BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Caixa Econômica Federal vai repassar mais de R$ 12 bilhões à União após constatar a retenção de depósitos judiciais que, por lei, deveriam ter sido direcionados à conta única do Tesouro Nacional. A atual direção do banco atribuiu o caso a um erro e determinou a abertura de uma auditoria para apurar o ocorrido, segundo a instituição informou à reportagem.
O tema vem à tona após o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ampliar em R$ 12,6 bilhões sua projeção de arrecadação com “outras receitas administradas” no relatório de avaliação do Orçamento do 3º bimestre, divulgado em 21 de julho. “O crescimento dessa rubrica é explicado pela expectativa de transferência, pela Caixa, de depósitos judiciais, para a Conta Única do Tesouro Nacional, em 2023”, diz o documento.
A receita extraordinária ajuda o ministro Fernando Haddad (Fazenda) a reduzir o déficit fiscal programado para 2023 que, ainda assim, está em R$ 145,4 bilhões, mais do que os cerca de R$ 100 bilhões prometidos pela equipe econômica. Sem essas receitas, o rombo já estaria próximo dos R$ 158 bilhões.
O Ministério do Planejamento e Orçamento disse que apenas “consolidou” o relatório e que informações adicionais deveriam ser fornecidas por Fazenda e Caixa. Os dois órgãos foram procurados, mas nenhum esclareceu a que se referem os depósitos ou o período em que houve a retenção indevida.
O Ministério da Fazenda afirmou somente que se trata de levantamento feito junto à Caixa “de depósitos judiciais não transferidos anteriormente por erros nos registros, que serão regularizados neste exercício”.
A Caixa, por sua vez, disse que identificou “situação em que, por erro nas informações prestadas pelo depositante no ato da abertura da conta de depósito judicial, os referidos valores não tiveram a destinação prevista nas leis 9.703/1998 e 12.099/2009”.
A lei de 1998 prevê que depósitos judiciais e extrajudiciais de valores referentes a tributos e contribuições federais devem ser feitos na Caixa, que, por sua vez, fará o repasse do dinheiro à conta única do Tesouro em um prazo de aproximadamente 30 dias. Caso a União seja derrotada na ação judicial, as cifras são devolvidas com correção ao banco, que as restitui ao depositante.
Os depósitos feitos antes de 1998 também seriam repassados à conta única, conforme cronograma fixado pelo Ministério da Fazenda.
Já a lei de 2009 estendeu o alcance dessa regra aos depósitos não tributários relativos à União e os tributários e não tributários relativos a fundos públicos, autarquias, fundações públicas e demais entidades federais. Ainda fixou um prazo de 180 dias para o repasse dos valores pré-1998 à conta única do Tesouro.
“A Caixa esclarece que a atual gestão informou ao Tesouro Nacional os valores relativos a depósitos judiciais que podem ser transferidos para a União assim que tomou conhecimento da situação. O banco está providenciando o repasse dos valores ao órgão”, disse o banco em nota à reportagem.
“Para apurar os motivos pelos quais os valores não foram transferidos anteriormente, a direção determinou a abertura de uma auditoria”, acrescentou.
A reportagem apurou que o TCU (Tribunal de Contas da União) deve fazer diligências, no âmbito do acompanhamento bimestral do Orçamento, para solicitar mais informações sobre o caso e verificar eventuais irregularidades.
Segundo interlocutores, esclarecimentos preliminares indicam que os valores se referem a um estoque de depósitos judiciais que estavam sem a devida identificação dos órgãos ou das entidades a que pertenciam. Uma fonte do governo afirmou que há novos valores ainda sob avaliação para talvez serem transferidos à conta única do Tesouro.
Diferentes técnicos ouvidos reservadamente pela reportagem afirmam que o caso é inusitado e merece investigação, pois a retenção desses valores pela Caixa pode ter dado ao banco uma fonte barata de recursos para conceder novos empréstimos, além de ter contribuído para melhorar o resultado da instituição financeira variável relevante para determinar, por exemplo, a distribuição de dividendos à União.
Se tivessem sido repassados à conta única do Tesouro Nacional, como manda a lei, esses recursos seriam remunerados de acordo com a rentabilidade dos títulos públicos da carteira do Banco Central. Essa taxa é, em boa parte do tempo, próxima à Selic, mas pode ser inclusive maior.
Entre 2009 e 2022, a remuneração da conta única ficou entre 7,32% e 13,75% ao ano. Trata-se de uma taxa superior à que corrigiu os depósitos retidos indevidamente que seria de até TR (Taxa Referencial) mais 6% ao ano, segundo relatos.
Uma vez identificado o problema, técnicos entendem que a Caixa deveria absorver o prejuízo e recolher a diferença entre a correção feita e a remuneração maior que seria devida. Do contrário, ela estaria dando uma espécie de calote em quem efetuou o depósito (autor da ação judicial) ou na própria União, a depender de quem ganha a disputa.
O problema é que o impacto pode ser significativo para a Caixa, que já enfrenta uma situação pouco confortável, com piora em seus indicadores de capital e risco.
O chamado índice de Basileia indica quanto de capital dos sócios o banco deve ter em relação aos recursos emprestados. As normas exigem que, para cada R$ 100 emprestados, os bancos tenham R$ 11,50 de capital dos sócios (um índice de 11,50%). No caso da Caixa, a única sócia é a União.
A Caixa encerrou o primeiro trimestre com um índice de Basileia de 17,63%, uma piora em relação a igual período de 2022 (19,52%).
A instituição também tem sofrido perdas com duas linhas de crédito lançadas em 2022, ano eleitoral, sob o governo Jair Bolsonaro (PL). O chamado SIM Digital, que concedeu crédito para negativados, tem taxa de inadimplência próxima de 80%. Outra modalidade problemática foi o consignado do Auxílio Brasil. Ambas são alvo de outra auditoria interna na Caixa.
A reportagem também procurou o Banco Central, regulador do sistema financeiro, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress