Concurseiros precisam saber que aposentadoria não é mais integral, alerta entidade

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A onda de concursos públicos anunciada pelo governo traz o desafio para a Funpresp —entidade de previdência complementar do funcionalismo federal— de conscientizar futuros servidores públicos sobre os prejuízos financeiros com a falta de planejamento da aposentadoria já no momento de ingresso na carreira.

“Hoje não se aposenta mais com o último salário da ativa”, afirma Cristiano Heckert, presidente da entidade. “Justamente para isso existe a previdência complementar, para não deixar o servidor e a sua família desprotegidos”, acrescenta em entrevista à Folha.

Heckert relata que atualmente um contingente de 27 mil servidores não aderiu à previdência complementar e terá a aposentadoria restrita ao teto do INSS (R$ 7.507). “Estão perdendo dinheiro todos os meses”, afirma.

Ele acrescenta que a opção pela adesão ao fundo pode ser vantajosa até mesmo para servidores mais antigos, quando se leva em conta a reforma da Previdência de 2019. No ano passado, foi aberta a última janela de migração de regime, mas não estão descartadas novas autorizações. O mantra, segundo ele, é: “faça conta, faça conta, faça conta.”

Instituída em 2013, a Funpresp reúne hoje 105 mil participantes ativos e um patrimônio de R$ 7,74 bilhões.

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P. – O governo anunciou, além de 8.000 vagas já abertas, mais 10 mil para concursos. As pessoas ainda fazem concurso achando que terão aposentadoria integral?

Cristiano Heckert – É um desafio muito importante para a Funpresp conscientizar esses servidores —e até mesmo as pessoas que ainda estão tomando a decisão de fazer concurso— sobre quais são as regras vigentes. Hoje não se aposenta mais com o último salário da ativa. A aposentadoria para quem está ingressando agora é limitada ao teto do INSS.

Justamente para isso existe a previdência complementar, para não deixar o servidor e a sua família desprotegidos.

P. – A curva de entrada no serviço público acompanha a de entrada na Funpresp?

C. H. – A Funpresp começou a operar em 2013, mas um marco importante foi a adesão automática, que só veio em 2015. Mudou a regra do opt-in [quando é preciso tomar a decisão de aderir] pro opt-out [quando a adesão é automática, e quem não quiser precisa se manifestar]. Ou seja, quem entrou a partir de 2015 adere automaticamente e pode manifestar o desejo por desistir dessa adesão.

Essa mudança alterou muito a curva a partir de 2015, porque muita gente acaba indo pela inércia. Não toma a decisão que precisa tomar. O nosso é desafio agora é conscientizar o servidor da importância de ficar.

P. – Por que ele sai?

C. H. – São vários motivos. O primeiro é uma necessidade de renda imediata —mesmo sendo uma contribuição que não tem investimento igual no mercado, porque a cada real que ele coloca no Funpresp, a União coloca mais um. De largada, já ganha 100% fora o que vai render depois.

Quem está apertado financeiramente, olha o momento e pensa quanto está saindo do contracheque. Mas é uma decisão duplamente ruim: está perdendo o um para um da União e passa a pagar mais Imposto de Renda, porque a contribuição previdenciária sai da base de cálculo do IR.

Muitos voltam, mas muitos acabam postergando essa decisão. Cada mês que posterga, está perdendo dinheiro. Aquela contribuição que não fez naquele mês e que perdeu a contrapartida da União não se recupera nunca.

P. – Quantas pessoas já saíram?

C. H. – Temos 105 mil participantes ativos [dados de 2022: 102.986], servidores que estão na ativa contribuindo todo o mês. Há 300 assistidos, aposentados e pensionistas. E outros 27 mil que já estão na regra nova e não estão na Funpresp. Ou nunca entraram.

A maior parte desses 27 mil é do período entre 2013 e 2015. Mas tem também cerca de 7.000 que, de 2015 para cá, foram aderidos automaticamente, mas optaram por sair.

Há ainda 4.000 que migraram de regime: entrou antes de 2013, estava na regra antiga de aposentadoria, mas abriu mão do direito e migrou para o regime novo. Mas não aderiram. Como não há a adesão automática, ele tem que exercer um segundo ato, que é o de aderir.

Esse total de 27 mil, quando se aposentar, vai estar limitado ao teto do INSS. Pior ainda: se hoje ele sofre um acidente, tem que se aposentar compulsoriamente, ou falece, a família vai estar limitada também ao teto. E ainda incidindo todos os redutores que a reforma da Previdência trouxe relativa ao tempo de contribuição. Quer dizer: não vai ganhar nem os R$ 7.500, vai ganhar uma fração disso.

Então esses 27 mil são um público-chave. Estão perdendo dinheiro todos os meses.

P. – Qual foi o impacto da reforma da previdência de 2019 para a Funpresp?

C. H. – Colocou redutores mais rígidos para as situações de incapacidade permanente e morte para todos os servidores, mesmo aquele que entrou há 20 anos, 30 anos, que ainda tem o direito de se aposentar pelo último salário.

Se ele morre ou se aposenta por incapacidade permanente, não recebe o último salário.

A maioria dos servidores não sabe disso. O redutor é muito drástico no caso da pensão por morte, algo como 40% é o que ele vai deixar para a família, a depender do tempo de contribuição.

No Funpresp porque as coberturas de morte e de invalidez são muito mais vantajosas.

O segundo aspecto da reforma são as alíquotas progressivas de contribuição. Antigamente o servidor público pagava 11% da remuneração. Agora há uma tabela progressiva, que pode chegar a 22%. Isso também fez com que quem está na regra antiga tivesse uma redução líquida de salário, passou a pagar mais previdência, inclusive, o aposentado.

Na Funpresp, não incide contribuição previdenciária sobre o benefício do aposentado. Assim, numa composição de dois regimes: contribui para o regime próprio, só em cima do teto do INSS. E acima desse valor passa para a alíquota da Funpresp, que é 8,5% a máxima. E depois que aposentar é isento de contribuição previdenciária.

Então é um direito exclusivo que essas pessoas não estão usufruindo. A gente repetiu o ano passado, quando estava aberta a janela de migração, era um mantra: faça conta, faça conta, faça a conta. Porque na hora que as pessoas fazem a conta, faz muita diferença.

P. – Com o histórico de problemas nos fundos de pensão no Brasil, rombos que acabam sobrando para o participante, gerou-se uma cultura avessa às entidades?

C. H. – Por isso que deixamos claro: a Funpresp já nasceu no modelo contribuição definida, é um modelo completamente diferente. Qual a chance de o dinheiro da conta da fulana ser usado para cobrir um déficit na conta do Cristiano? Zero, zero. Cada um vai receber proporcional ao que acumular na sua conta. Isso minimiza muito os riscos.

E a regulação do setor foi mudando na questão dos investimentos se tornando mais restritiva. Pode aplicar em criptomoedas? Não pode. Pode investir no exterior? Pode, mas até 10% do patrimônio. Tem limite para renda variável, para imobiliário e outros.

Hoje temos 81% dos nossos ativos em títulos da dívida pública, que estão pagando muito bem. Aproveitamos os últimos dois anos de juros altos para comprar títulos de longo prazo. Temos um compromisso com o participante de entregar IPCA + 4 e a média está acima de IPCA + 6.

P. – Com os juros caindo, vem o desafio da diversificação. Existe pressão do governo para uso em infraestrutura?

C. H. – Já estamos nesse processo de diversificação gradual da carteira. Aproveitamos a alta de juros, mas sabemos que isso não vai durar para sempre. Estamos fazendo licitações para credenciar fundos —pela legislação, aqui tudo passa por licitação. Vamos colocando ali um percentual pequeno, mas já para eles irem competindo entre si e avaliarmos a performance do gestor. A partir daí vamos diversificando a carteira para garantir a longo prazo essa mesma rentabilidade.

Já podemos financiar infraestrutura de duas formas: via debênture, temos hoje aqui por meio de dois fundos de crédito privado já contratados com 170 papéis diferentes. Tem de tudo: papel de banco, de comércio varejista, infraestrutura de todo tipo, como saneamento, eletricidade, transporte. Então financiamos infraestrutura. O outro mecanismo na regulação do setor são os FIPs, os fundos de investimento em participação. A Funpresp nunca teve FIP, mas vai chegar a hora que vai precisar entrar. Isso não é ruim, a questão é selecionar o fundo.

Nunca houve qualquer pressão de governo ou de quem quer que seja nesses dez anos da Funpresp para que a gente fizesse qualquer tipo de investimento. Temos mecanismos de governança para evitar que isso aconteça. Não podemos demonizar os investimentos em infraestrutura. Há os que são bons.

RAIO-X

Cristiano Heckert, 46 anos

Tem graduação (1999), mestrado (2001) e doutorado (2008) em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). É servidor público federal e diretor-presidente da Funpresp.

JULIANNA SOFIA E ALEXA SALOMÃO / Folhapress

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