SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou nesta terça-feira (24) o projeto de Lei 1.795/2021, que inscreve o nome de Laudelina de Campos Mello no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. A publicação no Diário Oficial da União foi feita nesta quarta (26).
O PL nasceu na Câmara dos Deputados, com autoria da então deputada federal e atual vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP), sob relatoria da deputada Benedita da Silva (PT), e depois foi aprovado pelo Senado.
Ser incluído no livro é uma honraria destinada a protagonistas da liberdade e da democracia, que em algum momento dedicaram a vida ao país.
Laudelina, neta de escravizados, nasceu em Poços de Caldas, Minas Gerais, em 12 de outubro de 1904, e consta que aos 7 anos já trabalhava como doméstica. Abandonou a escola cedo para ajudar a mãe no sustento da casa e dos irmãos após a morte do pai.
Aos 16 anos criou o Clube 13 de Maio, que proporcionava atividades culturais à população negra, que era impedida de frequentar os mesmos ambientes que os brancos, e foi eleita presidente.
Aos 18 anos e casada, morou em São Paulo e depois Santos. No litoral paulista começou a cuidar de empregadas domésticas idosas ou adoecidas que eram colocadas nas ruas pelos patrões, e passavam a pedir esmolas, já que não tinham nenhuma assistência, nem eram reconhecidas como categoria profissional.
“A população endinheirada passou a morar nos edifícios que surgiam e deixavam os antigos casarões. Laudelina alugava esses casarões, transformava em pensão, alugava para rapazes, e o dinheiro que ela conseguia da pensão com os rapazes, ela sustentava essas mulheres que eram colocadas a rua”, diz Cleusa Aparecida da Silva, coordenadora da Casa Laudelina de Campos Mello Organização da Mulher Negra, em Campinas.
Já separada e com um casal de filhos, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro e a Frente Negra Brasileira, e ainda fundou, em 1936, a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do Brasil, em Santos.
“Ela atuava na perspectiva de organizar as trabalhadoras domésticas. Pensava o ser humano e as mulheres negras na sua integralidade. Pensava o mundo do trabalho, a cultura, a ciência, a filosofia, ela pensava a história. Atuava em várias frentes, principalmente na área da educação. Uma das demandas prioritárias de Laudelina era a questão da profissionalização e ampliação da escolaridade das mulheres negras”, explica Silva.
As atividades da associação foram encerradas durante a ditadura de Getúlio Vargas.
Laudelina se alistou nas forças de paz durante a Segunda Guerra Mundial e foi espiã do Exército Brasileiro.
“Ela foi a primeira mulher negra a se alistar. Ela percebe que todos os dias à tarde, vinha uma freira até a igreja no cemitério com um buquê e ficava um tempo e ia embora. Quando os navios brasileiros saíam com alimentos e medicamentos para a guerra, eram atacados no oceano. Então tinha alguém infiltrado no Exército Brasileiro. Laudelina então fala para seu comandante sobre essa freira. Eles montam um observatório e conseguem pegar a freira, que na verdade, era um alemão. Laudelina foi condecorada, recebeu medalha”, relembra Silva.
No final da década de 1940, Laudelina foi viver em Campinas, onde recriou a Associação de Trabalhadores Domésticos e continuou a ajudar as trabalhadores na busca pelos seus direitos. O então ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, a chamava de terror das patroas.
Laudelina passou a pressionar a mídia, prefeitos, vereadores e deputados para garantir direitos às domésticas e verbas para ações de cultura e educação, sendo recebida por ministros. Tendo uma penetração impensável para pessoas negras na época, em especial, as mulheres.
Por conta de sua mobilização desde a década de 30, em 1972 as trabalhadoras domésticas passaram a ter direito a carteira assinada, mas ainda sem os benefícios das demais categorias profissionais, como jornada de trabalho.
Em Campinas, também lutou contra o racismo e o machismo. Criou a Escola Santa Efigênia de Bailados para ensinar balé e outras artes para meninas negras e brancas pobres. Criou também o Baile Pérola Negra para que as meninas pudessem debutar, já que eram impedidas de entrar em clubes de brancos.
A atuação de Laudelina inspirou a criação de sindicatos em diversas regiões e outros estados. Ela passou também a atuar junto a universidades.
“Por isso ela é merecedora da homenagem. Nós queremos bater na agenda do epistemicídio [a sobreposição de uma cultura em relação à outras], contar essa história escondida, nós conhecemos apenas a história dos vencedores, mas não conhecemos a história daqueles que foram vencidos e continuaram lutando e reexistindo até a sua partida espiritual”, diz Silva.
Ela lembra que dar visibilidade à história de Laudelina é necessária.
“Queremos, de fato, dar visibilidade e referendar a história das mulheres negras, originárias, de todas elas que lutaram no Brasil e que não estão nos nossos livros didáticos. É uma atitude criminosa e racista esconder a verdadeira história do seu povo. E Laudelina está dentro desse contexto, de resgatar sua verdadeira história para que a gente possa conhecer uma outra versão, que pensa a pluriversalidade”, finaliza.
Laudelina morreu em 12 de maio de 1991, em Campinas, e deixou sua casa em testamento para ser a sede do sindicato de sua categoria.
O nome de Laudelina será, a partir de agora, registrado no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria ou Livro de Aço, pois a obra é composta por páginas de aço abrigado no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
O livro, criado em 1992, reúne pessoas que dedicaram sua vida ao país em algum momento da história, que só podem constar no material após aprovação de lei pelo Congresso Nacional.
Segundo a Agência Senado, até março de 2023, 64 nomes foram incluídos no livro, sendo 51 homens e 13 mulheres, entre eles, Tiradentes, Anita Garibaldi, Chico Mendes, Zumbi dos Palmares, Machado de Assis, Chico Xavier, Santos Dumont e Zuzu Angel.
FRANCISCO LIMA NETO / Folhapress