Quilombola Joelington Rios se destaca com exposições no Rio de Janeiro

SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Joelington Rios, 24, lançou sua primeira exposição aos 19 anos. Nascido e criado em Jamary dos Pretos, quilombo do município de Turiaçu (MA), o jovem é o artista por trás da exposição ”O Que Sustenta o Rio”, exibida entre maio e junho deste ano no Presença Festival, no Rio de Janeiro.

Na mostra, o artista apresenta imagens em preto e branco de homens e mulheres trabalhadores da capital fluminense, abaixo de paisagens típicas da cidade.

As fotomontagens foram idealizadas de modo a transmitir a relação de sustentação e contraste entre as duas realidades: o charme das atrações cariocas em contraponto ao ordinário e à dureza do dia a dia.

Ele também estará na Bienal das Amazônias, no dia 3 de agosto, onde apresentará um trabalho inédito, intitulado de “Cruzeiro do sul”.

A instalação remonta a constelação em formato de cruz, antes utilizada pelos colonizadores para chegar à América, agora de uma forma subversiva. Construída com carvão e mosqueteiros vermelhos, a obra referencia outras possibilidades de vida, mundos e a ideia de volta para casa.

As obras de Joelington que vão da fotografia às esculturas, passando por vídeos e instalações artísticas, refletem de maneira protagonista a ideia de deslocamento. “Atravessado por esse fluxo de ser de lá, mas estar aqui”.

É neste contexto que lançou a série “O Que Sustenta o Rio”. A exposição é a primeira do artista, e foi concebida em 2018. Apesar da boa repercussão desse trabalho, Joelington diz que “O Que Sustenta o Rio” ainda não teve uma exposição exclusiva, e que almeja que o trabalho chegue a circuitos de arte contemporânea.

“Eu sei que eu colho o fruto de sempre dizer ‘sou quilombola’. Apesar de ser interessante, se paga sempre um preço por estar apresentando e dizendo ‘eu sou isso, sou aquilo’, porque bem ou mal, você acaba entrando numa caixinha de certa forma”, diz.

“‘Ele é o artista quilombola, ele é o artista negro’. Mas para mim, é importante dizer que eu sou quilombola. Eu sei o que eu sou e sei para onde eu quero ir”, afirma.

A ideia para essa exposição sobre a capital carioca nasceu no ônibus. O trabalho de observação começou no percurso entre o bairro onde morava, na favela da Muzema, até sua escola em Copacabana, fazendo contrapontos entre as paisagens tradicionais da cidade em paralelo às pessoas que a compõe.

“Se você entrar nesses ônibus, a primeira coisa que você vai ver serão os semblantes dessas mulheres super abatidas. Esses horários, quase sempre todos estão muito cansados, como se realmente houvesse alguma coisa achatando, parece que tem uma coisa que envolve esses corpos que está ali amassando, esmagando”.

Joelington se mudou para o Rio para finalizar o ensino médio, estudando também na Efoco, a Escola de Fotografia Documental e Comunicação Crítica, e formou-se pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Atualmente, ele faz residência no espaço cultural Galpão Bela Maré.

“Esses acúmulos de deslocamento, principalmente de vivências dentro do ônibus em que eu ia para escola, com a interação com mulheres negras, mulheres que sentavam perto de mim no banco, elas iam contando o que era o Rio para elas, como era o dia a dia delas. E obviamente, tudo se complementando com a paisagem que se dava pela janela desses ônibus”, explica.

Hoje morando no bairro do Rio Comprido, Zona Norte do Rio de Janeiro, o artista enxerga mais semelhança nas relações com aquelas vividas no quilombo. “Adoro a relação bairrista do subúrbio daqui, as comunidades que se dão em cada espaço desse lugar, desde o bar até a padaria. Coisas que eu não veria se eu não estivesse lá”, diz.

No quilombo, para caçar pássaros, eram utilizadas armadilhas feitas para encurralar os animais e prendê-los, as arapucas. Enquanto artista e quilombola, Joelington se enxerga inserido nesta metáfora: sujeito a prisões semelhantes, de modo que tentam enquadrá-lo na caixa única de “o artista do quilombo”.

“É como se tirasse todas as nossas subjetividades. Quando se tira o sujeito, tira-se tudo, né? Tira a possibilidade de realeza, de charme, de excelência no fazer, seja qual for ele, e sobretudo, tira a dignidade”, observa.

“Acho que o que eu mais sinto de estereótipo que me atravessa é ameaça da minha dignidade que está relacionada a querer comer bem, ao fato de querer me vestir bem, a querer entregar o trabalho de arte de excelência, e é interessante que até isso as pessoas ainda questionam”, diz.

“Eu sinto que essa relação, uma das grandes armadilhas, é justamente isso. Não deixar que me desvalidem e desautorizem enquanto artista”.

Para ir de encontro às limitações dos estigmas, Joelington toma como base os ensinos de onde veio. “Sinto que eu tenho dado conta disso por uma certa sobriedade que trago a partir de uma vivência quilombola, que se dá na simplicidade”.

”Eu estou sempre quebrando a castanha na boca delas”. Essa expressão, citada por Joelington e usada por sua comunidade no quilombo Jamary dos Pretos, designa provar o contrário, entregar algo que o outro não está esperando, surpreender positivamente.

A vida em Jamary dos Pretos formou Joelington pessoal e profissionalmente. Ainda na infância, tomou contato com a fotografia por meio da prima e líder do quilombo Lindionora Ribeiro, 47.

“No início, era muito difícil a gente ter acesso a uma fotografia. Quando eu consegui comprar uma câmera fotográfica, sempre gostei de registrar as crianças, animais, objetos e foi nesse período que ele conviveu mais de perto comigo”, lembra ela.

A partir deste primeiro contato, Joelington seguiu ativo na fotografia e, enquanto ainda só fazia fotos pelo celular, a comunidade fez uma campanha de arrecadação para comprar uma câmera fotográfica para ele, junto a integrantes do Movimento Negro.

Antes de completar 18 anos, fez uma exposição de artefatos quilombolas utilizados no dia a dia da comunidade. As fotografias foram exibidas na sede do município de Turiaçu.

A formação da comunidade de Jamary dos Pretos data de 1841, mas só teve acesso a energia elétrica a partir de 2005. Internet, em 2020. A pesca é a principal atividade econômica da comunidade.

A falta de reconhecimento pleno da terra é um fator de dificuldade para os moradores de Jamary, como aponta Lindionora. “A gente vive nessa luta para garantir o título, para não correr risco de precisar deixar a comunidade por aparecer outras pessoas dizendo que são donos”.

Parte da comunidade já foi reconhecida pelo Iterma, o Instituto de Colonização e Terras do Maranhão, mas ainda busca por sua titulação pelo Incra, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

“Quando foi dada a entrada na documentação, o Instituto Nacional não garantiu o título, mas foram garantidos alguns benefícios, tipo fomento, cadastro dos moradores no instituto e, a partir desse cadastro os moradores receberam habitação e recurso”.

MARIANA BRASIL / Folhapress

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