SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mês mais quente já registrado na história, julho foi marcado por ondas de calor que atingiram milhões de pessoas, especialmente no hemisfério norte. Além das temperaturas que excederam os 50°C na China ultrapassaram 43°C na cidade americana de Phoenix, também houve registros de mortes associadas ao calor.
Isso se deve à forma como o corpo reage à temperaturas altas, o que afeta os sistemas cardiovascular, respiratório e renal. Para tentar refrescar o corpo, o coração bombeia mais sangue, absorvendo o calor interno e o movendo em direção à pele para ser dissipado para o ambiente, em forma de suor.
“Então, obviamente, seu coração tem que bater mais rápido”, explica Daniel Vecellio, pesquisador de clima e saúde na George Mason University (EUA). Como para bombear mais sangue é preciso mais oxigênio, também será necessário respirar mais.
Essas medidas fazem o corpo suar e, com isso, baixar a temperatura interna. Mas se a água que está sendo eliminada pelo suor não é reposta (com o consumo de líquidos) isso pode levar à falta de hidratação. “O que pode ser um grande problema quando você está falando sobre problemas renais. Portanto, há várias maneiras pelas quais o calor afeta a saúde durante ondas de calor. E isso antes mesmo de falar sobre insolação -que ocorre numa fase posterior”, diz o especialista.
A insolação é o tipo mais sério de doença relacionada ao calor e ocorre quando o corpo não consegue mais se refrescar, com a temperatura corporal podendo superar 41°C. Entre os sintomas estão confusão mental, perda de consciência e convulsões.
Os efeitos do calor extremo tendem a ser mais fortes entre aqueles que já têm doenças cardiopulmores e outros grupos de risco. “Além deles, idosos têm uma dificuldade de termorregulação [ou seja, de manter a temperatura corporal] tanto quando estão no frio quanto no calor, assim como as crianças”, diz Beatriz Oliveira, pesquisadora da Fiocruz Piauí.
Em 2022, o relatório anual Lancet Countdown apontou que a mortalidade de pessoas com mais de 65 anos relacionada ao calor aumentou em 68% entre os períodos de 2000-2004 e 2017-2021, situação agravada pela pandemia de Covid-19.
ESTRESSE TÉRMICO E MUDANÇA CLIMÁTICA
Esse aumento tem a ver com um planeta mais quente. No início do mês, uma pesquisa publicada na revista Nature Medicine estimou que mais de 61 mil pessoas tenham morrido de calor na Europa no verão do ano passado. O número é próximo daquele registrado em uma das piores ondas de calor na região, em 2003, quando 70 mil pessoas morreram.
“De uma perspectiva européia, o verão de 2003 foi o primeiro verão muito, muito quente”, explica a vice-diretora do Serviço de Mudança Climática do observatório europeu Copernicus, Samantha Burgess. “Duas décadas depois, [os registros de] 2003 são significativamente mais frios do que algumas das ondas de calor que tivemos este ano e dos verões dos últimos dois anos”.
Ela explica que é necessário esperar até o final de agosto para saber como 2023 se compara com 2022 em termos de estresse térmico no continente. “Mas o estresse térmico veio para ficar enquanto tivermos essas altas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera”.
Ondas de calor são consideradas eventos climáticos extremos, em que temperaturas muito elevadas são sustentadas ao longo de vários dias.
De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU), estes fenômenos já triplicaram na comparação com o período de 1850 a 1900 (quando as emissões humanas de carbono começaram a escalar). O aquecimento global também faz aumentar a intensidade destes eventos.
Segundo o grupo de pesquisas WWA (World Weather Attribution), as ondas de calor que atingiram a América do Norte e a Europa em julho teriam sido “virtualmente impossíveis sem a mudança climática”.
“As ondas de calor são chamadas de assassinas silenciosas porque elas são, de longe, os eventos extremos de verão mais mortíferos que temos. Elas são muito mais mortais do que chuvas extremas, secas ou vendavais”, afirma Friederike Otto, professora do Instituto Grantham para a Mudança Climática e o Ambiente e uma das autoras do relatório do WWA.
QUANDO O CALOR É QUENTE DEMAIS?
Além das altas temperaturas, outros fatores influenciam o impacto do calor no corpo, como a incidência de vento, radiação solar e umidade. Uma brisa fresca ou a proteção da sombra de uma árvore, por exemplo, ajudam a diminuir a sensação de calor.
Já no caso da umidade do ar, índices altos dificultam o resfriamento do corpo. “O principal mecanismo de resfriamento fisiológico que temos é a evaporação do suor de nossa pele. No entanto, quando está muito, muito úmido e já há muito vapor d’água na atmosfera, isso reduz a capacidade de evaporação do suor”, explica Vecellio.
Um estudo conduzido pelo pesquisador mostrou que, entre homens e mulheres saudáveis e jovens (entre 18 e 34 anos), o calor começa a oferecer riscos à saúde quando a temperatura chega a 38°C em um ambiente com índice de umidade de 60%. Mas, com uma taxa de umidade de 100%, o número cai para 31°C.
Porém, estes números não são absolutos. O cientista ressalta que mesmo índices mais baixos podem sobrecarregar o coração e outros sistemas -especialmente em grupos mais vulneráveis, como idosos ou portadores de doenças crônicas.
Além disso, o estudo tem limitações, como o fato de ter sido conduzido na Pensilvânia (onde a população não enfrenta temperaturas tão altas quanto em regiões tropicais, por exemplo) e de o laboratório usado não considerar a incidência de radiação solar ou vento.
No caso brasileiro, a pesquisadora da Fiocruz afirma que há diferenças regionais tanto na mortalidade como nas internações hospitalares relacionadas ao calor.
“[Quem reside] na região Sul tende a ter limites menores [de resistência ao calor] do que quem reside nas regiões Norte e Centro-Oeste do país, por exemplo”, diz Beatriz Oliveira.
“Às vezes a gente fala ‘Nós temos onda de calor no Brasil, mas não vemos aquele monte de idosos morrendo, como a gente vê na Europa’. Isso porque a nossa sensibilidade ao risco é menor, porque estamos acostumados com alguns efeitos do calor. Por vivermos num país tropical, acabamos não assimilando [o calor da forma] como acontece na Europa.”
Ela explica que, além de fisiológica, a adaptação ao calor pode ser comportamental: evitar estar na rua nas horas mais quentes do dia, usar roupas mais leves, beber mais água ou fazer menos esforço físico.
Há, ainda, adaptações estruturais, como a previsão de pausas para trabalhadores que estão expostos ao sol, a preparação dos serviços hospitalares para atender a casos de estresse térmico e acesso a ambientes com ar condicionado -nos EUA e na Europa, algumas cidades oferecem centros de refrigeração, como ginásios esportivos, para onde as pessoas podem ir para escapar do calor.
JÉSSICA MAES / Folhapress