Cesta básica da Reforma Tributária não diferencia rico de pobre, dizem analistas

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Prevista na Reforma Tributária aprovada na Câmara dos Deputados, a criação de uma cesta básica nacional com tributação zerada é alvo de críticas de uma parcela dos analistas por sinalizar o mesmo tratamento a ricos e pobres, desonerando os produtos, e não os consumidores com menor renda.

Além disso, a definição dos alimentos que devem entrar ou não na lista é incerta até o momento. A composição da cesta só deve ser fixada posteriormente, por meio de lei complementar, o que é visto como um desafio para as discussões mais à frente.

“Se você estabelece a isenção para carne, por exemplo, aquela que é consumida pelos mais pobres e aquela que é consumida pelos mais ricos não serão tributadas. Isso faz o governo perder muito dinheiro que poderia ser alocado exclusivamente para os mais pobres”, diz o pesquisador Leonel Pessôa, do núcleo de estudos fiscais da FGV Direito SP.

“Se a laranja for isenta de imposto, pode surgir outra questão: o suco de laranja também será isento ou não? São situações que ficam em uma zona de limite. Você não sabe se elas se encaixam ou não naquilo que a norma está isentando”, diz.

Na versão anterior da reforma, as mercadorias da cesta básica teriam uma tributação equivalente a 50% da alíquota geral a ser aplicada sobre bens e serviços no Brasil –esse percentual também não foi definido ainda.

Como contrapartida, estava em análise a devolução de parte da arrecadação para os consumidores na forma de cashback. A intenção seria transferir uma parcela maior para os mais pobres.

A ideia, contudo, esbarrou no temor de aumento na carga tributária na comparação com o quadro atual —preocupação que era negada pelo governo.

Atualmente, produtos da cesta básica já contam com desonerações de impostos federais e têm diferentes regimes nos estados, que podem zerar ou reduzir as alíquotas de ICMS.

Após a pressão, o texto teve alterações e passou a prever a cesta básica nacional zerada. A reforma foi encaminhada para apreciação do Senado e ainda está sujeita a novas alterações.

Para Pessôa, o modelo mais adequado seria o de cashback. Nesse sentido, o pesquisador cita o exemplo do Rio Grande do Sul, que já adota um sistema de devolução de imposto.

A Reforma Tributária ainda prevê o cashback para diferentes itens, mas os detalhes precisam ser definidos. No caso da cesta básica, como a previsão é de alíquotas zeradas, a devolução perderia sua razão de ser, por não ter um tributo a ser restituído, segundo especialistas.

A ideia da cesta básica surgiu no país por meio de um decreto em 1938, na era Getúlio Vargas. Com o passar do tempo, a composição da lista de mercadorias passou por mudanças de estado para estado, indo além dos alimentos.

O Rio de Janeiro, por exemplo, incluiu repelente de insetos e protetor solar no tratamento diferenciado. Em Minas Gerais, há a presença de um item famoso da culinária local: o pão de queijo.

Para o economista-chefe da corretora Warren Rena, Felipe Salto, a definição de uma cesta básica única no país, por lei complementar, é uma “boa ideia”.

Porém, segundo ele, é necessário cuidado para evitar que a medida contemple “uma infinidade de itens”, o que geraria efeitos fiscais “preocupantes” sobre a arrecadação.

O economista também considera que zerar as alíquotas piorou a reforma. “É o típico caso em que se desejou contemplar as críticas de setores específicos e aí o texto ficou incongruente, para dizer o mínimo. O Senado terá um trabalho enorme para tratar deste e de outros pontos”, afirma Salto, ex-secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo.

Na visão dele, a ideia do cashback sobre a cesta era positiva por permitir a devolução dos recursos. Segundo o economista, o cadastro do Bolsa Família poderia ajudar na elaboração desse modelo para os mais pobres.

“O que é consenso, a meu ver, entre os economistas: não faz sentido desonerar produtos básicos para quem não é pobre. Você e eu compramos um pacote de macarrão e temos o mesmo benefício indireto que uma pessoa com uma fração de nossa renda. É injusto e regressivo”, avalia.

O economista Sergio Gobetti vai na mesma linha. De acordo com o pesquisador, que hoje atua na Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, o cashback seria um mecanismo mais eficiente para mitigar a regressividade –característica de um sistema que arrecada proporcionalmente mais de quem ganha menos.

Para Gobetti, a isenção “enfraquece” o modelo de devolução ainda previsto na reforma e tende a pressionar a alíquota de referência sobre os bens e serviços que não terão tratamento diferenciado.

Ele também vê uma “discussão complicada” para a definição dos alimentos que devem entrar ou não na cesta. “A isenção passou da conta”, diz Gobetti, que considera a reforma “extremamente positiva” em linhas gerais, apesar das ponderações sobre a cesta.

“Há um tabu, as pessoas desconfiam dos programas de devolução de imposto. Em razão dessa confusão, se prefere ter uma alíquota reduzida [zerada, no caso da cesta]. Acho que a desconfiança não se justifica. A gente tem o exemplo do Rio Grande do Sul, que coloca em prática a devolução do ICMS para a baixa renda”, acrescenta.

A proposta inicial da reforma para a cesta básica virou alvo de reclamações de segmentos produtivos durante os debates na Câmara.

No início do mês, a Abras (Associação Brasileira de Supermercados) apresentou um estudo no qual afirmava que a versão inicial, com um desconto na alíquota geral de bens e serviços, poderia elevar a tributação da cesta em 60%, em média, na comparação com o quadro atual.

O secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, Bernard Appy, rebateu as críticas, dizendo que o número mais desinformava do que informava, pois não consideraria os efeitos da redução de custos e a recuperação de crédito que os supermercados poderiam ter com a reforma.

ZERAR É MAIS SIMPLES, DIZ PROFESSOR

Para André Parmo Folloni, decano da Escola de Direito da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e pesquisador na área de tributação, a isenção da cesta básica pode ser interpretada como uma forma “mais simples” de impedir uma pressão sobre os preços de bens de primeira necessidade.

“Se pensarmos em um cashback ideal, que individualizasse contribuinte por contribuinte pela sua capacidade financeira, esse modelo poderia ser mais justo, mas é difícil fazer isso”, diz.

“Às vezes, até fica meio contraprodutivo, porque fica muito caro de fazer. A administração é custosa. Entre ganhos e perdas, zerar a alíquota sobre a cesta básica é uma medida mais simples”, avalia.

A economista Ana Luiza Neves de Holanda Barbosa, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), afirma que uma simples reoneração dos produtos, sem qualquer medida de compensação ou transferência de renda, seria negativa em termos de bem-estar para os mais pobres.

Em relação à proposta inicial de inclusão de um cashback sobre a cesta, a pesquisadora diz que se trata de uma política que merece estudos mais aprofundados.

“Não sei se a medida seria efetiva, porque a gente teria de levar em consideração diversos fatores administrativos e se basear no que os outros países estão fazendo”, aponta.

Na visão da economista, a definição de uma cesta básica nacional terá desafios como conciliar a escolha dos produtos com as recomendações da área de saúde pública e as diferenças regionais.

“O Brasil tem extensão continental, não há uma dieta padrão”, afirma. “São desafios complexos, mas, como a discussão está sendo bastante ampla, acho que vai chegar a um consenso razoável.”

LEONARDO VIECELI / Folhapress

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