Adoniran Barbosa: a história de “Samba do Arnesto”

Hoje, um dos maiores nomes da MPB de todos os tempos, Adoniran Barbosa, autor de “Samba do Arnesto”, completaria mais um ano de vida. E, para homenagear o aniversariante do dia, damos continuidade à série Saudando Grandes Compositores da MPB, em que contamos a história de grandes clássicos das carreiras desses artistas. 

Adoniran Barbosa contava histórias típicas do cotidiano de São Paulo como ninguém | Foto: Divulgação

Adoniran foi um cronista musical da vida da capital de São Paulo

Cantor, compositor, ator e humorista, Adoniran Barbosa tornou-se um grande cronista musical da vida da capital paulistana, principalmente das camadas populares e dos bairros com famílias de imigrantes italianos, sendo um dos maiores representantes da música paulistana, responsável pelos grandes sambas que marcam a história da cidade de São Paulo.

Exímio observador, contava histórias típicas do cotidiano de São Paulo como ninguém, apropriando-se da linguagem popular dos cidadãos paulistanos e retratando seus tipos, costumes, dramas e alegrias, sempre com muito humor e pitadas de crítica social, sobre uma cidade que – apesar de próspera – esconde as mazelas da exclusão social.

Adoniran Barbosa

Adoniran nasceu João Rubinato e – quando começou sua carreira na rádio, onde representava diversos personagens – deu o nome de um deles, o mais famoso de todos, de Adoniran Barbosa. O personagem ganhou tanta popularidade que fez o seu intérprete mudar o nome artístico.

Filho de imigrantes italianos que vieram tentar uma vida melhor no Brasil, começou a trabalhar ainda criança para ajudar no sustento da família. Antes de começar na carreira artística, Adoniran exerceu várias atividades como garçom, serralheiro, tecelão, pintor, metalúrgico e vendedor de tecidos. 

Sempre boêmio, também frequentava os bares e as rádios das redondezas e fazia amizades com locutores e artistas. Seu verdadeiro sonho era tornar-se um conhecido artista do rádio.

Antes do rádio, tentou os palcos, sendo a atuação a sua primeira vocação. Mas foi muito rejeitado, por sua suposta falta de instrução (o pouco que não aprendeu na escola, aprendeu muito com a vida de batalha desde cedo) e também por não ter padrinhos ou grandes contatos na área.

Então, partiu para a tentativa de mostrar o seu talento estando em evidência na rádio, em plena ascensão na época.

Começou como compositor, mas logo entende que – para ser visto – precisa atuar como intérprete. Passou, então, a se arriscar como intérprete de sambas em programas de calouros. Depois de algumas tentativas frustradas, o samba que lhe abre as portas para o sucesso nas rádios é Filosofia, de Noel Rosa e André Filho, em 1933.

Primeira composição

Sua primeira composição gravada foi a marcha Dona Boa (parceria com J. Aimberê), na voz de Raul Torres, em 1935.

Em 1941, passou a trabalhar com radioteatro na Rádio Record, no programa do pioneiro Osvaldo Moles, onde interpretava diversos personagens que tinham uma linguagem bem popular e tipicamente paulistana. Foi aí que começou a criar – com a ajuda de Osvaldo – os tipos e histórias que viriam ilustrar a maioria de suas composições musicais.

Entre as personagens que criava a partir da observação do cotidiano da grande cidade paulistana e que inseriu em suas mais importantes composições, estão tipos como:

  • os despejados de cortiços e favelas;
  • os engraxates;
  • o malandro;
  • o professor;
  • o boêmio;
  • a mulher submissa que se revolta e abandona a casa;
  • o homem solitário

Entre tantos outros personagens marginalizados pelo acelerado crescimento urbano-industrial de São Paulo.

Demônios da Garoa

Foi por esta época, em 1943, que Adoniran conheceu os músicos do conjunto Demônios da Garoa e juntou-se a eles para formar uma banda que animou a torcida dos jogos de futebol promovidos por artistas de rádio no interior de São Paulo. 

Em pouco tempo, na década de 50, o grupo Demônios da Garota se tornaria o maior intérprete das canções de Adoniran e projetou seu nome no Brasil inteiro, tornando-o um dos maiores compositores da nossa história.

Em 1951, Adoniran Barbosa gravou o seu primeiro disco 78 rpm (rotações por minuto), que conta com a marcha-rancho Os Mimosos do Colibri (de Hervê Cordovil e Osvaldo Moles) e o samba de sua autoria e um dos maiores sucessos de sua carreira, Saudade da Maloca, que em gravações futuras mudou de nome para Saudosa Maloca.

A canção – que fala sobre os desabrigados, pessoas que vivem à margem da sociedade, periféricas, excluídas, expulsos de suas casas humildes devido à expansão imobiliária e abandonados à própria sorte pelo poder público – foi gravada pelos Demônios da Garoa em 1955.

O grupo paulistano entendeu a proposta de Adoniran, que trazia um linguajar matuto e cheio de “erros” de concordância nas letras, e aprimorou o “caipirês”, além de criar o inconfundível “cas cas cas cas culá” do início e do final – uma brincadeira fonética que o povo transformou em “joga as cascas pra lá, joga as cascas pra cá”.

Foi a partir desta regravação que o cantor-radioator-humorista-criador de tipos se consagrou definitivamente como compositor.

Quem foi o autor de “Trem das Onze”?

Ao longo dos anos, Adoniran Barbosa compôs e lançou diversos outros clássicos, gravados também por outros grandes nomes da MPB como Elis Regina, até chegar ao auge do sucesso com a icônica Trem das Onze, em 1964.

Outras de suas principais canções são:

  • Viaduto Santa Efigênia;
  • O Samba do Arnesto (em parceria com Alocim);
  • Tiro Ao Álvaro (parceria com Osvaldo Moles);
  • As Mariposas;
  • Malvina;
  • Um Samba no Bexiga;
  • Joga a Chave (parceria com Oswaldo França);
  • Acende o Candeeiro;
  • e Bom Dia Tristeza (sua única parceria com o poeta Vinicius de Moraes).

Adoniran também participou de mais de 10 filmes como ator.

Em que ano que morreu Adoniran Barbosa?

Em 1982, o artista faleceu vítima de um enfisema pulmonar, aos 72 anos de idade,  deixando mais de 90 letras inéditas e um legado imensurável para a história da música popular brasileira, principalmente para o samba paulistano.

Saudando Grandes Compositores da MPB

Entre os inúmeros sucessos compostos por Adoniran Barbosa, escolhemos contar a história de Samba do Arnesto e Viaduto Santa Efigênia, dois grandes clássicos.

A história de “Samba do Arnesto” (1953), de Adoniran Barbora com Alocim

Em 1953, Adoniran Barbosa gravou Samba do Arnesto, outro de seus grandes sucessos, em parceria com Alocim, que foi regravado dois anos depois pelos Demônios da Garoa, também com muito sucesso.

Arnesto, o amigo que deu o cano nos colegas de samba, realmente existiu, mas nunca morou no Brás e nem sequer convidou Adoniran para uma fracassada roda de samba. 

Ernesto Paulelli contou em uma entrevista certa vez, que conheceu Adoniran em 1938, quando foi se apresentar com a cantora Nhá Zefa, na Rádio Record, em São Paulo:

“Eu não conhecia o Adoniran e ele também não me conhecia. Nos cumprimentamos e ele pediu meu cartão. Entreguei e ele disse: ‘Arnesto Paulelli’. Eu o corrigi – disse que o nome certo era Ernesto – Mas ele insistiu: ‘É Arnesto, o seu nome dá samba.

Vou fazer um samba para você. Duvida?’. Um dia fui conversar com o Adoniran e perguntar que história era aquela de dar um bolo nele. Com aquela voz rouca ele me respondeu: ‘Arnesto, se não tem bolo não tem samba […]’. 

Deste encontro, além da inesquecível canção nasceu uma amizade de que durou até a morte de Adoniran, em 1982, aos 70 anos.

O Arnesto nos convidou

Prum’ samba, ele mora no Brás

Nós fumos, não encontremos ninguém

Nós vortermos com uma baita duma reiva

Da outra vez, nós num vai mais

No outro dia encontremo com o Arnesto

Que pediu desculpas, mas nós não aceitemos

Isso não se faz, Arnesto, nós não se importa

Mas você devia ter ponhado um recado na porta

A história da música “Viaduto Santa Efigênia” (1978), de Adoniran Barbosa e Alocim

Em 1978, Adoniran gravou outro grande clássico de sua carreira, uma homenagem a um dos cartões postais da cidade de São Paulo: Viaduto Santa Efigênia, que havia acabado de ser reformado neste mesmo ano. A canção é uma parceria com Alocin.

Durante a República Velha (1889-1930) São Paulo se industrializou, chegando a seu primeiro milhão de habitantes em 1928. A expansão da cidade para o oeste, facilitada pela criação do Viaduto do Chá, em 1892, aumentou o trânsito entre as duas margens do Vale do Anhangabaú e impôs a necessidade de mais uma ponte, que poupasse os cidadãos e os veículos de carga das agruras da ladeira da Avenida São João

Esta necessidade pontual simbolizou as transformações daquele tempo. Para saná-la foi erguida uma estrutura de metal de 225 metros de comprimento, em estilo Art Nouveau, projetada pelos arquitetos italianos Giulio Michetti e Giuseppe Chiapori.

O Viaduto Santa Efigênia nascia, desta forma, em 26 de setembro de 1913, com um desenho que remetia à Belle Époque do fim do século 19.

Mais de 50 anos depois, na década de 1970, aquele símbolo que tanto orgulhava os paulistanos quase virou sucata. Com a construção do metrô que atravessava o subterrâneo do centro de São Paulo, o viaduto parecia desnecessário.

Mas, diante da reação negativa da população, as autoridades logo descartaram a execução deste assassinato arquitetônico no coração da cidade, e reformaram o Santa Efigênia, destinando-o exclusivamente a pedestres.

Nesta época, Adoniran Barbosa, que já andava pelo viaduto, encontrou, em certa tarde, o compositor Nicola Caporrino, no Centro de São Paulo. A conversa sobre a frustrada demolição do Viaduto logo virou samba. 

Nele, o cantor fala à uma suposta Eugênia, chamando-a para ver: como ficou bonito o Viaduto Santa Efigênia, e sugerindo que ali ela viveu os momentos mais importantes de sua vida.

Como em suas outras músicas, o cantor revestiu a passarela de memórias e de histórias pessoais. Com elegância ele traduziu sentimentos particulares de pessoas humildes, de vidas marcadas pelo compasso do trabalho, sentimentos de quem contempla, com o crescimento da cidade.

​​Gostou de saber mais sobre as histórias de grandes canções da nossa música popular brasileira? Continue acompanhando a nossa série Saudando Grandes Compositores da MPB. Hoje, homenageamos o aniversariante Adoniran Barbosa.

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