SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – O sistema de correntes marinhas que há milênios ajuda a esquentar o Atlântico Norte, produzindo, por exemplo, um clima relativamente ameno na Europa, pode acabar sendo “desligado” já em meados deste século, afirma uma dupla de pesquisadores dinamarqueses.
É o que indicam os cálculos feitos por Peter Ditlevsen e Susanne Ditlevsen, da Universidade de Copenhague, que acabam de sair no periódico especializado Nature Communications.
Eles argumentam que os modelos climáticos adotados pela maioria dos pesquisadores hoje para tentar prever o futuro dessas correntes podem ser otimistas demais, não levando em conta mudanças mais sutis e preocupantes que já estariam alterando a dinâmica da circulação da água.
“Nenhum dos modelos climáticos usados pelo IPCC [o painel do clima das Nações Unidas] mostra um colapso já neste século. Entretanto, sabemos que esses modelos são conservadores e estão regulados para reproduzir o clima do século 20”, disse Peter Ditlevsen à Folha de S.Paulo.
Os especialistas de Copenhague usaram medidas indiretas para estimar os riscos para o funcionamento da chamada AMOC (sigla inglesa de “circulação meridional invertida do Atlântico”).
Para funcionar, a AMOC depende de dois fatores principais: as diferenças de temperatura e de salinidade entre as massas de água. De maneira geral, massas de água mais quentes e com menos sal tendem a ser menos densas e a ficar por cima, enquanto a água mais fria e com mais salinidade tende a afundar.
Isso significa que a água do Atlântico que é aquecida nas regiões próximas dos trópicos tende a carregar esse calor rumo ao norte, até chegar perto do Ártico, esfriar e afundar. O inverso acontece com a água fria das profundezas. É por isso que a AMOC também é designada como parte da circulação termohalina (junção dos termos para “calor” e “sal” em grego).
“É algo que está presente no Atlântico, mas não no Pacífico. É por isso que o Alasca, que está do lado do Pacífico, tem um clima bem mais rigoroso que o da Escandinávia, com sua costa atlântica, embora ambos os lugares estejam na mesma latitude”, explica Ditlevsen.
E é justamente por causa da importância do equilíbrio entre a temperatura e a salinidade da água que a AMOC pode acabar ficando desequilibrada por conta da atual emergência climática. Com um derretimento maior das geleiras do planeta, por exemplo, a tendência é que ocorre um aporte cada vez mais intenso de água doce no oceano, o que altera sua salinidade.
O temor dos cientistas é que esse processo não produza simplesmente um enfraquecimento relativo do sistema de correntes com o passar do tempo, mas sim um “desligamento” abrupto, no que eles chamam de distribuição bimodal do sistema. Segundo esse raciocínio, haveria um “ponto de não retorno” a partir do qual o equilíbrio de temperatura e salinidade não sustenta mais o funcionamento da AMOC.
Grosso modo, seria como virar um balde cheio de água: fisicamente, a partir de certo ponto, em vez de apenas algumas gotas de água caírem, todo o conteúdo do balde despenca no chão.
Há indicações no registro paleoclimático de que coisas assim já aconteceram no passado, durante a sucessão de períodos muito frios e mais quentes que assolaram a Terra durante o Pleistoceno (popularmente conhecido como Era do Gelo). Paradoxalmente, “desligar” a AMOC faria a Europa Ocidental ficar bruscamente muito mais fria e seca, com um clima próximo do polar.
Como existem poucos dados de longo prazo sobre a AMOC como um todo, o que os pesquisadores dinamarqueses tentaram fazer foi extrapolar o que poderia acontecer com ela com base em dados de temperatura da superfície da água das correntes. A ideia era estabelecer qual seria o nível natural de variabilidade das correntes e compará-lo com o que pode acontecer no futuro.
Esses cálculos indicaram que o colapso do sistema de correntes teria alta probabilidade de acontecer no período que vai do ano de 2025 a 2095, com o ano de 2057 apontado como o mais provável dentro desse intervalo.
Peter Ditlevsen destaca que medidas mais precisas do estado da AMOC são essenciais para diminuir as incertezas sobre esse risco. Enquanto isso, a única possibilidade de minimizar ou adiar o perigo está na redução de emissões de gases causadores da mudança climática.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress