SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo americano promoveu em aeroportos brasileiros um treinamento voltado ao combate ao tráfico de pessoas no setor aéreo. As duas primeiras sessões ocorreram quarta (26) e quinta (27) no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, e a terceira foi no Recife.
É a primeira vez que o treinamento, coordenado por Michael Camal, gerente de engajamento do Centro de Combate ao Tráfico de Pessoas americano, é oferecido fora dos Estados Unidos.
“Foram 17 meses de preparativos, para conciliar todas as agendas e trazer o treinamento”, afirmou ele à reportagem após a primeira sessão.
O encontro contou com cerca de cem pessoas entre funcionários de companhias aéreas, membros da manutenção do aeroporto e da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que também oferece um curso gratuito de prevenção ao tráfico de pessoas.
“Estamos falando de um mercado que movimenta bilhões de dólares e fica atrás apenas do tráfico de drogas e da venda de armas”, destacou no início do evento o delegado Rodrigo Weber de Jesus, que comanda a base da Polícia Federal no aeroporto.
Segundo o delegado, casos recentes de tráfico humano investigados pela PF revelaram a participação de agências de viagem e o envolvimento de escritórios de advocacia que dão à “contratação” das vítimas um verniz de legalidade.
Foi o primeiro recado transmitido no treinamento, montado com a consultoria de sobreviventes do tráfico de pessoas. Se, por um lado, trata-se de uma prática criminosa complexa, que envolve diferentes setores da sociedade, por outro, é fundamental olhar atento do maior número possível de pessoas para combatê-la.
QUEM PODE SER VÍTIMA?
Qualquer um pode ser vítima de tráfico humano. Pessoas de todas as idades, nacionalidades, raças, gêneros e grupos socioeconômicos estão sujeitas a acreditar nas mentiras dos criminosos.
É comum traficantes aproveitarem vulnerabilidades, como o uso de drogas, a falta de recursos financeiros e a situação migratória. Até o sonho de se tornar uma estrela de K-pop pode ser usado para iludir vítimas, de acordo com o último relatório do governo americano. “O tráfico explora fraquezas”, disse Camal.
Mesmo a carência afetiva é uma porta de entrada. São frequentes os casos em que os criminosos estabelecem um relacionamento amoroso com as vítimas pela internet antes de subjugá-las. No começo, esse namoro parece real, mas depois vem o golpe.
Para iniciar a aproximação, além dos aplicativos de relacionamento e das redes sociais, eles utilizam ofertas enganosas de emprego. Outra modalidade consiste em obrigar algumas vítimas a recrutar novas pessoas. “Uma garota procura outras garotas no aeroporto que queiram ser modelos”, exemplificou.
QUAIS SÃO OS INDÍCIOS DE TRÁFICO HUMANO?
Ao contrário do que se imagina, as vítimas não necessariamente tentam buscar ajuda em público e nem sempre há restrição física. Elas geralmente têm medo de procurar socorro por causa das ameaças dos traficantes e, mesmo que possam se afastar temporariamente dos criminosos, continuam sujeitas aos abusos psicológicos e emocionais.
“Eu tinha medo das figuras de autoridade”, expôs a brasileira Patty em um vídeo exibido no treinamento. Enganada com a promessa de que trabalharia como “au pair” (em que há a responsabilidade de cuidar dos filhos de uma família) e poderia estudar, ela viajou para os Estados Unidos e foi submetida a anos de trabalho forçado.
Com o tempo, a jovem começou a associar o conceito de autoridade àqueles que lhe causavam sofrimento e nem quando a polícia invadiu a casa onde morava por denúncias de outros crimes ela conseguiu contar que era vítima dos traficantes. Os policiais também não se importaram com ela e, naquele momento, Patty pensou que nunca encontraria ajuda.
Além da dificuldade de pedir ajuda, no início da viagem muitas ainda não perceberam que a realidade que as espera é diferente da prometida. Elas só vão entender que há algo errado ao chegarem ao destino.
Por isso, é importante prestar atenção aos sinais. Posse de documentos, linguagem corporal e liberdade de se movimentar pelo terminal são alguns dos aspectos a serem observados.
“Grande parte das suspeitas estão erradas”, contou Camal, “mas mesmo assim vale fazer a denúncia”. “Na dúvida, avise.”
Foi assim que uma brasileira de 12 anos foi salva no Aeroporto Internacional de Miami. Um brasileiro com visto de permanência nos EUA tentava entrar no país com a menina, mas o funcionário da alfândega que os atendeu estranhou a relação dos dois.
O homem foi encaminhado para inspeção secundária, na qual verificaram que ele não tinha nenhum parentesco com a garota e apresentava histórico de envolvimento com turismo sexual infantil.
Ele havia conhecido a menina no voo e “feito amizade” com ela, que acabou entregue em segurança aos responsáveis que a aguardavam.
COMO FAZER A DENÚNCIA?
Ao ligar para a polícia (190) ou para o os canais de violação de direitos humanos (100 ou 180), é recomendado informar onde a situação suspeita foi observada, a idade aproximada e o número de pessoas envolvidas e, também, detalhar a aparência física dos envolvidos (cor do cabelo e dos olhos, tatuagens, etnia).
É importante ainda fornecer informações sobre a viagem para onde estão indo ou de onde estão vindo, quais indícios levaram à suspeita de algo errado e deixar um telefone de contato caso surjam novas questões durante a investigação das autoridades policiais e o acolhimento à vítima.
STEFHANIE PIOVEZAN / Folhapress