SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O chefe das polícias de São Paulo, o secretário Guilherme Derrite (Segurança), que acompanha pessoalmente a operação policial em Guarujá, foi retirado do efetivo da Rota (grupo de elite da PM) em razão do grande número de confrontos e de pessoas mortas em serviço.
O motivo desse desligamento foi apontado por oficiais da PM ouvidos pela Folha de S.Paulo, desde sempre contrários à indicação de Derrite ao cargo, e admitido pelo próprio secretário em entrevista a um canal do Youtube, em maio de 2021, já como deputado federal por SP e oficial da reserva da PM paulista.
“A real? Porque eu matei muito ladrão”, disse o capitão da reserva, ao ser questionado sobre o motivo que o levou a deixar a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), grande paixão de Derrite, conforme declarou durante praticamente toda a entrevista.
“A real é essa, simples. Pá! Tive muita ocorrência de troca de tiro, eu ia para cima. Quem vai para cima, está sujeito. Troquei tiro várias vezes, uma atrás da outra e isso acabou incomodando, não sei quem, mas veio a ordem de cima para baixo, questão política: tira o Derrite da Rota. E fui convidado a me retirar.”
A Rota é o batalhão ao qual pertencia o soldado Patrick Bastos Reis, 30, morto por criminosos em uma favela em Guarujá. O assassinato do PM provocou uma forte reação por parte das forças de segurança que, até agora, resultou na morte de ao menos 16 suspeitos e uma chuva de suspeitas de abuso.
Em entrevista à Folha de S.Paulo no início deste ano, Derrite afirmou não se lembrar da quantidade de pessoas que ele matou durante confrontos em serviço. Achava ter sido mais de três suspeitos, marca que, segundo ele, não carregava com orgulho.
Na ocasião, disse ainda que se arrependia de ter criticado colegas que não tinham ao menos três mortes decorrentes de intervenção em cinco anos de trabalho. Ele fez essa crítica em um áudio de 2015, que vazou e chegou ao comando da PM que o puniu.
Na entrevista de maio de 2021, porém, em meio a sorrisos e brincadeiras, o secretário narrou detalhes de cinco intervenções das quais participou e teria sido ele o responsável pelos tiros que levaram a morte dos suspeitos. Pela narrativa, as mortes foram todas com metralhadora. “Metralhadora sempre na rajada.”
Dos cinco confrontos letais narrados pelo secretário, dois ocorreram quando ainda era oficial em um batalhão de Osasco (Grande SP). Esse histórico, conforme diz, teria impedido o acesso dele à Rota na primeira tentativa. Ele contou que o comandante do batalhão da época afirmou que a unidade, diferentemente dos anos 1980, não tinha mais o perfil letal e, assim, sem espaço para ele.
“Olha só que o maluco [coronel] falou: Você não é exemplo de oficial da polícia e você nunca vai trabalhar no batalhão Tobias de Aguiar, da Rota. Aí eu falei: Ah é? Beleza, sim, senhor! Permissão para me retirar”, afirmou Derrite, sobre essa primeira tentativa frustrada de ingresso à Rota.
Essa situação mudou, conforme diz, após o tenente-coronel Adriano Telhada assumir a unidade em 2009, na gestão do secretário Antonio Ferreira Pinto, e mudar o perfil dos oficiais. Derrite era amigo do filho do oficial, o então tenente Rafael Telhada, o que contribuiu para receber o convite e atuar na unidade.
As outras três mortes decorrentes de intervenção teriam ocorrido após assumir as funções na Rota. Ao longo da entrevista, o policial repetiu algumas vezes a expressão “infelizmente morreu”, para confirmar a situação da pessoa baleada após os confrontos.
A mesma expressão foi usada por ele na semana passada para informar, nas redes sociais, que um dos suspeitos de matar o policial Reis também tinha morrido em confronto.
Nas quase quatro horas de entrevista ao youtuber, Derrite não mencionou a operação conhecida como caso Barrucuda. Conforme oficiais ouvidos pela reportagem, esse teria sido o verdadeiro motivo da saída dele da Rota e pelo qual ficou marcado na unidade.
Nessa operação, em maio de 2012, na zona leste da capital, seis suspeitos foram mortos por equipes da Rota. Derrite era um dos principais responsáveis pelas equipes. Após a apresentação da ocorrência à Polícia Civil, três PMs foram presos sob a suspeita de terem torturado e matado um suspeito rendido. Os PMs foram a julgamento, mas acabaram absolvidos pelo tribunal do júri.
O atual secretário também é criticado entre oficiais porque teria se recusado a participar da “vaquinha” organizada por um grupo de PMs para ajudar financeiramente os PMs presos no caso Barracuda.
Procurado pela Folha de S.Paulo, Derrite não quis informar se os cinco casos citados por ele na entrevista foram os únicos na carreira ou se houve outros. Na entrevista de maio de 2021, ao responder uma pergunta de internauta, disse que tinha prendido e matado vários membros do PCC.
Questionado pela reportagem, o secretário da Segurança de SP não comentou o Caso Barracuda, em especial sobre a morte do suspeito já rendido e da “vaquinha” aos colegas de Rota.
Também não explicou a informação, repassada por ele mesmo, de que foi reprovado no exame psicológico na primeira tentativa de ingressar à PM. Em um nota sucinta, apenas afirmou que sempre atuou de forma correta na corporação.
“Ao longo dos 16 anos dedicados à Polícia Militar do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite sempre atuou pautado nas boas práticas institucionais e no respeito absoluto às leis. Foi reconhecido pelo seu trabalho tendo, muitas vezes, colocado sua vida em risco em prol da segurança e do bem-estar da população.”
ROGÉRIO PAGNAN / Folhapress