Morte indígena por falta de assistência em saúde cresceu 380% sob Bolsonaro

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O número de mortes de indígenas por desassistência na saúde aumentou quase cinco vezes no governo de Jair Bolsonaro (PL) (de 2019 a 2022) em comparação aos quatro anos anteriores, das gestões Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

Os dados são dos relatórios de violência contra os povos indígenas elaborados pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que lançou seu levantamento relativo ao ano passado na última quarta-feira (26).

Nesses oito anos, 2022 teve o maior número de registros, com 40 óbitos -um a mais que o número de 2021, até então o maior.

A reportagem comparou os dados do governo Bolsonaro com os quatro anos anteriores.

O relatório reúne registros de diversos tipos de violência contra indígenas, distribuídos em três principais categorias. Todas apresentaram crescimento na comparação com o ciclo anterior: contra o patrimônio (alta de 40%), contra a pessoa (64%) e por omissão do Estado (65%).

É neste último grupo, o que mais cresceu, que estão compilados os casos de morte por desassistência, que foram 25 nas gestões Dilma e Temer e saltaram 380%, para 120, com Bolsonaro.

O aumento só não foi maior que o de casos de conflito por terras indígenas, que subiu 567% (de 61 para mais de 400).

“O sistema da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] não foi desativado, mas foi objeto de omissão: funcionários demitidos, medicamentos que não chegavam nas áreas, destruição de postos de saúde”, afirma Lucia Rangel, coordenadora da pesquisa do Cimi.

A precarização da saúde indígena teve consequências especialmente graves na Terra Indígena Yanomami, que viu uma explosão de casos de malária, gripes e desnutrição, associados ao garimpo ilegal que tomou a região.

Relatórios revelados pela Folha de S.Paulo mostram que a estrutura de assistência à população foi precarizada durante o governo Bolsonaro.

Nas vistorias realizadas nos polos de saúde do território entre os dias 15 e 25 de janeiro, a equipe da Sesai encontrou remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de desvio de comida e de medicamentos para tratamento de malária.

O relatório ainda mostra a explosão dos casos de malária durante o governo Bolsonaro: foram registrados 9.928 casos da doença na região da terra yanomami em 2018, número que passou para 20.393 em 2021.

O documento ainda aponta que 30% dos casos ocorreu na faixa etária de 0 a 9 anos e que o local de provável infecção que mais cresceu no período foi justamente em áreas de garimpo.

Durante a visita da equipe de saúde ao polo de Surucucu (na terra yanomami), no início do ano, foram registrados relatos de alimentos roubados. No local, faltavam frutas e verduras desde julho de 2022, sem reabastecimento e foi identificada escassez de panelas, copos, pratos e a ausência de botijão de gás.

O relatório também cita falta de medicamentos e relatos de extravio de remédios de malária.

Quando o grupo visitou a Casai (Casa de Saúde Indígena) de Boa Vista (RR), o banheiro estava com as portas quebradas e as malocas estavam sujas e com fezes. Esgoto a céu aberto, falta de alimentos e e um extintor de incêndio vencido desde 2014 foram outros problemas observados.

Em razão da insegurança trazida pelo garimpo ilegal, que atua fortemente armado e ligado ao crime organizado, sete unidades de saúde dentro do território indígena acabaram fechadas durante o governo Bolsonaro.

“A omissão foi muito grande neste campo e as consequências foram severas, sobretudo porque ela atingiu as crianças principalmente, que registraram uma mortalidade muito alta nesses quatro anos”, comenta Rangel.

O ano de 2022, de acordo com dados da Sesai apresentados no relatório, foi o que mais registrou mortes de indígenas de até quatro anos: 965 (contra 835 em 2021 e 917 em 2020) -anos em que a pandemia aumentou o número de óbitos em geral dos povos.

“Nos últimos anos, houve a fragilização das equipes que prestam serviço de atenção básica nas comunidades. Elas passaram a não mais visitar e permanecer nas áreas, passaram a atuar de forma rotativa, sem fazer monitoramento de mulheres grávidas, crianças, das doenças verminoses ou respiratórias. A atenção primária foi muito fragilizada”, diz Roberto Liebgott, também coordenador do Cimi.

Também os casos de desassistência na área de saúde como um todo cresceram, segundo o relatório, passando de 180 entre 2015 e 2018 para 361 no governo Bolsonaro.

Os registros de “desassistência em geral” subiram 43% na comparação e os de disseminação de bebida alcoólica e outras drogas cresceram 69%.

Dentro da categoria de omissão do Estado, o único registro que não aumentou no governo Bolsonaro com relação ao ciclo anterior foi o de desassistência na educação, que se manteve em patamar similar: 161 contra 156 casos.

“Além da omissão, você teve, por parte do Estado, por vários meios, um incentivo à invasão de terras indígenas”, completa Rangel.

JOÃO GABRIEL / Folhapress

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