SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) avalia extinguir a Secretaria de Negócios Internacionais, cujo titular Lucas Ferraz foi alvo de uma polêmica envolvendo a estatal ucraniana Antonov em abril. O caso gerou mal-estar entre o Palácio dos Bandeirantes e o governo Lula (PT).
Auxiliares do governador afirmam nos bastidores que uma avaliação será apresentada a Tarcísio para que ele decida se extingue, incorpora ou mantém a pasta. O governo está repensando o organograma do estado depois de identificar sobreposição de algumas funções, como a atração de investimentos estrangeiros.
Parte dos secretários descarta haver relação entre a possível extinção da secretaria e o caso Antonov, que veem como superado. Alguns, no entanto, afirmam que o episódio prejudicou a relação entre Tarcísio e o titular.
Já aliados de Ferraz defendem a existência da secretaria e dizem não terem sido avisados sobre qualquer intenção de mudança. A pasta mantém agenda própria, além de uma série de projetos em andamento e com inaugurações próximas.
O imbróglio começou quando a secretaria afirmou em nota que a empresa fabricante de aeronaves havia manifestado o interesse de investir US$ 50 bilhões no estado, mas teria desistido após declarações de Lula a respeito da guerra com a Rússia.
O tema chegou a ser assunto de um telefonema em abril entre o presidente e Tarcísio, em que o petista disse ter ficado chateado.
Na época, o secretário acabou sendo poupado de uma demissão que segundo integrantes do governo poderia parecer uma concessão ao governo federal. Tarcísio chegou a sondar o ex-presidente do Banco dos Brics Marcos Toyjo para o posto, mas não houve acordo.
Em 19 de maio, poucos dias após o caso, o então secretário-executivo da pasta, Affonso Massot, foi exonerado. Uma assessora de imprensa que atuava no órgão foi realocada.
No entanto, ainda há insatisfação com Ferraz da parte de alguns secretários e do próprio governador. Depois do episódio, o secretário acabou ficando de fora de algumas reuniões de Tarcísio com empresários e governantes estrangeiros, como na visita do presidente da Finlândia, no mês passado.
Integrantes do governo veem redundância nas tarefas de Ferraz e de outras instituições de atuação semelhante, como a Secretaria de Parcerias em Investimentos, de Rafael Benini, e a InvestSP, de Rui Gomes. A opinião é de que a secretaria perdeu a razão de existir num modelo descentralizado de gestão.
Ainda nos bastidores, a leitura é a de que a InvestSP desempenha melhor o papel de atrair investimentos e fechar negócios, enquanto a pasta de Ferraz faria mais uma representação diplomática com outros países.
Defensores do secretário afirmam que as funções são distintas, como no caso da Apex e do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Somente a secretaria, dizem, formula políticas públicas de incentivo ao comércio exterior.
Engenheiro químico com pós-graduação na USP e doutorado em economia pela FGV, Ferraz era secretário de Comércio Exterior no ministério comandado por Paulo Guedes no governo Jair Bolsonaro (PL).
Outro ponto levantado por auxiliares do governador é a resistência do setor industrial brasileiro a Ferraz, já que ele, no Ministério da Economia, teve uma postura totalmente liberal e de incentivo ao livre mercado, o que prejudica a produção nacional na visão de alguns empresários.
De acordo com auxiliares de Tarcísio, a percepção no governo sobre o trabalho da secretaria já não era boa mesmo antes do caso Antonov, e a extinção ou incorporação da pasta era algo que vinha sendo cogitado há mais tempo.
Um exemplo do descontentamento com Ferraz, ainda segundo interlocutores de Tarcísio, foi a realização de roadshows no exterior, quando o governo apresenta seus programas para investidores e grupos financeiros internacionais.
Em março, Ferraz foi o responsável por preparar o roteiro do governador no giro pela Europa e acompanhá-lo na viagem. Já em maio, no roadshow em Nova York, Tarcísio escalou Rui Gomes para a missão, pois não estava contente com o trabalho de Ferraz. O governador considerou as agendas na Europa muito institucionais.
Interlocutores de Tarcísio dizem que a confusão com a Antonov deixou o governador desapontado. Apesar de não ter demitido o secretário imediatamente numa tentativa de abafar a crise, ele não escondeu sua desaprovação.
Em entrevista à GloboNews, em 2 de maio, Tarcísio criticou abertamente o auxiliar.
“Não sei como essas coisas nascem, sinceramente. […] Se um advogado que diz representar uma empresa me manda um e-mail dizendo que quer investir US$ 50 bilhões, esse e-mail dele vai direto para a lixeira. Quem é que vai chegar aqui: Ah, vou investir US$ 50 bilhões? […] Não tem nem pé nem cabeça”, disse.
“Outra coisa: vou trazer pra cá uma empresa para concorrer com a Embraer? E de repente uma bobagem dessa [ ] ganha uma dimensão, uma importância e vai para a imprensa. Não faz o menor sentido. [ ] Eu fiquei sabendo quando a confusão estava formada”, completou.
Ao ser questionado sobre a demissão de Ferraz, respondeu que “essa é uma questão que compete a nós” e admitiu avaliar a secretaria.
“A gente criou uma Secretaria de Negócios Internacionais para ser mais agressivo do ponto de vista de captação de investimento. É preciso avaliar a efetividade desse mecanismo. Mas é uma questão interna do governo, que a gente não vai decidir agora”, afirmou.
Para aliados de Ferraz, não faz sentido que uma avaliação de Tarcísio perdure por meses. Eles veem como intriga o suposto plano de extinguir a secretaria.
Alguns colegas de Ferraz no governo afirmam que ele é competente, mas não tem o perfil que Tarcísio deseja. Além disso, se envolveu em uma sequência de erros e criou um problema que o palácio não precisava. A dimensão política do episódio foi o que complicou sua situação.
O caso eclodiu após reportagem da CNN Brasil afirmar que a Antonov deixou de investir US$ 50 bilhões no Brasil devido a declarações de Lula que relativizam a responsabilidade da Rússia na guerra e que são vistas como simpáticas a Moscou.
A emissora publicou uma nota da Secretaria de Negócios Internacionais na qual a pasta afirma ter recebido representantes da Antonov para tratar do tema.
A estatal ucraniana, porém, contestou a informação e declarou não ter representantes no Brasil, o que levou ministros de Lula a acusarem o governo paulista de espalhar informação falsa para prejudicar a gestão federal.
Depois, um diretor da Antonov confirmou à CNN a existência de uma negociação preliminar com o Governo de São Paulo. Interlocutores de Ferraz afirmam que ele jamais criaria fake news e tem perfil técnico.
Dizem ainda que o valor de US$ 50 bilhões não foi mencionado na reunião com representantes da Antonov e que o governo não demonstrou interesse no negócio e só continuaria as conversas se membros do alto escalão da empresa se envolvessem.
CAROLINA LINHARES / Folhapress