Operação na Baixada Santista tem indícios de chacina, dizem especialistas

A operação policial na Baixada Santista, em SP, deixou, até o momento, 14 pessoas mortas, e os indícios sugerem, para especialistas o caso pode ser caracterizado como chacina. Embora não tenha definição legal, o termo é usado para designar casos em que há homicídios múltiplos, geralmente com três ou mais vítimas.

A Operação Escudo, que deve permanecer na região por até 30 dias, foi deflagrada na última sexta-feira (28) pela pasta de segurança da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), comandada por Guilherme Derrite, após a morte do soldado da rota Patrick Reis em Guarujá.

Na segunda (31), o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) afirmou que vai pedir ao Ministério Público de São Paulo que investigue a operação como chacina.

O termo remete a casos como as chacinas da Candelária, com oito mortes, e de Vigário Geral, ambas ocorridas no Rio de Janeiro em 1993, mas é mais antigo. Nos dois casos, a motivação dos policiais que cometeram os crimes era vingança, segundo investigações.

“Chacina designa um múltiplo homicídio, quando várias pessoas são mortas como ato de vingança, com algum caráter punitivo”, afirma o advogado Oscar Vilhena Vieira, membro da Comissão Arns. “Uma determinação mais clara do que está acontecendo vai decorrer de uma investigação imparcial e pormenorizada.”

Entre os relatos de Guarujá que estão sendo apurados por diferentes órgãos está o de um homem torturado e queimado com cigarro, e uma promessa feita por policiais de 60 mortes na cidade.

Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, falta transparência do governo sobre as mortes, o que ajudaria a dar clareza à definição ou não de chacina. “É o que a Ouvidoria e a sociedade civil estão tentando entender: as circunstâncias das mortes e se houve reação armada das pessoas mortas.”

A socióloga Terine Husek, coordenadora de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado, aponta que outros eventos que aconteceram ao longo de vários dias já foram considerados chacinas.

“Um parecido é a chacina do Pan, no Rio, em 2007. Foi um episódio em que morreram dois policiais e fizeram operações em vários dias seguidos no Complexo do Alemão, desencadeando muitas mortes.”

A operação durou de maio a julho daquele ano, enquanto aconteciam os Jogos Pan-Americanos na cidade. Somente em 27 de junho, uma ação com 1.350 agentes deixou 19 pessoas foram mortas.

“É um recado para uma parcela específica da população, em alguns territórios escolhidos para retaliação”, diz Husek. Ela ressalta que o instituto não considera apenas os casos com relação ou participação de agentes de segurança.

O coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques, classifica o caso na Baixada Santista como chacina. “Foram vítimas diversas em locais diferentes, mas, pelo contexto, essa operação após a morte do soldado Reis está no mesmo contexto da ocorrência.”

Para ele, a motivação da deflagração da Operação Escudo em Guarujá é mais um elemento que endossa a tese. “Por tudo que foi discutido até o momento, tem a ver com vingança. Pela morte do soldado Reis e, mais recentemente, por outra policial baleada na mesma região.”

Marques afirma que o termo chacina é usado na sociologia, mas também tem presença na imprensa. Em 10 de fevereiro de 1960, reportagem da Folha de S.Paulo dizia que as forças de segurança investigavam a motivação para a chacina de Santo Amaro, com a morte de seis pessoas -um casal e quatro filhos- na zona sul de São Paulo.

O termo também apareceu no primeiro Plano Nacional de Segurança Pública, lançado em 2000 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em um compromisso com seis ações para reduzir as chacinas, incluindo o combate a grupos de extermínio, com destaque para grupos que atuavam em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Vitória e Distrito Federal.

“Chacinas estavam no plano do governo FHC por causa do episódio do [sequestro] do ônibus 174, e pelo Sandro [Barbosa do Nascimento] ser sobrevivente da chacina da Candelária”, afirma Husek, do Instituto Fogo Cruzado.

Episódios como o massacre do Carandiru também podem ser chamados de chacinas, aponta Marcos Fuchs, diretor-adjunto da Conectas Direitos Humanos. “Nunca se falou em confronto. De um lado, 111 presos mortos e um policial ferido por atirar num televisor que explodiu na cara dele. Massacre também é usado para definir chacina.”

Ele lembra outros episódios, como a operação Castelinho, de 2002, que terminou com 12 mortos, e a chacina de Osasco e Barueri, na Grande SP, em 2015, com 17 mortos. “Um critério é esse assassinato coletivo, e outro, na definição, a crueldade dentro e que antecede a matança, como o pai de família que foi queimado com cigarro”, afirma, em referência à denúncia de Guarujá.

Há consenso entre os especialistas ouvidos sobre problemas na fala do governador Tarcísio de Freitas, que afirmou, na segunda estar satisfeito com a operação, que somava até ali oito mortes confirmadas, além da declaração de Derrite, que chamou relatos de abusos de narrativa.

“Ao dizer que foi uma ótima operação com pessoas mortas e relatos de tortura e sem elementos para saber se houve excesso ou não, o governador diz ‘cometam excessos que farei vista grossa’. A consequência disso é mais mortes”, diz Husek, que defende a ação por meio de investigação e responsabilização dos envolvidos.

Nesta terça (1º), durante entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, o governador Tarcísio de Freitas disse que a gestão tem sido transparente na condução da operação, e que as imagens das câmeras corporais dos agentes serão utilizadas para investigar eventuais abusos. “A gente não vai se furtar a investigar nada. Se houver excesso, se houver falha, nos vamos punir os responsáveis”, disse.

LUCAS LACERDA

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