SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Depois do sucesso de “Baile”, álbum de 2021 que trouxe de volta às pistas de dança a batida do Miami bass, FBC se viu diante de um dilema. Exaurir a estética dos hits “Se Tá Solteira” e “De Kenner”, que fizeram do rapper emergente de Belo Horizonte uma febre pop, ou se arriscar novamente?
Ele encontrou o caminho enquanto fazia seu novo álbum, “O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão nos Levar para Outro Planeta”, lançado esta semana. “Eu estava muito louco e [os produtores] querendo repetir a fórmula, uma coisa mais TikTok”, ele diz. “Mas não, ia ser do jeito que eu estava falando. Falei que quero fazer as coisas igual ao Jorge Ben Jor.”
Fazer como Jorge Ben, nesse caso, é criar uma música menos preocupada com as tendências, e mais movida a reflexões existenciais. Se o cantor carioca filosofava sobre deuses astronautas nos anos 1970, o mineiro agora versa sobre romances na era das redes sociais, o medo da exposição digital e a ansiedade gerada pelo que chama de “estresse da modernidade”, em busca do que é essencial na humanidade.
Fabrício, o FBC, partiu da imagem de um apocalipse, em que a humanidade teria que entrar numa nave e deixar a Terra. Diante disso, o que sobra? “O Amor, o Perdão e a Tecnologia” resulta desse exercício retórico.
“O amor é oxigênio. Sem ele, a humanidade não sobrevive”, ele diz. “E como se vai perdoar o Holocausto, a escravidão, o capitalismo? No dia em que encontrarmos o amor e trabalharmos o perdão vamos entrar num estado de vibração melhor. Mas, sem acreditar na ciência, não vamos conseguir.”
FBC pode até voltar a bombar no TikTok, mas sua proposta não poderia estar mais distante do sucesso imediato e, com frequência, efêmero dos sons que ganham repercussão na plataforma de vídeos. Mas quando fez “Baile”, ele também não estava exatamente perseguindo o som do momento.
O álbum que colocou o mineiro em evidência nacional, na verdade, já era reflexo de uma mudança em sua trajetória. FBC ganhou destaque como integrante do DV Tribo, coletivo de rap de onde saiu Djonga, e despontou cantando trap no disco “S.C.A.”, ou “sexo, cocaína e assassinatos”, de 2018.
Cria das batalhas de MCs da capital mineira, ele já dava sinais de que era diferente desde cedo. Em sua participação no cypher “Poetas no Topo 2”, de 2016 com vários rappers rimando sobre uma mesma batida, FBC conseguiu encaixar frases sobre jogadores do Barcelona, terremotos na China, o elemento químico potássio e o Ícaro mitológico em uma dúzia de versos.
Mas a imagem que mais chama a atenção daquela estrofe é a de MCs que falam de negócios, de dinheiro e ostentação, quando, na verdade, estão eles próprios à venda para a indústria da música. “Som de elevador, não de elevação”, ele provoca.
Àquela altura, por exemplo, FBC disputava um espaço parecido com Orochi, trapper do Rio de Janeiro que também rimou naquele cypher. Sete anos depois, eles não poderiam estar mais distantes. O MC carioca, cabeça do selo Mainstreet, se tornou um gigante do trap nacional, entre os cantores com os maiores números do país no streaming.
Já o mineiro seguiu um caminho camaleônico. “Muita gente falou, mas você não é trap, não é preto, não toma [a bebida à base de codeína] lean, não é de gangue”, diz. “Tinha uns signos que regiam as pessoas que pertencia ao trap. E a galera estava importando muita coisa, de cultura e comportamento.”
FBC continuou caminhando dentro do trap e do rap no disco “Padrin”, de 2019, quando teve seu primeiro grande hit uma balada romântica e confessional ao piano, “Se Eu Não te Cantar”. No ano seguinte, lançou “Best Duo”, álbum dividido com a rapper Iza Sabino.
“Falei, mano, agora vou fazer o que quero”, diz. “Essas pessoas estão certas. Não tenho que falar disso não. Vou falar das coisas que sei, de mim. Vou tentar conversar com meu vizinho. Fazer música que os mineiros entendem. Sou muito fã do Nas, daquela coisa só quem é do Queens vai entender essa frase.”
“Baile”, disco conceitual inspirado pelas festas que FBC frequentava na periferia de Belo Horizonte, vem dessa pessoalização. Mas também de seu encontro com Vhoor, um dos produtores mais talentosos da música eletrônica brasileira dos últimos anos este mês, ele tocou na edição catalã do festival Primavera Sound.
Foi dele a ideia de fazer um álbum com a batida do Miami bass. “Estavam o funk e o trap disputando com o sertanejo os primeiros lugares das paradas”, diz FBC. “Aí vem um belo-horizontino lançar [uma batida] volt-mix. Não só um som, mas um álbum inteiro?”
“Baile” elevou aos milhões os números de FBC nos streaming, e o levou a palcos de todo o Brasil. Também lhe rendeu o dinheiro para construir um estúdio próprio, fazer aulas e aprender a tocar piano e chegar ao novo álbum acompanhado por vários instrumentistas, da bateria orgânica aos sopros.
Esteticamente, foi uma abertura de mente. Materialmente, de possibilidades. “Sou um louco por música e nunca conheci um louco igual eu. Aí eu conheci o Vhoor e vi que ele era muito mais louco por música que eu”, diz. “Aquilo me despertou o interesse de querer produzir, aprender a tocar instrumentos.”
Antes de “Baile”, todo produzido por Vhoor, a dupla já havia colaborado no EP “Outro Rolê”, em que FBC se aventura pela batida do drill. O compacto é ambientado na Europa, onde, numa viagem há três anos, o rapper se encantou por músicas feitas com a batida de house por imigrantes nos países em que visitou.
O house, criado por negros americanos e amplamente presente na música pop e de pista desde os anos 1990, acabou sendo a base sonora de “O Amor, o Perdão e a Tecnologia”. Mas o ritmo não reina sozinho no álbum, que tem produção de Ugo Ludovico e Pedro Senna.
O trabalho examina várias facetas da música dançante, passando por disco, soul e o amapiano, gênero derivado do house criado na África do Sul. É um mergulho na história dessa música de pista, do talk-box de Stevie Wonder ao Auto-Tune do Daft Punk.
“O Miami bass, o house, o funk, o eletro, tudo vem da música negra”, ele diz. “Ou o mesmo feijão que faz a feijoada também faz o tutu e o acarajé. Vem tudo do feijão.”
Depois de tantas transformações, é difícil definir onde FBC se encaixa atualmente na música brasileira. Com o microfone nas mãos, ele continua sendo um MC, só que, a cada trabalho, seu entorno muda completamente.
É arriscado, mas a essa altura FBC já descobriu que não há caminho sem risco para chegar em outro planeta. “Depois de Sgt. Peppers, os Beatles lançaram o álbum branco. Pensa na capa de um e na capa do outro”, ele diz. “Arte é quebra de expectativa. Ser artista não é só ter bom gosto, mas confiar no bom gosto.”
O AMOR, O PERDÃO E A TECNOLOGIA IRÃO NOS LEVAR PARA OUTRO PLANETA
Quando A partir de 27/7
Onde Nas plataformas digitais
Autoria FBC
Produção Ugo Ludovico e Pedro Senna
Gravadora Do Padrim
LUCAS BRÊDA / Folhapress