NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – “Última pergunta, última pergunta”, diz Robert Downey Jr. ao cruzar a porta. O ator brinca com a agenda do dia um sábado quente em que passeia pelas salas frias do hotel em que está hospedado para conversar com a imprensa, sempre cronometrado pela frase. Mas ele faz disso sua entrada triunfal, alinhada ao terno e camiseta verde oliva que, refletindo a luz das janelas, parece um amarelo berrante.
Com a aparência solar, nem parece que Downey Jr. está ali para discutir “Oppenheimer”, um filme sobre a criação da bomba atômica em que aparece em preto e branco por boa parte do tempo.
Mas o semblante leve diz muito sobre o momento de sua carreira. É seu primeiro papel desde 2020, e apenas o terceiro em uma década a não carregar o nome de Tony Stark, o Homem de Ferro, da Marvel.
“Para mim, é como se fosse um recomeço com um arco-íris”, afirma. “Minha esposa diz isso aos nossos filhos quando eles têm uma manhã difícil: Vamos recomeçar com um arco-íris! Para mim, é o símbolo deste novo capítulo, de como começar do zero de novo.”
Durante a entrevista, ele faz piadas, levanta a moral do elenco, elogia o diretor Christopher Nolan e discute a sério seu personagem, o político Lewis Strauss. A alegria reflete o orgulho de Downey Jr., que vê “Oppenheimer” como o melhor filme de sua carreira.
É impressionante, considerado que a última vez que o público viu seu nome nos créditos foi em “Dolittle”, pouco antes da pandemia. O filme marcava sua saída do universo dos super-heróis, na ressaca do sucesso de “Vingadores: Ultimato”. A vertigem foi grande. O longa-metragem deu prejuízo de US$ 100 milhões ao estúdio, distante do status de maior bilheteria da década de seu papel antecessor.
O ator aprendeu algo, porque agora enfileira uma sequência respeitável de projetos. Depois de “Oppenheimer”, Downey Jr. vai aparecer em “The Sympathizer”, minissérie dirigida por Park Chan-wook para a HBO. Também está escalado para “Average Height, Average Build”, comandado por Adam McKay, de “Não Olhe Para Cima”, ao lado de Robert Pattinson. Em ambos, terá papéis coadjuvantes.
O trabalho não para. Nesses três anos afastado das telas, ele viu florescer a Team Downey, produtora que fundou em 2010 com a esposa, Susan Downey. Na TV, a empresa vai bem. Está por trás de “Sweet Tooth”, sucesso de público na Netflix, e de “Perry Mason”, recém-cancelada pela HBO após duas temporadas elogiadas pela crítica.
O horizonte também desenha um futuro de céu azul. Além de “The Sympathizer”, previsto para o ano que vem, a Team Downey trabalha no remake de “Um Corpo que Cai”, de Alfred Hitchcock. O noticiário de Hollywood aponta que, como na minissérie, Downey Jr. considera fazer o papel principal enquanto atua como produtor.
Apesar disso, o ator parece neste momento mais confortável em assumir o lugar de coadjuvante. Nesse sentido, “Oppenheimer” é um recomeço simbólico para o homem que liderou um universo de super-heróis na última década.
Embora Lewis Strauss seja o centro de metade do filme, “Oppenheimer” tem Cillian Murphy no papel titular. Para o ator irlandês, após cinco colaborações secundárias com Nolan, é um momento chave da carreira. Para Downey Jr., em seu primeiro trabalho com o cineasta, fazer parte do filme já é uma honra.
Ele afirma que sempre viu os filmes de Nolan como o momento definitivo da carreira de um ator e define como sorte sua escalação.
O diretor explicou a ele e a Murphy que a relação de Oppenheimer e Strauss era similar à de Mozart e Salieri em “Amadeus”, de 1984. A definição fez sentido para o ator, mesmo não existindo no filme a dinâmica de aprendiz e mestre que consagrou o filme de Milos Forman sobre o músico austríaco.
“Eles destruíram um ao outro, o que é curioso”, diz. “Se há uma pessoa na Terra que Lewis Strauss amava por possuir tudo aquilo que ele não tinha, era Oppenheimer.”
A justaposição de Strauss com Salieri caiu como uma luva. Tanto que, durante a entrevista, Downey Jr. defendeu a visão do antigo chefe da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos e até disse que o político fez um grande serviço pelo país.
“O filme questiona se a Guerra Fria foi o momento mais seguro da história, por conta da possibilidade de destruição mútua assegurada da nossa espécie”, afirma. “Mas há a perspectiva de que [a bomba atômica] não era necessária para isso. Eu tendo a concordar com isso, com a opinião conservadora de Strauss.”
Mas, como o próprio ator diz depois, essa posição deriva do Salieri que assume, o que por sua vez inclui uma admiração por Mozart.
Apesar de seu nome já estar nas discussões do próximo Oscar, Downey Jr. derrama elogios a Cillian Murphy. Para o ator, o protagonista de “Oppenheimer” viveu o Cirque du Soleil de desafios como o físico, em uma tarefa que define como hercúlea.
Ele também compara a trajetória profissional de ambos. Para Downey Jr., ele e Murphy viveram momentos em que se sentiram como se estivessem olhando para a indústria do lado de fora. A única diferença é a década que separa o americano de 58 anos do irlandês de 47 anos.
“Eu envelheci um pouco, e a partir de certa idade acho que essas coisas ficam mais definidas entre o certo e o errado.”
Se há algo que o ator entende é de recomeços. Filho do cineasta Robert Downey, ele foi alçado à fama cedo, aos 21 anos. Aos 26, conseguiu a primeira indicação ao Oscar, com “Chaplin”, de 1992, mas passou a década seguinte em agonia com o vício em heroína e cocaína. Nos anos 2000, reconstruiu sua reputação no cinema independente e estourou mais uma vez como o Homem de Ferro.
Agora, Downey Jr. está pronto para o novo ato da carreira. Mas ele não quer ser Mozart. Para ele, basta o lugar de Salieri.
O jornalista viajou a Nova York a convite da Universal Pictures
OPPENHEIMER
Quando Nos cinemas
Classificação 16 anos
Elenco Cillian Murphy, Robert Downey Jr. e Emily Blunt
Produção Estados Unidos, 2023
Direção Christopher Nolan
PEDRO STRAZZA / Folhapress