‘Blue Jean’ disseca trauma LGBTQIA+ ao acompanhar professora lésbica ameaçada

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 1988, o governo conservador de Margaret Thatcher no Reino Unido baixou uma lei que proibia discussões públicas sobre homossexualidade, em especial nas escolas. Na prática, era um ataque a uma comunidade já marginalizada, que criou mecanismos oficiais para patrulhar suas vidas públicas e privadas.

Trinta e cinco anos depois, muito mudou, embora o fantasma da homofobia institucionalizada continue presente. Foi em parte por isso que Georgia Oakley decidiu filmar “Blue Jean”, filme que chega aos cinemas nesta semana depois de receber um prêmio paralelo no Festival de Veneza e ser indicado ao Bafta.

A tal Seção 28 foi derrubada por completo em 2003, mas no Reino Unido, Estados Unidos, Brasil ou seja lá onde for, as populações LGBTQIA+ voltaram a ser atacadas em meio à ascensão de governos populistas de direita.

Se Bolsonaro normalizava falas como a de que preferia ter um filho morto a um homossexual e líderes republicanos agora encampam uma batalha ferrenha contra drag queens americanas, no Reino Unido discussões sobre terapias de conversão e os direitos da população trans vêm gerando polarização.

Um bom retrato disso é o Rainbow Map, iniciativa formada por mais de 600 organizações não governamentais voltadas à população LGBTQIA+ que mapeia os países europeus mais e menos hostis a esse grupo. Depois de passar anos como campeão europeu em termos de direitos, liberdade e segurança, o Reino Unido vem caindo consistentemente desde 2016, ocupando, agora, a 17ª posição.

“As discussões trazidas pela Seção 28 ainda estão vivas. Eu nasci em 1988 e convivi, durante toda a infância e a adolescência, com essa lei. Várias das micro-agressões que eu sofria na época eu continuo sofrendo hoje”, diz Oakley.

“Muito mudou em termos de legislação e opinião pública, mas isso não significa que não há mais homofobia. Sim, em 1988 cerca de 70% dos britânicos eram contrários à homossexualidade e, hoje, mais do que esse percentual é favorável ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas eu me interesso especialmente nos paradoxos e nas nuances disso.”

“Blue Jean” conta a história de uma professora de ensino médio na Inglaterra do fim dos anos 1980. Ela deixa carreira e vida pessoal totalmente separadas, se abstendo de debater a importância de uma sociedade mais inclusiva em sala de aula apesar de, à noite, frequentar bares lésbicos com a namorada.

Até que ela encontra uma de suas alunas num deles, e é automaticamente tomada por um pânico que abala seu relacionamento e dá vazão a uma homofobia internalizada, a uma ideia de que sua vida amorosa e sexual deve ser vivida apenas entre quatro paredes.

É um mecanismo de proteção, que encontra ecos nos dias atuais justamente em meio à patrulha que se disseminou em salas de aula, graças ao tom elevado das discussões políticas que acontecem mundo afora.

Isso leva a professora de educação física vivida por Rosy McEwen a tomar decisões questionáveis -mas Oakley reforça que não estava interessada em condenar a indisposição da personagem em levar seus amores e seu sexo a público.

“Muitas pessoas acham que há um jeito certo de ser queer. Eu não concordo com isso, porque enquanto seres humanos, somos indivíduos. Não há um jeito certo de se viver”, afirma a cineasta, que está em seu primeiro longa para os cinemas.

Ela olha com preocupação tanto para o lado conservador da sociedade, que voltou a ameaçar a existência de pessoas LGBTQIA+, quanto para um que se sente no direito de ditar qual é o jeito certo de defender um determinado estilo de vida, de lutar por direitos. “Enquanto pessoa queer, temos que vestir diferentes máscaras ao longo da vida. Mas isso é uma imposição, somos forçados por fatores externos.”

LEONARDO SANCHEZ / Folhapress

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