SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Qual você diria ser a relação entre resistência a antibióticos e poluição? Pelo menos até agora, talvez isso nem passasse pela sua cabeça. Mas uma pesquisa, publicada nesta segunda-feira (7), aponta um grave potencial nessa combinação. Segundo o estudo, a resistência bacteriana derivada de poluição pode ter levado a quase meio milhão de mortes prematuras em 2018.
O estudo, que saiu na revista Lancet Planetary Health, buscou estimar o efeito que a poluição tem sobre a resistência a antibióticos. E os resultados sugerem uma associação positiva e robusta. De acordo com os autores, trata-se da primeira análise mundial da relação entre as bactérias resistentes e poluição, medida por meio de material particulado.
Os cientistas apontam que, considerando que a poluição é um dos fatores primários relacionados à resistência bacteriana -como sugerem os dados da pesquisa-, um maior controle poderia beneficiar a saúde global.
“O ar pode ultrapassar limites regionais e espalhar resistência a antibióticos por meio de longas distâncias e em uma grande escala, o que pode ser um link crucial entre a disseminação de tal resistência no meio ambiente e em humanos”, escreveram os autores.
Segundo as estimativas dos pesquisadores, um aumento de 10% no material particulado anual poderia levar a um crescimento de 1,1% em resistência bacteriana e, no mundo, a mais de 43 mil mortes prematuras atribuídas à resistência a antibióticos. Se ações não forem tomadas, a situação deve escalar, dizem os cientistas.
“Os resultados sugerem que, apesar de outras medidas serem necessárias contra a resistência a antibióticos, controlar poluição por material particulado pode ser uma maneira promissora de reduzir tal situação em uma escala global”, afirmam os pesquisadores.
A situação, segundo os cientistas, não é uniforme em todo o mundo. De acordo com as análises feitas no estudo, considerando que a região norte da África e a oeste da Ásia são as áreas com os mais graves níveis de poluição por material particulado, políticas de controle nesses locais poderiam levar a mudanças substanciais em resistência bacteriana.
Não é a primeira vez que é feita a correlação entre poluição (medida por meio de material particulado) e resistência microbiana. Em fevereiro deste ano, o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) lançou um relatório em que apontava o potencial que a poluição tem no espalhamento da complexa situação.
O documento destacava que, aparentemente, os sistemas aquáticos desempenham um importante papel no espalhamento da resistência.
Segundo o relatório do PNUMA, citando dados de outras pesquisas, estima-se que, em 2050, o número de mortes relacionadas à resistência microbiana possa chegar a 10 milhões por ano.
A pesquisa publicada na Lancet Planetary Health tem limitações. Países de baixa e média renda, usualmente, são os mais afetados pela resistência a antibióticos, mas também costumam ter deficiências nos dados. Além disso, há diferenças entre os países do mundo em níveis de testagem e monitoramento, o que pode afetar os resultados obtidos pelos cientistas.
Por fim, os autores do estudo alertam que os mecanismos pelos quais poluentes poderiam afetar resistência bacteriana não estão claros e evidências médicas são necessárias.
**COMO A RESISTÊNCIA SE ESPALHA**
Mas é possível que a resistência a antibióticos se espalhe pelo ar?
Basicamente, estamos expostos a elementos da resistência no dia a dia, seja pela alimentação, no contato com animais ou pelo ambiente ao redor. Com isso, o material particulado é somente uma dessas vias, mas com grande relevância, segundo a pesquisa divulgada nesta segunda.
A poluição seria uma via com capacidade de carregar e nos expor tanto às próprias bactérias resistentes a antibióticos quanto a genes de resistência bacteriana. Isso mesmo, voando por aí podem estar partes de DNA de bactérias que são resistentes aos tratamentos disponíveis.
No caso dos genes, o material particulado poderia aumentar a permeabilidade das membranas celulares das bactérias, o que poderia levar a um aumento da transferência genética horizontal entre esses micróbios e, consequentemente, à aceleração da evolução de elementos de resistência em patógenos bacterianos, dizem os cientistas.
Caso você esteja se perguntando, transferência genética horizontal é quase exatamente o que o nome indica, ou seja, pedaços de informação genética sendo transferidos entre indivíduos (que podem ser da mesma espécie ou até mesmo de espécies diferentes). Já a transferência vertical está relacionada, em linhas gerais, à reprodução, a passagem de progenitores para suas crias.
E de onde surgem essas bactérias e genes resistentes? Podem vir, por exemplo, de emissões de hospitais, indústrias farmacêuticas e, até mesmo do nosso dia a dia, nas cidades.
**COMO A PESQUISA FOI FEITA**
Os responsáveis pelo estudo construíram modelos matemáticos a partir de dados de 116 países, de 2000 a 2018, entre os quais o Brasil.
Foram utilizadas informações sobre resistência bacteriana e sobre elementos ligados ao fenômeno. Entre eles, estavam dados de uso de antibióticos, água potável, acesso a saneamento, renda per capita, gastos com saúde, letramento de adultos, temperatura e até mesmo índices de chuva. Logicamente, dados sobre material particulado, especialmente o PM 2,5, também foram levados em conta.
PHILLIPPE WATANABE / Folhapress