WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O Congresso americano ouviu no fim de julho o depoimento de um ex-funcionário da Inteligência que afirmou existirem provas de vida extraterrestre. Entre essas evidências, haveria corpos de alienígenas e restos de suas espaçonaves, artefatos que segundo ele o governo mantém escondidos.
Tais afirmações não são novas. Histórias de vida inteligente fora da Terra circulam há décadas e povoam a imaginação popular. Vide o chamado “incidente de Roswell”, em 1947, em que os Estados Unidos supostamente confiscaram um disco voador. Vide também relatos nacionais como os do ET de Varginha e do ET Bilu, que pediu para a humanidade buscar conhecimento o último depois foi desmascarado como uma farsa.
O que é inédito, no caso da audiência no Congresso americano, é a seriedade com que o governo e a comunidade científica têm tratado esses episódios. Nos últimos anos, tem havido esforços para discutir os relatos de vida extraterrestre e investigá-los.
“É uma resposta a um movimento cultural de interesse na vida extraterrestre”, diz Jordan Bimm, professor de história da tecnologia na Universidade de Chicago, citando os inúmeros documentários sobre o tema. O pesquisador sugere que, quando cientistas não respondem às alegações sobre alienígenas e discos voadores, a confiança do público na ciência sofre erosão.
Bimm traça um paralelo com o que aconteceu em relação às vacinas da Covid-19. “A Nasa está preocupada e decidiu recuperar esse espaço”, diz ele. Entre as medidas tomadas está a criação de um painel de especialistas da agência espacial americana que deve divulgar um novo relatório nas próximas semanas.
A audiência no Congresso faz parte desse mesmo contexto. Legisladores se sentaram, com alguma solenidade, para ouvir a história de David Grusch, o ex-funcionário da Inteligência. A fala de Grusch teve algum peso, em especial, por causa das credenciais dele, de rara credibilidade nesse meio.
Grusch disse, entre outras coisas, que o governo americano possui veículos espaciais não humanos, incluindo uma nave intacta que teria pertencido ao ditador italiano Benito Mussolini. Afirmou também que os EUA recuperaram os corpos de pilotos alienígenas. Sugeriu, por fim, que os ETs foram responsáveis por fenômenos que feriram e mataram humanos.
Um dos problemas no relato de Grusch é que ele não apresentou nenhuma prova para sustentar as suas acusações. Ademais, disse que ele tampouco viu essas evidências apenas ouviu histórias de outras pessoas com mais acesso a informações sigilosas do que ele. Grusch também sugeriu que o governo americano está empenhado em desmentir esses casos porque não quer que o público saiba a verdade.
“É um truque de mágica”, diz Bimm, referindo-se ao argumento de Grusch de que não pode mostrar nenhuma evidência do que diz por tratar-se de um assunto tão sigiloso. “Uma coisa que sempre digo aos meus alunos é que precisamos tratar alegações de vida extraterrestre inteligente com um robusto ceticismo. Pessoas já fizeram afirmações parecidas no passado, e nunca era verdade.”
Segundo Bimm, esse tipo de história tem seu público porque trata de espaços ambíguos, repletos de imponderáveis. O céu é imenso e, ao contrário do que se pensa, não está tão vazio e sim repleto de destroços. “Quando um piloto está voando em altas velocidades, uma coisa pode parecer ser outra. Eles enxergam fenômenos que não conseguem explicar.”
O governo americano e o complexo industrial militar também são ambíguos, diz Bimm, dado o segredo máximo com que trataram até hoje os relatos dos pilotos. A falta de transparência alimentou teorias da conspiração. Fica difícil explicar que uma história é falsa sem abrir o jogo.
Bimm afirma esperar que as autoridades investiguem a fundo as acusações de Grusch para desmenti-las (ou, quiçá, prová-las). Se no passado isso poderia parecer dar mais credibilidade ao ex-funcionário da Inteligência, a abordagem hoje é de que é importante não deixar o assunto em aberto. “Não podemos permitir que isso gere mais desconfiança em relação às instituições.”
Algo curioso é que a história de Grusch não atraiu tanta atenção quanto poderia ter tido no passado. O Congresso, afinal, ouviu de maneira oficial uma pessoa dizendo que havia alienígenas e espaçonaves no país. “É que vimos essas coisas antes, é um padrão. Como não há evidências, já não há interesse.”
Outra coisa interessante é que, como apontado por um colunista do jornal Folha de S.Paulo, a história de Grusch pressupõe que alienígenas são parecidos conosco. É improvável, do ponto de vista científico, que formas de vida surgidas em outros planetas sejam semelhantes com aquelas que existem na Terra.
“Nossas ideias sobre extraterrestres são projeções de nós mesmos”, diz Bimm. Por isso existe essa recorrente noção de que, se alienígenas existem, eles têm que ser uma ameaça. É a base, por exemplo, da série de livros de ficção científica “O Problema dos Três Corpos”, do escritor chinês Cixin Liu.
“Imaginamos que os extraterrestres querem nos colonizar, mas isso é o que nós fazemos”, afirma Bimm. É uma extrapolação da história da humanidade. “Essa concepção de vida alienígena não é alienígena o bastante”, diz.
DIOGO BERCITO / Folhapress