SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Vai dar certo? Não sei, é tentativa e erro”, afirmou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) na semana passada sobre o plano de transferir o chamado fluxo da cracolândia para o Bom Retiro, bairro da região central da cidade de São Paulo.
O anúncio gerou reação imediata da população local e da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que disse não ter sido comunicada. O governo em seguida anunciou que desistira da ideia “após novas avaliações”.
Não é a primeira vez que isso acontece nesta gestão.
Novato na política, o governador bolsonarista tem enfrentado ruídos entre aliados e acusações da oposição de desconhecimento da realidade local. Tarcísio foi ministro do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e lançado candidato em São Paulo mesmo tendo nascido no Rio e passado parte da vida em Brasília.
Após pressões, Tarcísio acabou recuando outras vezes em anúncios polêmicos. O governo, por meio de sua assessoria de imprensa, argumenta que, no fim, os ajustes acabaram gerando melhorias nos programas.
A cracolândia é um dos temas que gera maior desgaste político para o governo, devido à onda de roubos e furtos após o fluxo de usuários de drogas se espalhar para várias regiões do centro paulistano.
O assunto, porém, é bola dividida com a gestão Nunes, que vem adotando discurso de que as movimentações da cracolândia fazem parte de dinâmica própria dos usuários.
Embora a intenção fosse levá-los para uma região próxima de locais de atendimento, o Bom Retiro é um grande centro comercial e tem áreas residenciais, onde houve forte reação à ideia.
Tarcísio até agora não viu aliados se levantarem para defendê-lo neste momento ele vive relação estremecida com Bolsonaro. Na oposição, a impressão é a de que Tarcísio anuncia antes e pesquisa depois.
“Há um profundo desconhecimento do estado, da sua realidade e problemas e desafios por parte do Tarcísio”, diz o deputado estadual Simão Pedro, vice-líder do PT na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
“A cracolândia é maior exemplo de um cara que foi mexer com um assunto que não conhecia, não tem pessoas preparadas para isso e só fez bobagem ali. Espalhou usuários, isso dificulta o atendimento”, completa Pedro.
Para aliados, Tarcísio tem o mérito de corrigir o rumo.
“Mudar de ideia de algo errado que a sociedade julga certo tem que ser visto como uma qualidade”, diz o deputado estadual Guto Zacarias (União Brasil), vice-líder do governo da Alesp, que classifica as mudanças como evoluções.
No caso da cracolândia, o governador deu declaração à CNN Brasil que fortalece essa argumentação: “Vou voltar atrás, sou humano. Não tenho problema de corrigir o caminho”.
Outra vez em que Tarcísio admitiu um erro foi sobre veto a um projeto que previa validade indeterminada a laudos médicos que atestem o transtorno do espectro autista.
No texto do veto, o governo escreveu que o autismo “diagnosticado precocemente até os cinco anos e 11 meses de idade é mutável, podendo mudar tanto de gravidade como até mesmo deixar de existir”, afirmação contestada por especialistas.
Após admissão da falha, a Alesp derrubou o veto.
Nesse caso, Guto Zacarias disse que foi um dos que entraram em contato com o governador sugerindo a revisão, o que acabou acontecendo. “Uma mudança de ideia que, com certeza, toda a classe da população autista comemorou. Mesma coisa na questão da cracolândia”, afirmou.
A correção de rota em outro caso na Alesp acabou deixando cicatrizes com a base. O assunto, o de aumento salarial para os policiais, deveria ter rendido o que se chama de agenda positiva, mas não foi assim que ocorreu.
Deputados aliados foram surpreendidos com um artigo que aumentaria o valor de contribuição de aposentados. A bancada da bala teve que dar explicação a seus eleitores e se reuniu com o governador, que alterou a medida antes da aprovação.
No meio do caminho, no entanto, houve trocas de acusações e desgaste entre governistas e os chamados bolsonaristas raiz da Alesp.
O cientista político Bruno Silva diz que, inexperiente no cargo, Tarcísio busca fazer os ajustes iniciais e se adaptar à burocracia estatal em um estado dominado há décadas pelo PSDB.
“Pode ter uma dificuldade sobre como lidar com algumas falas, categorias e setores da burocracia estatal e dos servidores. Esse é um desafio de quem não conhece a máquina por dentro”, diz.
Ao mesmo tempo, cotado tanto para a Presidência da República em 2026 quanto para um novo mandato no estado em caso de reeleição, Tarcísio estaria buscando estocar capital político e fugir de assuntos espinhosos que possam desgastar sua imagem.
“Ele precisa tentar preservar se deseja chegar com algum tipo de influência lá na frente. E ele está tentando adotar a política mais da boa vizinhança no começa da gestão”, afirma Silva.
Em pesquisa Datafolha de abril, a gestão Tarcísio foi avaliada como ótima ou boa por 44% da população, como regular por 39% e como ruim ou péssima por 11%.
O primeiro recuo de Tarcísio foi logo no começo do governo e envolvia a crise de identidade do governador sobre seguir o bolsonarismo raiz ou rumar ao centro. Inicialmente, ele não iria se encontrar com Lula após os ataques golpistas aos Poderes em Brasília, mas compareceu.
Outro recuo foi sobre a contratação do concunhado Mauricio Pozzobon Martins como assessor. Tarcísio afirmou à Folha de S.Paulo que não sabia do veto do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre esse tipo de nomeação.
Antes mesmo de assumir, o governador ainda voltou atrás sobre a extinção da Secretaria da Pessoa com Deficiência e a retirada de câmeras dos uniformes de policiais.
Neste segundo caso, o então candidato havia prometido o fim das câmeras com base em uma convicção pessoal de que elas inibiriam os policiais, na contramão de especialistas e da percepção da cúpula da própria polícia paulista. Depois, afirmou que reavaliaria a medida e ouviria especialistas.
O governo afirma em nota que os casos citados são distintos e que não é correto “colocá-los como uma forma única de conduzir a gestão”.
“Não se trata de recuos e sim ajustes e avaliações que permitem que o Estado formule políticas públicas mais eficientes e condutas sempre melhores para a resolução do problema”.
Diz ainda priorizar o diálogo e opiniões divergentes e que a postura permitiu “a manutenção da Secretaria de Direitos da Pessoa com Deficiência e políticas que tornem mais eficiente o uso das câmeras corporais pela polícia”. A pasta e o programa policial foram fortalecidos após requalificações, afirma a gestão.
No caso do autismo, a gestão reconhece “equívoco textual”, mas cita novidade na área com o lançamento de carteira de identificação da pessoa com transtorno do aspecto autista. Após o caso da nomeação do concunhado, o governo atualizou a legislação estadual sobre o tema.
Em relação à cracolândia, o governo diz que intensificou ações e que realiza reuniões com a prefeitura semanalmente.
ARTUR RODRIGUES / Folhapress