SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Moradores da comunidade Vila Zilda, no Guarujá, litoral de São Paulo, disseram que ouviram gritos de socorro do vendedor ambulante Felipe Vieira Nunes, 30, que teria sido torturado e executado por policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) na sexta-feira (28).
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública não falou sobre o caso e afirmou que as declarações oficiais sobre a ação policial já foram dadas. Em coletiva, o secretário Guilherme Derrite negou que houve tortura.
O vendedor ambulante Felipe Vieira Nunes, 30, saiu de casa para comprar cigarro e comida, segundo um familiar que prefere não se identificar por segurança. Moradores da região disseram ao parente que Felipe foi abordado por policiais da Rota na esquina da casa em que vivia por volta das 21h da sexta.
“Os caras pegaram ele, arrastaram ele para dentro de um barraco, foi onde aconteceu a tortura. Torturaram ele, ficaram com ele lá, a população toda escutou ele gritando, pedindo ajuda, pedindo socorro”, contou um familiar da vítima.
O familiar de Felipe disse também que uma mulher tentou se aproximar, mas a polícia teria impedido que moradores prestassem qualquer tipo de ajuda. “Os moradores escutaram a polícia gritando ‘solta a arma, solta a arma’ e ele respondendo: ‘eu não tenho arma, senhor’.”
“Ficaram esperando ele morrer.” De acordo com o morador, Felipe foi arrastado até a porta da casa em que teria ocorrido a tortura e era possível ver um “rastro de sangue” pelo caminho.
O parente de Felipe diz que o ambulante foi queimado com cigarro. À reportagem, ele enviou fotos que seriam das queimaduras sofridas pelo vendedor. O celular e a chave do carro do vendedor teriam sido levados pela polícia.
Felipe é uma das vítimas da ação policial que busca identificar os suspeitos pela morte do soldado Patrick Bastos Reis, de acordo com o historiador Douglas Belchior, cofundador da UniAfro e que acompanha a situação no local. O governo e a polícia não divulgaram os nomes dos mortos.
A reportagem procurou a Secretaria Estadual da Segurança Pública e a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo no início da tarde, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem. Em coletiva nesta manhã, o secretário Guilherme Derrite não citou nomes, mas negou que houve tortura.
“Essa versão de indivíduo que foi torturado não passa de narrativa para nós. Não chegou oficialmente nenhuma informação, indício, muito menos materialidade”, afirmou Derrite.
QUEM É O VENDEDOR AMBULANTE
Felipe Vieira Nunes cresceu na Vila Carmosina, zona leste de São Paulo. Segundo familiares, ele se mudou para o Guarujá após perder o tio avô que o criou.
O vendedor não tinha uma boa relação com o pai que, de acordo com parentes, era usuário de drogas. “Ele tinha muita mágoa”, afirmou um membro da família. “Ele cresceu brincando na rua, não tinha um relacionamento com os pais.”
A família disse que Felipe teve passagens pelo sistema prisional -após ter deixado a prisão, ele tentava “reconstruir” a vida. “Ele fez curso de cabeleireiro, mas um espelho estourou no braço dele. Ele perdeu o movimento de três dedos e ficou impossibilitado de trabalhar”, narrou um parente.
Ele juntava dinheiro para comprar um carrinho para vender açaí. “Ele estava feliz em voltar a trabalhar.”
MORTE DE PM E RETALIAÇÃO VIOLENTA
O soldado Patrick Bastos Reis foi assassinado durante patrulhamento na comunidade Vila Zilda na noite da quinta-feira (27). Ele trabalhava com colegas do 1º Batalhão de Choque quando, segundo a SSP, o grupo foi “atacado por criminosos armados que efetuaram disparos de arma de fogo”.
Além de Patrick, um cabo também foi atingido por um tiro e levado a uma UPA da região. Ele não corre risco de morte.
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que oito pessoas morreram no fim de semana durante operação para identificar suspeitos da morte de Reis e que não houve excesso. A Ouvidoria da Polícia de SP, entretanto, contabiliza 10 pessoas assassinadas.
Dez pessoas foram presas. Erickson David da Silva, suspeito de matar o soldado, gravou um vídeo antes de se entregar, pedindo para que o governo de São Paulo pare com a “matança” de supostos inocentes no Guarujá.
“Em relação às oito mortes em confronto registradas durante a ação, o governador ressaltou que as forças de segurança atuam para prender os criminosos e o enfrentamento é resultado da ação dos bandidos e não dos policiais”, declara o governo estadual em nota.
FABÍOLA PEREZ / Folhapress