“A livre competição do mercado e a livre concorrência não configuram uma política pública irrestrita, tendo em vista o risco de o serviço ser prestado com ofensa aos princípios […] da regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade (universalidade), cortesia na prestação e modicidade das tarifas”, aponta ofício do Cade de 26 de abril deste ano.

Para o Cade, “delegar uma linha para um grande número de operadores pode levar a problemas de oferta e demanda, prejudicando a qualidade e a segurança do serviço prestado aos usuários”. “O excesso de oferta pode inviabilizar a prestação do serviço”, acrescenta.

Já a Fazenda entende que a avaliação da capacidade deve ser aplicada à empresa que quiser realizar o serviço. Nesse caso, se a companhia cumprir certos requisitos, pode oferecer a linha. Para a pasta, a posição do Cade é uma “forma de criar barreira à entrada”, que “pode gerar falhas de governo com prejuízos significativos aos usuários do serviço público que se pretende proteger”.

A pasta entende que a correção das falhas temidas pelo Cade pode ser feita na fiscalização da ANTT a partir de fatos concretos de falhas de mercado.

“Se houver imposição de barreiras à entrada para novos competidores no mercado, presume-se que a concorrência é restringida, podendo gerar situações de monopólio ou oligopólio”, conclui a Fazenda. A posição do ministério é posterior à do Cade e foi assinada em 4 de julho deste ano. A autarquia não respondeu aos questionamentos.

A posição do Cade é assinada pelo superintendente-geral do órgão, Alexandre Barreto. Não há a assinatura de outros técnicos no ofício enviado à ANTT. O superintendente é indicado pelo governo federal e Barreto foi escolhido para o posto pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na estrutura da autoridade concorrencial, a Superintendência-Geral funciona como uma primeira instância administrativa. Acima dela está o Tribunal Administrativo, composto pelo presidente e pelos conselheiros. De acordo com informações colhidas pela Folha, o assunto não foi discutido com o colegiado.

O Cade tem uma estrutura interna de assessoramento, o DEE (Departamento de Estudos Econômicos). Um ofício chegou a solicitar uma posição do DEE, mas Barreto não esperou o estudo para emitir a posição do Cade.

Já a posição da Fazenda é assinada pelo especialista em regulação, Mauro Sanjad, pela subsecretária de Regulação e Concorrência, Ana Patrizia Lira, e pelo secretário de Reformas Econômicas, Marcos Pinto.

A audiência pública da ANTT foi criada no ano passado e reaberta em 7 de julho deste ano após decisão do TCU (Tribunal de Contas da União). Ela se encerra em 12 de agosto deste ano.

Em 1º de agosto, a agência reguladora vai realizar uma sessão de audiência pública em sua sede, em Brasília.

O setor de transporte interestadual de passageiros tem batalhas intensas de diferentes lobbies. De um lado há as empresas tradicionais do setor. Do outro, novas entrantes como FlixBus e Buser.

LUCAS MARCHESINI / Folhapress

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