BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL) mais do que sextuplicaram os episódios de conflitos envolvendo terras indígenas em comparação aos quatro anos anteriores, durante as gestões de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
Os dados são do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que divulgou nesta quarta-feira (26) o novo relatório anual de Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil. A entidade monitora os dados há pelo menos 20 anos.
A Folha de S.Paulo comparou as informações sobre o governo de Bolsonaro com as de relatórios anteriores.
O tipo de violência que mais cresceu nos últimos quatro anos foi o de conflitos territoriais. No total, foram mais de 407 casos, contra 61 no ciclo anterior, um aumento de 567%.
O ano de 2022, o último de Bolsonaro como presidente, teve um recorde de 158 registros, 1.336% a mais do que no último ano antes de deu mdanto, 2018 (com 11 casos).
Para Roberto Liebgott, um dos conselheiros do Cimi, o crescimento do número de conflitos mostra não só o crescimento das invasões de terra e das ameaças aos indígenas dados que também aumentaram, mas também o movimento dos povos para tentar se proteger.
“Os conflitos mostram a resistência dos povos indígenas a esse ambiente que se criou com a antipolítica de Bolsonaro. Conforme eles resistiam às invasões, à negação de seus direitos, às medidas administrativas da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas, na época sob orientação da gestão anterior], eles também passaram a ver o conflito fundiário. É a resposta dos indígenas à violência”, diz.
Ele também afirma que devem ser muitos os casos de brigas por territórios que acabam não registradas e por isso estima que o dado real de conflitos deve ser muito maior.
“Não temos a dimensão do conjunto todo. Se a gente pegasse área por área, ia detectar números até mais amplos. Mas esses dados já são suficientes para mostrar essa ofensiva e essa resistência”, completa.
No geral, os três principais tipos de violência catalogadas pelo Cimi tiveram crescimento nos quatro anos do governo Bolsonaro: violência contra o patrimônio (40%), contra a pessoa (64%) e por omissão do Estado (65%).
A quantidade de invasões e de casos de exploração ilegal dos recursos naturais (como garimpo ou extração de madeira) subiu de 317 casos, entre 2015 e 2018, para 1.133 de 2019 a 2022 um avanço de 257%.
Sob esse aspecto, os registros de desmatamento cresceram de 48, em 2021, para 74 em 2022, tornando-se a causa mais frequente de invasão, posto que antes era da extração de madeira.
“Quando o [Ricardo] Salles [ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro] dizia lá atrás que precisava abrir as porteiras, elas foram abertas. A boiada foi entrando numa crescente, então o desmatamento foi crescendo pela liberalização das regras de controle e fiscalização”, diz Liebgott.
Procurados pela reportagem, nem Bolsonaro nem Salles (que atualmente é deputado federal) responderam até a publicação do texto.
O ano de 2022 registrou uma série de casos notórios de violência ligada aos indígenas. Entre os exemplos está o agravamento da crise no território yanomami, que no fim de abril viu uma comunidade inteira desaparecer e ser aliciada por garimpeiros, ou os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, mortos dentro da Terra Indígena Vale do Javari.
Para o coordenador, os registros de violência contra a pessoa, divididos em diversas categorias, traçam um panorama do efeito direto dos quatro anos da política de Bolsonaro sob os indígenas.
O aspecto que mais cresceu foram as chamadas “ameaças diversas” aquelas que não são de morte, como casos de perseguição, que subiram 160% nos últimos quatro anos em comparação com o ciclo anterior.
Na sequência estão os casos de abuso de poder (crescimento de 154%), de ameaça de morte (118%) e, finalmente, de assassinatos (83%).
“Esse aumento reflete o avanço dos invasores sobre os territórios. O agressor tem tática: primeiro, ele ameaça ”, comenta ele, que ressalta que os casos de abuso de poder se manifestam na repressão das forças de segurança que atuam em conflitos e até na coerção de indígenas por membros da Funai.
O conselheiro diz ainda que os dados deste ano confirmam a tese do Cimi da chamada “antipolítica” indigenista do governo Bolsonaro, que segundo ele tem três tripés.
O primeiro, da “desterritorialização”, que acontece pela não demarcação das terras e do incentivo à exploração dos recursos naturais. O segundo seria a “desconstrução dos direitos”, representada pela flexibilização das leis e das normas de proteção aos povos. Já o terceiro, diz, é a lógica de que o indígena precisa se integrar à sociedade, “resgatando um discurso da ditadura militar”.
“Essa é a antipolítica que fundamenta a lógica do genocídio que viemos denunciando ao longo dos últimos anos”, completa.
JOÃO GABRIEL / Folhapress