SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Em menos de uma semana, operações das polícias em São Paulo, no Rio de Janeiro e na Bahia deixaram ao menos 45 mortos. Moradores das cidades onde ocorreram as ações relatam viver sob um clima de medo, tensão e insegurança. Em São Paulo, a Operação Escudo deixou 16 mortos; no Rio, foram 10; e, na Bahia, 19. Os governos alegam que as tropas foram atacadas.
Operações que têm como objetivo o combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado colocam em risco a população que vive nas áreas afetadas, de acordo com a Oxfam Brasil. As ações registradas na última semana nos três estados expõem a alta letalidade policial e colocam em xeque a função de agentes de segurança.
Pesquisadores ouvidos pela reportagem alertam para os riscos da produtividade policial, que associam as operações letais a bons resultados. “O governo escolhe um modelo de mensuração de eficácia medido por prisões, autuações, apreensões de armas e, como isso tem impacto no pagamento dos policiais, acaba direcionando as atividades”, diz o pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Dennis Pacheco.
Outra questão levantada é a formação inadequada dos policiais, avalia a diretora-executiva da Oxfam, Kátia Maia. “Não se vê esse tipo de violência policial em territórios que não são periféricos. Ela ocorre em áreas em que vivem pessoas negras.”
“O Brasil é um país em que a pena de morte é proibida. Qualquer abordagem policial que parta do pressuposto de que alguns vão morrer foge ao marco legal brasileiro. A Justiça não inclui a pena de morte. O argumento do efeito colateral é usado para massacrar pessoas em guerra”, opinou Kátia.
Atuações policiais recorrentes nos mesmos territórios faz com que os agentes construam uma “clientela para prisões e apreensões”, afirma Pacheco. “Os policiais vão para territórios em que é vantajoso prender pessoas, isso gera um resultado entendido como ‘policiamento bem feito’, o que se reverte em bonificações.”
“As operações policiais tornam esses territórios locais de guerra”, diz João Luis Silva, membro da ONG Rio de Paz e da Comissão de Direitos Humanos da Alerj. Ele ressalta que ações policiais como essas provocam impactos em moradores como síndrome do pânico e hipertensão.
‘O POLICIAL JOGOU MINHA BICICLETA NO MANGUE’
Na Baixada Santista, no litoral de São Paulo, entidades de direitos humanos e órgão oficiais estão com dificuldade de colher depoimentos -os moradores estão aterrorizados, disse na terça (1) o ouvidor da Polícia, Cláudio Silva. A ação começou após a morte de um soldado da Rota, a tropa de elite da polícia paulista, no Guarujá. Até a manhã desta quinta (3), 84 pessoas foram presas.
À reportagem, uma moradora do bairro de Morrinhos contou que um policial militar a empurrou com uma criança de 2 anos e outra de 7 e jogou a bicicleta dela em uma área de mangue. Outra afirmou que viu nos fundos da casa onde vivia dois corpos -com medo, ela decidiu se mudar para morar com familiares, em outro local.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que “não há combates ao crime organizado sem efeitos colaterais”. Para o pesquisador Dennis Pacheco, a declaração é uma forma de justificar as ações policiais em desacordo com a legalidade. “Efeito colateral é um eufemismo que deixa implícito que pessoas vão morrer e ter seus direitos desrespeitados.”
‘A RESPOSTA ESTÁ NA EXECUÇÃO?’
No Complexo da Penha, no Rio, pais deixaram de levar crianças à creche e muitos moradores deixaram de se alimentar para evitar sair de casa e comprar mantimentos, segundo João Luis Silva, membro da ONG Rio de Paz e da Comissão de Direitos Humanos da Alerj. Moradores relataram ontem intenso tiroteio na região de mata entre a Penha e o Alemão.
A polícia afirma que a operação ocorreu após a descoberta de uma reunião de líderes do Comando Vermelho naquela região. Segundo Silva, a maior parte do território está sob domínio da facção. “Mas a resposta para o crime organizado está na execução dessas pessoas?”, questiona.
A ação no Complexo da Penha teve objetivo de localizar e prender integrantes de facções criminosas, diz a Secretaria da Polícia Militar. “As equipes foram atacadas a tiros por indivíduos armados e houve confronto.”
A diretora da Oxfam diz que ações como essas criam um “ambiente de violência” que “fortalece” a ação de criminosos. Segundo Kátia, a repetição de mortes mostra a necessidade de uma política nacional de segurança pública.
DISPUTA DE FACÇÕES NA BAHIA
Na Bahia, as mortes ocorreram nos municípios de Camaçari e Itatim e no bairro de Cosme de Farias, em Salvador. Dados do Instituto Fogo Cruzado mostram que apenas neste ano foram 64 trocas de tiros que resultaram em 42 pessoas mortas e nove feridos na região metropolitana.
A ação policial foi contra as facções que disputam territórios e o controle do tráfico. As principais são Bonde do Maluco (BDM) e Comando da Paz (CP). Contudo, membros do PCC e CV tem migrado para o estado e também brigam pelo controle das regiões.
“Há muitos tiroteios em vias públicas”, afirma Dudu Ribeiro, coordenador da Rede de Observatórios da Segurança da Bahia. “O comando da polícia diz que as operações são satisfatórias, mas se perdemos uma pessoa não podemos achar que isso é eficiência”.
“A palavra letalidade não pode estar na mesma frase que ‘eficiência e produtividade’. Em Salvador e na região metropolitana, o Estado tem provocado 35% dos tiroteios. As pessoas temem pelas suas vidas. A violência impõe o silêncio”, disse Ribeiro.
O QUE DIZEM OS GOVERNOS
A Secretaria da Segurança Pública da Bahia alegou que “casos de intervenção policial com resultado morte apresentaram redução de 5,8% no primeiro semestre de 2023”. Nas ocorrências registradas em Camaçari e Itatim foram encontradas, segundo a pasta, 15 armas de fogo, entre elas carabina, submetralhadoras e espingardas. Tanto a secretaria como a PM afirmou que os agentes policiais foram “surpreendidos”.
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse que “todas as ocorrências com morte durante a operação resultaram da ação dos criminosos que optam pelo confronto, colocando em risco tanto vítimas quanto os participantes da ação”.
A pasta afirmou que “todos os casos desse tipo são minuciosamente investigados pela Divisão Especializada de Investigações Criminais (DEIC) de Santos e pela Polícia Militar, por meio de Inquérito Policial Militar (IPM)”. As imagens das câmeras corporais serão anexadas aos inquéritos.
A Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro afirmou que “a opção pelo confronto é sempre dos criminosos”. A pasta argumenta que as ações da corporação “são pautadas por critérios técnicos, dados estatísticos, avaliação da área de inteligência e planejamento prévio, com a preocupação central voltada à preservação de vidas”.
FABÍOLA PEREZ / Folhapress