Mostra no MIS conta como B.B. King trilhou o blues e enfrentou a segregação racial

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Duas portas estão diante do visitante. Uma delas é destinada a pessoas brancas e, a outra, a pessoas negras. Quem abre a primeira se depara com a placa que diz “proibido mexicanos, cachorros e negros”.

A segunda leva uma sala quente, com paisagens de plantações de algodão estampadas nas paredes. É uma passagem imersiva pela colheita onde nasceu Riley Ben King, mais conhecido como BB King.

O rei do blues fez sua carreira em meio às leis segregacionistas nos Estados Unidos, que institucionalizaram o racismo no país. “BB King: Um Mundo Melhor em Algum Lugar”, exposição sobre sua vida inaugurada no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, tenta contar essa história.

“A vida de BB King está inserida nesse período e acompanha a dessegregação. Ele foi um dos primeiros artistas negros a cantar com sucesso para plateias brancas”, fala André Sturm, que faz a primeira curadoria desde o retorno à presidência do MIS – anos após os sucessos das mostras “David Bowie”, “Stanley Kubrick” (2014) e “Castelo Rá-Tim-Bum” (2015).

As leis segregacionistas estavam em seu auge nos Estados Unidos na primeira metade do século 20. Pessoas negras eram privadas de frequentar os mesmos espaços que brancos, desde escolas e restaurantes até ônibus e hotéis.

Ameaças de prisão, linchamentos públicos e morte pairavam sobre aqueles que não obedecessem às normas racistas. As “sundown towns” eram cidades com populações exclusivamente brancas, que barraram pessoas negras através de leis e violência.

Em 1936, Victor Hugo Green, um carteiro de Nova York, lançou o “The Negro Motorist Green Book” (“Livro Verde do Motorista Negro”), um guia que mapeava locais seguros para viajantes negros e que ficou em circulação até 1966, dois anos após a Lei dos Direitos Civis proibir qualquer tipo de discriminação racial em todo território dos EUA.

Foi nesse período que o jovem Riley, então com 22 anos, decidiu deixar a vida em uma plantação do Mississippi e partir para Memphis, no Tennessee. O ano era 1947, e o destino era conhecido como a capital do blues.

“Muitos negros caminhavam pela encosta do rio Mississippi em direção ao Tennessee, onde a segregação era menor. Memphis era a primeira cidade ao cruzar a fronteira”, conta Sturm.

Era nas margens do rio Mississippi que muitas pessoas negras cantavam melodias sobre a dura vida nas plantações do sul do país. Blues significa melancolia, e seu ritmo nasce de uma combinação das canções religiosas e de trabalho.

Não demorou para que Riley conseguisse um emprego na WDIA, estação de rádio que lhe deu o apelido de “Blues Boy” -abreviado para BB, que o acompanhou para o resto de sua carreira.

Foi nesse período que BB King conheceu o amor de sua vida: Lucille, uma guitarra Gibson batizada após um incêndio em uma casa de shows onde se apresentava. Durante uma briga por uma mulher chamada Lucille, dois homens acabaram por atear fogo no local.

A exposição conta com duas Lucilles usadas pelo rei do blues, uma delas assinada, assim como jaquetas, documentos, partituras e fotos, acervo disponibilizado pelo BB King Museum ao MIS. É a primeira vez que os itens são exibidos fora dos Estados Unidos.

“Lucille me tirou das plantações”, afirmou certa vez King. A frase, iluminada em neon azul, contorna uma das gibsons dedilhadas pelo músico, na antessala que leva a uma réplica de um ônibus da década de 1950. No lado destinado a pessoas negras, os assentos tortos impossibilitam o visitante de se sentar com conforto.

Em turnê pelo país, era comum que a banda fosse privada de acessar banheiros, hotéis e restaurantes. Em 1956, BB King lançou “Three O’Clock Blues”, seu primeiro hit nacional.

No mesmo ano, a segregação racial foi proibida em locais publicos, mas o início da próxima década seria o auge da luta contra o racismo. Em 1963, a Lei dos Direitos Civis foi assinada e, no final da década, o Harlem Cultural Festival ocorreu como contraponto a Woodstock, com a presença de Nina Simone, Stevie Wonder e BB King -que encantou a plateia de mais de 300 mil pessoas com “Why I Sing the Blues”.

A parte final do circuito é dedicada a pessoas negras que impactaram a vida pública e as artes a partir da segunda metade do século passado, seguida de uma sala de espelhos infinitos.

“Queríamos mostrar sua influência sem limites. Que as coisas avançam e as lutas valem a pena”, diz Strum. O otimismo exacerbado é interrompido por uma câmara escura, com apenas uma Tv de tubo no chão, que transmite registros de denúncias de racismo em noticiários atuais.

A exposição é finalizada por uma plataforma imensa e instagramavel em formato de disco, que conforme gira embala o visitante pelas canções e projeções imensas de BB King.

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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